quarta-feira, 18 de setembro de 2013

O TEMPO E O VENTO

 

     O Tempo e o Vento é uma produção ousada, sem dúvidas, pois não só adapta a importantíssima e cultuada obra de Érico Veríssimo (que não li), como também aposta muitas fichas em um drama de época nacional, algo bem diferente das habituais comédias produzidas por nosso cinema (estas cada vez piores), que ao menos garantem o retorno de verba. Produzido pela Globo filmes e pela Downtown filmes, o projeto é claramente feito para se tornar posteriormente uma minissérie da rede Globo, assim como sucedeu a Chico Xavier e O Bem-Amado recentemente, por exemplo. Algo que obviamente prejudica o material quando posto em forma de longa-metragem, seja por sua fotografia muitas vezes televisiva ou pela montagem que claramente corta grandes nacos de sua narrativa para encaixá-lo nas costumeiras duas horas de duração. E no fim, o produto que não foi pensado como um filme, gera um apenas mediano.


     E mediano é a palavra correta para definir quase todos os aspectos do longa, que encontra pontos altos e baixos em quase todas as suas áreas. O filme começa com uma Bibiana já idosa (Fernanda Montenegro) recebendo de visita a lembrança do Capitão Rodrigo (Thiago Lacerda), quando então começa a narrar a história de sua família e a sua própria, enquanto faz um paralelo com a História do Estado do Rio Grande do Sul. Aliás, a dupla de atores é um dos pontos altos do filme. Montenegro encarna Bibiana com uma energia admirável, algo que é mantido em sua versão mais jovem, adequadamente vivida por Marjorie Estiano, que inclusive adota alguns trejeitos da atriz veterana, como o jeito de passar a mão no rosto de Rodrigo. Mas é mesmo Lacerda quem chama a atenção sempre que em cena, seu espirituoso Capitão é carismático, inquieto e inteligente, e seu segmento definitivamente o melhor dentro da trama. E se a escalação de atores como estes citados se mostra acertada, o mesmo não se pode dizer de Cléo Pires, cujo horroroso desempenho inexpressivo faz rir involuntariamente em pelo menos dois instantes, um deles à beira de um rio, quando se assusta, é especialmente vergonhoso.


     O roteiro também tem seus bons e maus momentos, sequências como a narração inicial de Bibiana, um duelo entre Rodrigo e um Cambará que acaba em uma ótima tirada ("falta só a voltinha do erre!") e a confissão do Capitão para o Padre (Zé Adão Barbosa) são ótimos exemplos de cenas onde o texto funciona. Já em instantes como o que Ana Terra (Pires, blé!) conta aos pais que está grávida ("eu devia tomar um remédio?") ou aqueles em que os personagens se limitam a explicar a situação política atual se mostram frágeis e mesmo risíveis, algo que também é culpa da montagem (chego lá em um minuto). Já a recriação de época é eficiente na maior parte do tempo, assim como a maquiagem e figurino... Mas adivinha? Eles também têm seus pontos fracos. As vestimentas de Rodrigo em momento algum remetem a um soldado vindo da guerra e sem lar estabelecido, parecendo mais uma fantasia carnavalesca de tão limpa e reluzente, enquanto o Gloss nos lábios de certas personagens salta aos olhos, isso pra não citar o receptor esperto de um microfone lapela preso na cintura do menino Pedro em dado momento, que aparece visivelmente.


     Seguindo o padrão, a fotografia do competente Affonso Beato, em momentos mais inspirados, aposta em constantes planos contra o pôr do sol, o que em obras de cunho épico sempre remete à E o Vento Levou, mas caí em lugar comum novelesco ao investir na aborrecida técnica do plano e contra-plano. E todos os momentos que envolvem dois personagens se apaixonando adotam a mesma e enjoada linguagem, que consiste em fechar os planos no rosto dos atores enquanto estes se encaram com expressões tolas. O que de certa forma acaba compensando e ajudando a enfatizar que estas figuras vão se aproximar, já que segundo o roteiro os casais se formam apenas por exigência de fidelidade a obra original, nunca aprofundando ou embasando nenhum dos relacionamentos vistos em tela. Se acreditamos e compramos Bibiana e Rodrigo neste sentido, é graças à química entre seus intérpretes e não ao roteiro que os colocou juntos.


