quinta-feira, 27 de julho de 2017

DUNKIRK



Christopher Nolan é um fantástico cineasta. E é importante atentar para essa palavra, “cineasta”, um título que não diz respeito apenas à direção de um filme, mas ao domínio do roteiro, da fotografia e dos demais departamentos como um todo. Porém, especificamente na função de diretor, ele pode (e deve) ser criticado na orquestração de sequências de ação, pois apesar do seu poderio e preciosismo técnicos, ainda encontra dificuldades para definir elementos básicos, como a geografia de seus cenários, por exemplo. O que poderia tornar desastroso um projeto do gênero de guerra como Dunkirk, cuja narrativa se baseia inteiramente em cenas de ação. Entretanto, a coisa toda funciona, e isso porque, como o talentoso cineasta que é, Nolan consegue se centrar em perseguições aéreas, bombardeios, naufrágios e embates corpo a corpo, e ainda assim fazer seu filme ser, na verdade, sobre a atmosfera que envolve esses conflitos. E é importante atentar para essa palavra também, “atmosfera”, pois ela representa o verdadeiro mérito aqui.


Dividido em três arcos narrativos paralelos, Dunkirk aborda os eventos da Operação Dínamo, no começo da Segunda Guerra Mundial, que engajou civis e militares britânicos no resgate de quase 400 mil soldados encurralados em uma praia no norte da França. No núcleo do ar acompanhamos o piloto Farrier (Tom Hardy), tentando impedir os bombardeiros inimigos de afundar as embarcações que transportam os soldados de um lado a outro do Canal da Mancha. No mar , somos colocados ao lado do capitão Dawson (Mark Rylance), em seu veleiro de lazer que agora usa para abrigar náufragos dos navios que os caças não conseguiram salvar. E por fim, em terra, seguimos de perto um grupo de soldados que, não prioritários na fila de embarque, tentam encontrar o próprio jeito de escapar da praia.

Aliás, é difícil conceber mentalmente como um espaço tão aberto como a praia ou o mar podem representar um beco sem saída - ainda mais quando Nolan faz questão de filmar tudo em escala Imax, com planos que impressionam por conseguirem enquadrar elementos importantes e ainda encaixar a vastidão de terra e água dentro do frame. Entretanto, é justamente com essa abordagem que o filme constrói um sentimento de claustrofobia onipresente. Já na primeira cena, por exemplo, o diretor apresenta  em plano geral um regimento de soldados atravessando as ruazinhas de uma cidade abandonada, mantendo-os ao centro e cercados pelas construções altas e próximas que reforçam a ideia de muros. Da forma similar, mesmo quando se gaba do poderio de suas câmeras voando junto com aviões de verdade, Nolan é inteligente o bastante para criar sequências que, ou nos prendem dentro da cabine junto com os pilotos, ou então que confrontam a imensidão do mar e do céu com as diminutas e frágeis aeronaves vagando no meio deles. Além disso, ele também parece interessado em planos estáticos, desafiando eventos que, instintivamente, fariam qualquer realizador cortar para takes feitos à distância, como no instante em que Tommy (Fionn Whitehead) se joga no chão para se proteger de bombas que explodem cada vez mais próximas de sua cabeça, ou naquele em que a câmera insiste em acompanhar o eixo de uma embarcação que naufraga, desorientando propositalmente o espectador quanto à referência de gravidade.

Quando fora das sequências de ação, o cineasta prefere os planos fechados, e mesmo aqueles abertos apostam na baixa profundidade de campo, o que além de incomodar por não revelar o entorno dos personagens, também confere certo intimismo a nossa relação com eles - mesmo que forçada, já que na prática nenhum é realmente desenvolvido. Nolan, porém, acaba pagando o preço dessas estratégias. Note, por exemplo, como é difícil compreender a configuração do primeiro ataque ao molhe. Afinal, em que altura dele fica o ancoradouro? Quantos navios estão sendo atacados? Os soldados que não foram parar na água, estão desembarcando onde? E pra não dizer que estou implicando, note como a mesma confusão acontece em outro momento semelhante, com um navio naufragando já em alto-mar à noite, quando o diretor se recusa a criar um plano que seja para situar o espectador do cenário geral: quantas embarcações tinham em volta, o quão distantes estavam todas elas da praia, em que parte do encouraçado estão os danos que o afundam.

Por outro lado, o filme depende muito pouco da mise-en-scène interna desses cenários - compreender a geografia geral da operação é o suficiente para mergulhar na sua atmosfera. Porque, para além da abordagem visual que citei acima, Nolan também aposta em alguns conceitos interessantes, e mesmo ousados, já que evitam propositalmente lugares-comuns que as pessoas esperam dentro da temática da Segunda Guerra. Por exemplo, o roteiro (que, aliás, pela primeira vez em mais de dez anos ele não assina ao lado do irmão Jonathan) prefere se referir aos alemães como “inimigo”, e não como nazistas ou coisa que o valha. Inimigo esse que o cineasta escolhe jamais dar rosto, tratando-o como uma verdadeira entidade quase mística que cerca e oprime as tropas encurraladas. De outra forma, ao invés de uma genérica trilha de ação ou melodias dramáticas e enaltecedoras, o habitual parceiro do diretor, Hans Zimmer, se associa fielmente ao design de som (que oferece um espetáculo à parte) e cria faixas que se baseiam nos tiques de um relógio, apostando em crescentes incomodativas que configuram uma ameaça perpétua sobre a cabeça dos protagonistas.

