quinta-feira, 28 de setembro de 2017

KINGSMAN: O CÍRCULO DOURADO


O cineasta Matthew Vaughn despontou na última década com uma estética curiosa. Ainda que tenha conduzido produções de baixo e alto orçamento, insistiu em ambos os casos nos truques de montagem, em planos chamativos (e econômicos), e na construção cuidadosa de cenas para construir seus personagens e suas relações. Estratégias como essas estão normalmente associadas a projetos que tanto buscam um apelo junto ao público, quanto precisam burlar o uso de efeitos visuais e demais gastos com cenários, locações etc. Porém, o que era necessidade, Vaughn transformou em estilismo, assinando filmes cujos grafismos e trucagens narrativas tornavam o todo ainda mais interessante, e mesmo seu multimilionário X-Men: Primeira Classe (provavelmente o melhor dos filmes X-Men) preferia o impacto extraído da simplicidade de uma montagem paralela, repleta de cortinas e multitelas (algo que qualquer um com acesso ao Movie Maker poderia fazer em casa), do que a pirotecnia de batalhas épicas construídas em CGI. Foi assim que deu luz também aos divertidos Nem Tudo é o Que Parece, Stardust: O Mistério da Estrela, Kick-Ass: Quebrando Tudo (excepcional) e ao predecessor do longa em debate aqui, Kingsman: Serviço Secreto.


Então é um sabor agridoce que este Kingsman: O Círculo Dourado força o espectador a experimentar. Pois, se por um lado o cineasta ainda consegue divertir com um plano que se prolonga mais do que o esperado até invadir a cavidade vaginal de uma personagem, ou com transições como aquela que transforma um pacote de maconha numa selva, por outro, ele parece perder o timing de sua estrutura - uma piadinha envolvendo o conteúdo de um cofre pode ser antecipada tão antes, que quando se concretiza, o momento soa apenas constrangedor; não muito diferente daquele clichê em que, durante um jantar importante, o protagonista comete uma gafe sem perceber. Acontece que aqui, depois dos eventos do filme anterior, Eggsy (Taron Egerton) se vê sozinho na companhia de Merlin (Mark Strong) para lidar com um novo inimigo da humanidade, a excêntrica Poppy (Julianne Moore), uma traficante de drogas aficionada pela década de 1950 - incluindo a típica obsessão da época com um futuro dominado pela tecnologia, então idealizada em aparelhos cromados e animatrônicos. A vilã da vez espalhou um veneno mortal em suas mercadorias, e pretende chantagear os governos mundiais em troca da cura.

Para lidar com o problema, a dupla de agentes da Kingsman terá de unir forças com seus primos americanos, os Statesman, cujo quartel general é, apropriadamente, uma fábrica de bebidas em forma de garrafa - e são esses detalhes que aos poucos vão salvando o projeto. Vaughn, por exemplo, tem um bom tino para as sequências de ação, e é inteligente que já inicie o longa com uma luta entre Eggsy e um ciborgue dentro de um carro em perseguição com outros veículos armados de metralhadoras gigantes (!), pois isso relembra de cara ao espectador que universo é aquele e qual o grau de absurdo que devemos esperar - e o diretor não decepciona essas expectativas, investindo em cenas que abordam pessoas sendo colocadas em um cômico e enorme triturador de carne, o nada prático protocolo de estocar indivíduos doentes em gaiolas num estádio de futebol e ainda uma armadilha mortal improvisada num teleférico, cuja implausibilidade diverte por si só.

Além disso, o filme apresenta alguns novos personagens interessantes, obviamente se entretendo ao fazer dos Statesman o suprassumo dos texanos, e aí se torna apropriado que tenham escolhido Jeff Bridges e sua persona para interpretar o líder do grupo. Entretanto, é uma pena que o carismático Tequila de Channing Tatum seja desperdiçado, introduzido apenas para ser retirado da ação principal da trama logo em seguida. Algo que deveria ter sido feito, em retrospecto, com Elton John, vivendo a si mesmo em uma ponta que se alonga demais, azedando a piada. O que não pode ser dito do Whiskey de Pedro Pascal, que magnetiza as cenas de que participa com seu laço elétrico e uma canastrice forçada. Enquanto isso, Julianne Moore parece se divertir horrores vivendo Poppy e seu inabalável bom humor, ao passo que Colin Firth retorna como Harry Hart (não é spoiler, está no trailer e no pôster) com alguma sensibilidade, ainda que jamais volte a protagonizar uma cena tão insana como a luta da igreja no primeiro filme. Não que O Círculo Dourado não tente, e o embate final no covil da vilã tem os seus momentos - principalmente pelo estilo que Vaughn emprega nos conflitos corpo a corpo, movendo sua câmera ao redor dos personagens com uma velocidade, proximidade e precisão que certamente demandam o uso de complementos digitais para funcionar.



E se anteriormente elogiei a parceria entre o cineasta e o compositor Henry Jackman (a trilha de Primeira Classe é excelente), aqui me vejo obrigado a apontar que os temas do músico soam intrusivos demais, muitas vezes arruinando o timing por comentar em excesso aquilo que estamos vendo. Isso mesmo que se leve em conta o acertado tom cartunesco do projeto, ainda mais saliente do que na versão anterior, sendo este o principal problema dessa continuação: dosagem. Apesar de tanto, Matthew Vaughn continua sendo uma figura interessante para se manter um olho, toda a habilidade e potencial que demonstrou anteriormente ainda estão impressos na tela, mas talvez aqui tenha faltado um pouco de humildade - e foco, já que parece querer defender tanto o ponto de vista liberal quanto conservador sobre o uso de drogas e o modo como o governo trata os usuários, isso embora empregue sem escrúpulos Bruce Greenwood para compor a sua versão caricata do presidente dos Estados Unidos (que ainda assim falha por não conseguir ser tão absurda quanto Donald Trump).





Um comentário:

  1. Adorei a diraçao do filme, o diretor ainda faz piada com “Apocalypse now” e o jeitão do ator Burt Reynolds.A dorei ver a Poppy Delevingne no filme, é uma atriz preciosa que geralmente triunfa nos seus filmes. Recém a vi em filme rei arthur, inclusive a passarão em TV, sendo sincera eu acho que a sua atuação é extraordinário, em minha opinião é a atriz mais completa da sua geração, mas infelizmente não é reconhecida como se deve.

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