A força dos filmes X-Men nunca residiu apenas em seus
méritos técnicos, ou unicamente em figuras emblemáticas, mas sim numa pauta que,
transferida da nossa realidade para um mundo de fantasia, ganhou poder
representativo e, portanto, humano. A aceitação das próprias diferenças e singularidades
é um tema que conversa com a história de qualquer sociedade, principalmente nos dias de hoje,
quando minorias e grupos sociais oprimidos como os LGBT, os pobres, os negros e
as mulheres lutam para garantir igual direito a espaço entre os demais.
Portanto é apenas apropriado que Bryan Singer, dirigindo o seu quarto filme da
franquia dos mutantes, decida apelar na já tradicional sequência de abertura
dos créditos, para um túnel que atravessa as eras da humanidade e seus diversos
e tão únicos estilos, não deixando de passar também pela suástica nazista e nos
lembrar não só do impacto que aquele movimento teve na história humana, como
também o que ele representou: o extermínio de qualquer um que fugisse a um
padrão estritamente estabelecido. Por isso que é um tanto frustrante que X-Men: Apocalipse, diferente dos 5
filmes anteriores da franquia, se concentre tão pouco nas questões políticas e sociais que antes eram o mote de todas as tramas, ainda que funcione ocasionalmente como algo a mais do que mais um filme de super-heróis.
Dez anos depois dos eventos de Dias de um Futuro Esquecido é
despertado, na cidade do Cairo, um mutante que dizem ser o primeiro de todos. En Sabah
Nur (Oscar Isaac) foi traído no Egito antigo e acredita ser o pai de todas as
pessoas com o gene x mutante, acordando milênios depois para descobrir que o
mundo foi tomado pelos seres humanos normais, a quem ele chama de “fracos”. Para
retomar o seu plano de dominação global apenas da espécie mutante, ele começa a
juntar seguidores, e quando Magneto (Michael Fassbender) se torna um deles, o Professor
Xavier (James McAvoy), Mística (Jennifer Lawrence), Fera (Nicholas Hoult) e
Mercúrio (Evan Peters) tem de tentar pará-lo, unindo forças com alguns novos
talentos recém descobertos e ainda em conflito com seus próprios poderes, como
Jean Grey (Sophie Turner), Ciclope (Tye Sheridan) e Noturno (Kodi Smit-McPhee).
Então, seguindo em uma mão
diferente do que vimos antes, Apocalipse prefere se concentrar mais no habitual embate entre o vilão megalomaníaco e o time de heróis, do que
nos conflitos gerados pelas diferentes ideologias de Xavier e Magneto, que
moveram os longas anteriores. Entretanto, o projeto não abandona de todo o
debate estabelecido pela franquia, que aqui assume um viés religioso. E é impossível
não encarar En Sabah Nur como um desses típicos “profetas” que usam as crenças
e as vulnerabilidades alheias para usurpar de todos ao seu redor em vista de
seus próprios objetivos pessoais. Não há diferença, por exemplo, em vê-lo
pedindo aos seus discípulos que lutem até a morte protegendo-o, e assistir a
Marcos Feliciano exigindo que seus fiéis lhe deem dinheiro para comprar um
carro para a filha - ainda que, a metáfora do vilão se estenda a Youtubers débeis que incitam o ódio, políticos conservadores que legislam com ideias retrógradas e, claro, pastores que investem seu tempo em boicotar propagandas. Enquanto isso, a aceitação total é pregada no grupo de
Xavier, que agora enfatiza que seus alunos devem tentar atingir o seu máximo
potencial, e mais de uma vez o vemos pedindo a um dos alunos para que use sua
capacidade máxima sem medo para ajudar na causa. Ora, se a metáfora continua se
aplicando, esse novo X-Men deixa de
focar na interação social entre a população geral e grupos oprimidos, para se
deter mais em como os indivíduos dentro desses grupos interagem consigo mesmos.
Deve uma mulher se conter em ser tudo aquilo que quer ser porque a sociedade
espera que ela seja bela, recatada e do lar? Deve o homossexual ou o transexual
esconder sua verdadeira identidade ou traços dela porque isso incomodaria os demais?