A atmosfera de tensão só se completa, entretanto, quando se leva em conta a estrutura de Dunkirk, em que Nolan volta a brincar com a questão da passagem de tempo. Depois de explorar o conceito de arcos com diferentes temporalidades em A Origem e Interestelar, o cineasta volta a brincar com o conceito ao estabelecer que acompanharemos paralelamente uma semana na praia, um dia no mar e uma hora no céu. Assim, conforme elementos de um arco ou de outro vão surgindo antes ou depois e de modos diferentes em cada um, torna-se divertido e, claro, tenso, tentar amarrar as tramas e descobrir o desfecho de todas elas. Porém, isso não deixa de ser mais uma firula narrativa do que um recurso pelo qual o projeto implorava, ainda que o torne mais interessante de se assistir.

E ele é, inebriante na verdade. Dunkirk pode não ser o melhor filme que Christopher Nolan já produziu até hoje (este seria ou O Grande Truque, Batman - O Cavaleiro das Trevas ou A Origem), mas é um que com certeza se destaca. Surge como uma obra à parte em sua filmografia, menos preocupada com o racionalismo da trama do que com o exercício de gênero - é quase como assistir um músico praticando uma melodia até executá-la com perfeição. Se a melodia é bela ou boa de se ouvir, já é outro assunto. Desse ponto de vista, inclusive, o longa poderia ser um filme mudo. Com pequenos ajustes e seus diálogos teriam sido completamente limados, já que o projeto se sustenta tranquilamente na imagem e no som. E convenhamos, mesmo que nada disso funcionasse, mesmo que a melodia firmemente executada fosse frustrante, ainda assim seria admirável a intenção de se reinventar vinda de um cineasta com estilo tão marcado como Nolan. Pois antes o erro cometido pela tentativa de acertar, do que aqueles aberrantes e pretensiosos de “cineastas” como Michael Bay - e aqui é importante atentar às aspas.





terça-feira, 18 de julho de 2017

TRANSFORMERS: O ÚLTIMO CAVALEIRO



Caro Michael Bay,


Volto a lhe escrever pois, novamente, tive dificuldades para entender o seu novo filme do Transformers. Me magoa um pouco que ainda não tenha respondido a última carta, aquelas dúvidas lá de 2014 sobre A Era da Extinção permanecem. Porém, vejamos o que pode fazer por mim sobre esse O Último Cavaleiro:


Quando digo que não entendi o filme, Michael, não falo da trama, essa eu consigo compreender de forma geral, e como não? Ela é idêntica às outras quatro, já que é a quinta vez que nos apresentam uma origem diferente para os robôs - e o pessoal reclamando da cronologia dos X-Men. Sem contar que… afinal, quantos objetos místicos e superpoderosos esses bichos têm? É que a cada novo filme surge um cubo, uma gema, uma espada e agora um cajado dotado de propriedades únicas para destruir/salvar o mundo - dependendo de quem está atrás dele, claro. Aliás, os Decepticons só estão de birra com os humanos ou tem um objetivo maior mesmo? Porque mais parece que eles ficam catando desculpas para nos destruir, tipo aquele pessoal meio racista e elitista que continua inventando motivo esfarrapado pra acabar com os programas de inclusão socia… Ah! Entendi! É tudo uma crítica social foda contra o conservadorismo e o liberalismo, isso? Tomara que seja, seria genial.


Mas enfim, continuo:


Não, senhor Bay, o que eu não compreendo muito bem é o projeto como um todo. Digo, você sabe que numa narrativa que tem muita ação, uma cena de calmaria se destaca de forma gritante? Assim como num filme mais contido, uma perseguição cheia de capotagens e tiros pode tirar o fôlego do espectador e, por sua vez, esse da cadeira? Te explico isso porque, além de obviamente ser uma informação nova pra você (e é sempre bom se manter aprendendo, Michael), o teu filme parece todo um único bloco compacto de… Então, de quê? Pois quando tudo é ação desenfreada, é difícil distinguir um momento do outro, e devido a isso não consigo destacar uma única cena memorável desse quinto episódio. O que é impressionante para um filme com tantos efeitos visuais e explosões!  E aqui você se superou, hein? Admito que fiquei sem palavras quando percebi que tinham bolas de fogo e faíscas estourando já durante a vinheta da Paramount.


Bom, de qualquer forma, isso me deixou bem perdido, e admito que não consegui entender quais robôs ficaram vivos e quais morreram ao final. Me ajuda?