     Em contra partida, a montagem é o único aspecto do longa que mantém uma constância em sua qualidade. É ruim o tempo todo. A morte da mãe de Ana Terra, por exemplo, soa como a punch line de uma piada (depois de dizer que nada aconteceria de mal a sua mãe, um corte brusco nos leva até o funeral da mesma). Já os Fades out marcam a narrativa praticamente a cada cena, tentando e conseguindo transmitir a sensação de passagem do tempo, o que acaba conferindo à narrativa um terrível tom episódico, não havendo fluidez ao saltar de um acontecimento ao outro, fazendo parecer que estamos riscando tópicos a serem abordados ao invés de estarmos assistindo a um filme que deveria se desenrolar com naturalidade. Isso, é claro, é porque de fato o longa está riscando tópicos em uma lista, abordando as partes mais importantes de uma história sem se preocupar em ligá-las eficientemente, o que também denuncia um certo preciosismo dos roteiristas, que claramente tentam ser demasiados fiéis a obra de Veríssimo, se esquecendo a todo instante de estarem lidando com uma adaptação, e obviamente, falhando enquanto tal. Adaptar uma obra jamais significa ser cem por cento fiel a sua narrativa, mas sim a sua história (seu teor), modificações são bem-vindas nestes casos, se elas tornam a transposição mais funcional, é óbvio. Por isso que se chama de adaptar.


     Claro que parte destes erros é fruto da direção obtusa de Jayme Monjardim, que faz pouco proveito da produção do longa e filma de maneira confusa e até mesmo patética uma invasão à Casa Grande de Santa Fé, mais pro fim do filme. Mas que acerta eventualmente, principalmente ao criar figuras de linguagem interessantes para representar morte e nascimento. A roda de uma roca parando de funcionar em dois momentos representa a morte de membros da família Terra, enquanto uma velha tesoura ensanguentada sendo lavada identifica mais um nascimento com a mesma eficiência. Figuras que poderiam até mesmo ser interpretadas com mais profundidade, remetendo às Moiras da mitologia grega, até porque aqui realmente são as mulheres de diferentes gerações da família que tecem na roca e que manipulam a tesoura, mas tendo em vista o resto de suas decisões enquanto diretor, duvido que esta tenha sido a intenção de Monjardim.


     A belíssima (mas repetitiva) trilha de Alexandre Guerra abre e fecha o filme com ares épicos, um tom que infelizmente se perde conforme o longa vence sua duração, e novamente, se o desfecho é comovente isso deve-se aos intérpretes dos icônicos Capitão Rodrigo e Bibiana, e não à direção, ao roteiro e muito menos à montagem. É claro que para alguém como eu, que nasci, cresci e moro no Rio Grande do Sul, a história tem outro apelo, assim como é até divertido catar nomes de profissionais que conheci pessoalmente nos créditos finais, seja entre os atores ou na parte técnica. De qualquer forma O Tempo e o Vento (a palavra "vento" é dita constantemente, medo dos roteiristas de que esqueçamos que está no título?) não concretiza a maioria de suas metas, ainda que se mantenha um projeto ambicioso, não entediando nenhum espectador, mas com certeza aborrecendo com o seu ritmo truncado e roteiro raso. E com a Cléo Pires. Óbvio. Não tem como não se irritar com a Cléo Pires.


NOTA: 5/10                



       

9 comentários:

  1. Boa crítica, ainda que eu tenha me emocionado bastante, não sei se conseguiria dar mais de 5/10 também.
    Depois de ler teu texto, entendi que algumas coisas talvez façam sentido só para os leitores de O Tempo e o Vento, por exemplo, a recorrência do termo "vento", que tu diz ser "medo dos roteiristas de que esqueçamos que está no título". Na verdade, o vento é um elemento importante e muito presente na narrativa ("noite de vento, noite dos mortos")e está associado em especial à história das mulheres da família Terra.
    Espero que na minissérie este e muitos outros nós fiquem mais presos e que a história fuja um pouco deste tom tão romântico que eu vi na tela. Agora é esperar para ver...

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  2. Começa assim, "importantíssima e cultuada obra de Érico Veríssimo (que não li)", bem eu também nem li o resto da crítica por coerência!

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    1. Eliseu,

      Não vejo que falta de coerência está apontando, já que, assim como muitos dos milhares que foram assistir ao filme neste final de semana, eu também não li o livro, o que de maneira alguma me torna menos apto a falar sobre o filme. Afinal, este é um espaço para se falar de cinema, não de literatura, então veja bem que está sendo coerente ou não. Um filme tem que se sustentar como filme, totalmente independente de sua obra original. E eu não ter lido, aliás, não quer dizer também que não estudei sobre, e acredite, não abro minha boca sem fazê-lo nunca, sobre assunto algum.

      O que sugere com seu comentário então? Que quem não leu o livro não deveria emitir opinião alguma sobre o filme?

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  3. Amigo estuda mais porque você não sabe nada sobre cinema. Criticas muito ruins. Não tem coerência.

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Achei a foto supimpa e não vi problemas graves nela, acho que nem mesmo os planos e contra-planos comprometeram a foto. De resto concordo plenamente, mas gostei do filme como um todo.

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