Segundo o que vemos aqui, não. Deixe que tudo o que você é transpareça, esse é o
único modo de derrotar vilões que pretendem dominar, padronizar, segregar e até exterminar os que são diferentes. Pode ser uma “lição” mais genérica que a dos roteiros que
vimos antes, mas não deixa de ser válida - e que as aventuras do grupo continuem a gerar esse tipo de reflexão, mesmo que de forma rasa, como acontece aqui, é sempre um bom motivo para retornar ao seu universo.
Porém, mesmo sem uma análise mais
aprofundada, Apocalipse sobrevive
tranquilamente como um divertido e inventivo filme de ação e aventura. Mantendo
seu longa sempre visualmente interessante, Bryan Singer investe em movimentos
de câmera inclinados, acompanhados de deslizamentos laterais ou travellings que
sempre sugerem dinamicidade às suas sequências - apesar de continuar a demonstrar seu fraco para com planos criados por computação que nem sempre servem à narrativa, e que mergulham em estruturas e objetos, ou que apenas fazem movimentos que seriam impossíveis de se realizar sem a ajuda do CGI. Apesar disso, o cineasta e sua
equipe de efeitos visuais conseguem entregar uma cena envolvendo Mercúrio tão
fantástica quanto a sua primeira aparição em Dias de um Futuro Esquecido. Acompanhado sempre do compositor John
Ottman, Singer dá oportunidades que a trilha aproveita bem para comentar
momentos chave da trama, deixando o clássico tema apenas para o ápice do
clímax, quando finalmente vemos os X fazendo aquilo que os definem: usando seus
podres em conjunto para ajudarem uns aos outros. O que sempre alardeia sobre
outro aspecto da nossa realidade: é preciso que os indivíduos, oprimidos ou
não, estejam juntos, agindo em união para derrotar caras maus como o déspota
visto aqui.
O vilão, aliás, é vivido por
Oscar Isaac com alguma dificuldade, devido à pesada maquiagem. O talentoso
ator, entretanto, faz escolhas acertadas para contornar o desafio, e aposta em
uma performance menos baseada nas expressões do que na entonação e na postura, usando
da limitação de movimentos que a roupa e os adereços lhe impuseram, para
incorporar no algoz o comportamento de alguém que, com poderes quase
ilimitados, quase nunca teve que gesticular, usar os membros com
frequência ou mesmo levantar a voz - que não seja pra proferir discursos messiânicos. Já McAvoy e Fassbender repetem as suas intensas performances, sendo prejudicados apenas eventualmente por tropeços do roteiro ou da direção. Enquanto isso, Jennifer Lawrence compõe Raven com um ar cada vez menos empático (e não sei se é sua composição ou apenas a má vontade da atriz, que costuma ser carismática e, sim, muito talentosa), mas que funciona para trilhar o
caminho para a vilã que sabemos que Mística supostamente irá se tornar - será?. Já dentre o trio de
novatos, enquanto Tye Sheridan e Kodi Smit-McPhee (dois jovens intérpretes que admiro muito) constroem seus
personagens com eficiência no espaço que lhes é dado – o primeiro assumindo a
liderança sem soar um babaca, e o segundo, esbanjando a timidez e o carisma em contraste com um ser que deveria assustar apenas pela sua aparência – é Sophie Turner quem rouba as
atenções sempre que em cena, convencendo facilmente o espectador do arco de
transformação percorrido por Jean Grey ao longo do filme.
Já a Tempestade (Alexandra Shipp)
e Psylocke (Olivia Munn) pouco conseguem fazer, e surgem mais como curiosidades
interessantes do que como peças fundamentais desse tabuleiro. O que não se
pode dizer da ponta feita por um conhecido personagem da franquia, que tem seu destino
e passado rapidamente explicados, para que possa ser retomado depois. O que
deve ser o rumo que a franquia seguirá agora, prometendo continuar sem jamais abandonar sua
discussão humana e madura, que por mais escanteada que tenha ficado nesse que já é o sexto filme da saga, ainda é interessante o suficiente para deixar os debates artificiais de Batman vs Superman e a birra entre o
Capitão América e o Homem de Ferro no chinelo.
NOTA: 8/10
Nenhum comentário:
Postar um comentário