Cogman ( ) vivo ( ) morto;
Hot Rod ( ) vivo ( ) morto;
Hound ( ) vivo ( ) morto;
Megatron: ( ) vivo ( ) morto ( ) não faz diferença, vamos trazer ele de volta no próximo de qualquer maneira;


Porém, sem isso eu consigo viver, Mikie, não é como se eu tivesse me conectado com nenhum desses personagens a ponto de me importar com o destino deles. A coisa é que são tantos Autobots, Decepticons, veículos, lugares, naves, pessoas e planetas (!) sendo destruídos e saltando de um lado pro outro que ficou bem complicado seguir seu filme pelos detalhes. E eu fico realmente triste de ter que apontar isso como um ponto negativo, já que sua equipe de criação continua demonstrando uma habilidade impressionante para conceber personagens e cenários minuciosamente desenhados pelo CGI, só para que você os destrua… não com explosões, mas com sua direção :-( |sad face|.


Mas eu te entendo, Michael! Esses efeitos todos devem custar uma grana, e daí cê tem que cortar de outros departamentos, isso? Pode se abrir comigo, cara. Faltou orçamento pra uma lente grande-angular? Ou uma objetivazinha? É, deve ser uma barra só poder usar lentes tele pra filmar cenas de ação, os quadros ficam fechados, você tem que filmar de longe com um zoom forçado e daí qualquer tremidinha do operador de câmera já fode com a estabilidade do quadro, né? Tô ligado, poxa, queria poder te ajudar nisso, man. E pelo visto deu ruim pro tripé e nem um steadyzinho cês conseguiram né? Mas não fica triste não, aquela montueira de ângulo sem eixo até que têm um charme. Problema é só quando o filme todo é assim, né, ainda mais porque você já não é muito cuidadoso com a montagem.


Aliás, cê tem falado com seus montadores, Bay? Cara, nem te conto, eles tão investindo num trabalho super conceitual, a inspiração no Terrence Malick tá pegando solta lá na sua sala de pós-produção. Afinal, cronologia, eixo e continuidade devem ser conceitos meio fora de moda, certo? Só fico feliz que, com tudo isso, você pelo menos conseguiu deixar bem visíveis suas homenagens às marcas de patrocinadores, o que também não era muito difícil né, agora que os logos dos fabricantes dos carros ficam expostos no peito dos robôs.


Enfim, se puder me dar uma mão nos pormenores do roteiro eu também ia ficar agradecido: aquela ligação clandestina que o Cage (Mark Wahlberg) faz pra filha dele no início, não é a primeira, né? Porque ele discute com o Hound se o robô já cumpriu os protocolos habituais. Então, por que a garota insiste em repassar para o próprio pai as tecnicalidades da ligação? “Eu sei que você não pode dizer nada (...) eu sei que você só pode falar mais uns 15 segundos”. Quero dizer, se o telefonema tinha que ser curto pra não ser rastreado, pra que perder tempo explicando pro pai algo que ele devia saber melhor do que ela? Isso só seria plausível se tivesse outra pessoa ouvindo os dois conversarem (tipo um espectador) e a menina duvidasse da inteligência desse ouvinte e quisesse deixar a situação clara, mas você não faria isso, né?


Aliás, esse estranhamento me acometeu diversas vezes no seu filme, Michael, então volto a pedir que dê mais atenção aos seus personagens, cara. Eles continuam demonstrando uma carência incrível, apontando o óbvio o tempo inteiro! Caralho, podíamos fazer um drinking game só com as vezes que algum transformer diz o próprio nome, rodada dupla se for o Optimus - o que também me lembra: quantos anos esses bichos têm mesmo? Falando nele, não me surpreende que essas figuras estejam tão carentes, você volta e meia esquece deles por um longo tempo. O Optimus é um que surge nos minutos iniciais e volta lá do meio pro final. E aquela tal de Izabella? Parecia ser uma das coisas mais legais do filme, principalmente pela vivacidade da atriz Isabela Moner, mas depois do primeiro ato ela some e ressurge nos minutos finais eu nem sei como, pois naquela cena vários personagens que estavam em partes distantes do mundo brotam no meio do clímax… Como eles chegaram lá?! Quero dizer, cinzas vulcânicas provocam cancelamentos em massa de voos na Europa, mas um planeta inteiro colidindo com o nosso tá beleza, é vida que segue.


Mas estamos falando do filme sobre carros que se transformam em robôs gigantes, que também acontecem de ter a forma de dragões e dinossauros, plausibilidade não deveria ser bem a sua preocupação. Afinal, deve tomar um tempo considerável da sua concentração planejar qual o melhor jeito de valorizar a Laura Haddock em vestidos de tubinho com grandes decotes - ela não parece com alguém que a gente conhece, Michael? Como era o nome daquela outra menina mesmo, Meggie? Megan? Algo assim.


Eu ainda teria muito o que perguntar, cara, mas vou deixar as coisas por aqui, se não, tomo todo o seu tempo - aliás, o que vai fazer agora que disse que não volta pra Transformers 6? Espero que coisa boa, lembra de Sem Dor, Sem Ganho? Gosto daquele, faz outro parecido! Até lá, um beijão senhor Bay! Como de praxe, aguardo seu retorno pra poder escrever a crítica desse filme aqui, e enquanto isso, deixo aquela nota provisória, ok?




P.S.- Cá entre nós, você pagou o Anthony Hopkins ou ele fez pela diversão?