sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

CRÍTICA: COMO TREINAR O SEU DRAGÃO 3


Quando estreou em 2010, Como Treinar o Seu Dragão me chamou a atenção por trazer um roteiro corajoso. Apesar de repassar uma relação bastante batida entre homem, fera e a sociedade que a rejeita, a animação tomava decisões arriscadas que, no fim, serviam como pagamento em troca da comoção, que chegava no desfecho de forma natural. Para colocar tudo na ponta do lápis, não é qualquer filme voltado ao público infantil que amputa não um, mas dois de seus protagonistas. Aliás, é difícil encontrar produções para o grande público que tomem decisões definitivas e as assumam, pois normalmente os estúdios temem a rejeição e a falta de opções para se explorar em continuações.

Foi esse espírito que também me levou satisfeito para fora da sala de cinema em 2014, depois de assistir Como Treinar o Seu Dragão 2. Não só porque a sequência voltava a tomar um rumo ousado, mas também porque assumia uma passagem de tempo considerável na idade de Soluço, o herói da história. Veja bem, não digo que os momentos catárticos específicos de cada filme são tudo que há de bom neles. Não estou citando aqui a linda fotografia que o gênio Roger Deakins ajudou a construir no segundo filme, nem mesmo o design de produção criativo e minucioso dos cenários e personagens, tampouco me detenho na trilha empolgante de John Powell ou na concepção diversa dos astros deste universo, que são os dragões. E embora traga de volta a maioria dessas características, Dragão 3 é mais comedido e menos ousado, mais preocupado realmente em ser o derradeiro episódio da saga de Soluço e Banguela.


Retomando a história um ano após os acontecimentos do último filme, o longa nos reapresenta à cidadezinha de Berk agora que ela está superpopulada, tanto pelos vikings quanto pelos lagartos alados cuspidores de fogo que se tornaram sua especialidade. Com isso e os caçadores se aproximando por todos os lados, o povoado decide sair peregrinando em busca de um novo lar e de um santuário para os bichos, pois Grimmel, um perigoso matador de dragões, está obcecado com a ideia de caçar o último Fúria da Noite e, agora, o seu belo par romântico também, a Fúria da Luz.

A nova dragão, inclusive, já surge como um conceito um tanto preguiçoso, já que ela é basicamente uma versão pintada de branco do Banguela. O roteiro até tenta fazer uma graça sendo cínico sobre isso para despistar as críticas, mas acaba se apoiando demais no carisma da dragoa para que a falta de inventividade passe batida. De outra forma, alguns dos outros novos dragões chamam bem mais atenção, como um que se assemelha a um alce e aqueles que servem de capangas para Grimmel, que lembram ao mesmo tempo serpentes, escorpiões e crustáceos, assumindo uma visualidade bastante ameaçadora que nos faz acreditar de saída que se tratam de animais altamente letais.

Já a Berk concebida para este terceiro capítulo é bem mais detalhada e propositalmente poluída do que antes, conseguindo traduzir muito bem o caos de que Bocão tanto reclama. Aliás, embora ainda de forma discreta, a homossexualidade do personagem fica inegável desta vez, sendo bastante agradável que tanto ele quanto o seu interesse romântico fujam dos estereótipos que os gays costumam ganhar nas telonas. Já Grimmel se configura como o mais interessante de todos os vilões que a saga já angariou. Inteligente e sádico, o caçador realmente convence de que está sempre um ou dois passos à frente dos heróis, o que só torna o seu desfecho mais decepcionante.

Aliás, é a primeira vez que um dos filmes da série não ganha um clímax explosivo e grandiloquente na sua escala. Apropriado? Bom, é uma decisão claramente racional, já que o roteiro está claramente mais interessado em desenvolver um fechamento para as relações dos seus personagens. Por outro lado, a falta de um desafio que soa intransponível, como existia antes, e a facilidade com que tudo se resolve, acaba não inspirando a comoção. É o que eu disse no começo deste texto, Dragão 1 e 2 se arriscavam e pagavam o preço pela comoção do espectador. Dragão 3 parece querer muito mais dessa comoção, mas pagando um valor bem menor do que antes.

De outra forma, este universo ainda encontra bastante força na simples observação de suas belezas. Os momentos mais imersivos, especialmente aquele que explora uma dança aérea entre Banguela e a Fúria da Luz, e ainda aquele que descortina o mundo escondido dos dragões e sua impressionante concepção visual, são instantes de pura sensorialidade que funcionam no intento de deslumbrar o espectador e fazê-lo entender porque os personagens se importam em defender tudo aquilo. São trechos que, sozinhos, quase que salvam o empreendimento como um todo.

Claro que Soluço e Banguela ainda são protagonistas encantadores e engraçadinhos demais para não cativar. O fechamento de suas trajetórias pode ser um tanto clichê, mas também é bastante justo com ambos. E é esta a sensação com que somos mandados para fora da sala de cinema: a resolução é satisfatória, mas não mais do que isso. Ainda assim, como trilogia. Como Treinar o Seu Dragão é mágica e doce o suficiente para ser lembrada e ficar no coração dos fãs e das próximas gerações. Se essa realmente tiver sido a nossa última visita ao universo dos dragões de Berk, eu vou ficar feliz de retomar os capítulos anteriores no futuro, mas talvez eu prefira só relembrar de cabeça este aqui.

Nota: 7/10

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