sexta-feira, 12 de julho de 2013

O HOMEM DE AÇO



"O filho se torna o pai e o pai se torna o filho"

     Nunca li uma HQ sequer sobre o Superman (não conto sua breve aparição em O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller), e também não quero me demorar falando aqui sobre os filmes da franquia anterior, que exceto por um pequeno detalhe, é completamente (e felizmente) ignorada neste novo longa. Mas a frase dita pelo personagem de Marlon Brando no filme de 1978, que coloquei encabeçando o texto, serve perfeitamente para descrever o que acontece ao mais famoso de todos os super-heróis com a chegada de Homem de Aço aos cinemas. Nada mais de salvar gatinhos de árvores e chega de vilões com assistentes atrapalhados, a trilogia Batman e Watchmen: o Filme trouxeram em 2008 e 2009 um novo conceito que aparentemente grande parte do público ansiava para ver inserido no mundo de seus heróis: o realismo, a trama adulta e as implicações políticas e sociais sobre a existência de justiceiros mascarados. Então, não é a toa que foram os responsáveis por estas produções que acabaram por encabeçar este reboot do Super-Homem, Christopher Nolan e Zack Snyder. E eu não estou desprezando a antiga franquia, que sim, possuí pelo menos dois ótimos, divertidíssimos e icônicos filmes, apenas dizendo que o mercado que os próprios Nolan e Snyder ajudaram a criar, raramente aceita um produto fora de seu novo padrão. Entenda que, por exemplo, Os Vingadores, enquanto sucesso de bilheteria é uma exceção que deve acontecer cada vez menos.


     Após ser enviado pelos pais, Lara (Ayelet Zurer) e Jor-El (Russel Crowe), de uma Krypton em crise política e natural, Kal-El chega à Terra, onde começamos a acompanhar sua vida já adulta paralelamente a flashbacks que retomam sua infância e adolescência. Mas é quando um antigo inimigo, o exilado General Zod (Michael Shannon), chega ao nosso planeta em busca de vingança, que o último filho de Krypton (Henry Cavill) terá de vestir a capa vermelha e enfrentar o déspota. 


     Vamos começar pela polêmica. Superman não é só um herói, ele é O super-herói e quase nada pode detê-lo. Kriptonita, um fragmento de seu planeta natal (um resquício do passado, que poético han?) é a única coisa que o enfraquece, fora isso, seu outro famoso ponto fraco é ter uma impecável bússola moral. Superman não mata, ponto final. Eis que, neste O Homem de Aço, o Clark Kent de Henry Cavill, não só mata, acidental e propositalmente, como também se mostra um tanto vingativo e imprudente ao usar os seus super poderes. E ao invés de ficar enraivecido ao ver o personagem traindo alguns de seus mais clássicos conceitos, eu me peguei admirando-o por isso. Ali estava um Super-Homem no qual eu podia acreditar que existisse, um Clark Kent que cabia no mundo de cores frias e dessaturadas criado por Snyder e Nolan. E mesmo o seu ato final, ao assassinar Zod, não me pareceu gratuito. Pelo contrário, diz exatamente sobre o personagem aquilo que muitos consideraram ter sido traído. É verdade que os dois em sua luta final provavelmente mataram centenas (se não milhares!) de pessoas? Sim. Então, se o nosso herói, ao ver uma única família em perigo, decidisse não trair esta regra, deixando Zod viver e continuar a matar, ele não estaria traindo TODOS os seus outros fundamentos morais? Sim também. E é por isso que a decisão final de Kal-El representa um dos pontos mais altos deste novo filme e define conclusivamente o personagem que seus realizadores queriam trazer às telas. Um Super-Homem mais humano, que ainda não conhece totalmente o potencial destrutivo de seus poderes, mas que sim, luta pelo bem e a paz ainda que não exclua a possibilidade de, em último caso e numa situação de desespero, conseguir estes objetivos através da traição de seu princípio mais básico.


     E é este personagem que Henry Cavill interpreta com uma acertada introspecção, apostando em um Clark mais sério e calculista, ainda que jamais esqueça de impregnar suas ações com a calma e a gentileza do homem que aprendeu a viver num mundo de papelão, basta apenas observar o carinho cauteloso com que abraça sua mãe terrestre (Diane Lane), envolvendo seu corpo nos braços sem jamais parecer tocá-la de verdade. Enquanto isso, as escolhas das figuras familiares do nosso protagonista surgem muito adequadas nas peles de Zurer, Crowe, Costner e Lane. E se Crowe surge contido como o pragmático Jor-El, é Lane quem surge como a alma da humanidade de Clark, sensível e resistente, sua Martha Kent explica toda a compaixão e bondade presentes na personalidade de seu filho adotivo. Enquanto isso, nas poucas aparições que lhe são reservadas, Costner consegue estabelecer Jonathan Kent como um pai que, através de uma posição egoísta, demonstra todo o amor que sente por Clark. "Talvez você devesse" responde ele afirmando que Clark, para se proteger, deveria ter deixado um ônibus cheio de colegas afundar num rio ao invés de tê-los salvado arriscando a revelação de sua identidade. Já Amy Adams se sai muito bem, como de costume, vivendo a famosa jornalista Lois Lane com uma energia contagiante e que faz jus a participação da personagem na história, que graças ao roteiro de Goyer (já chego nele), não a deixa apenas como a mocinha a ser salva e traz a personagem como um elemento constantemente ativo dentro dos eventos da trama. E pra completar, Michael Shannon emprega um sotaque enrolado e meio estranho a Zod, mas que passa batido graças a performance viva do ator, que consegue compor o vilão como um ser bidimensional com facilidade (Zod parece relutante em matar um ser de sua espécie, assim como quando tem de fazê-lo, estampa em suas expressões o arrependimento).


     Já Snyder parece estar presente apenas nos créditos finais, já que sua direção sempre tão marcante, composta sempre por belíssimas composições de quadros e efeitos em câmera lenta em demasia, aqui dá lugar a uma câmera de mão constante e zooms frenéticos. Em particular, a sequência inicial em Krypton parece ter sido dirigida por J.J. Abrams, com seus flares e estilo de ação, ainda que o diretor de Watchmen e 300 às vezes mostre que realmente está por trás das câmeras, como num momento de delírio de seu protagonista em que cria um belo plano do Super sobre um chão forrado de caveiras e um sol poente gigante ao fundo, ou em uma cena de luta entre a capanga de Zod, Faora (Antje Traue), e um grupo de militares onde sua câmera acompanha todos os movimentos calculados da oponente durante o embate. As lutas, aliás, representam um dos pontos altos de Snyder, que incrivelmente consegue tornar harmônico dentro de seu longa momentos de reflexão, com planos detalhes em macro de objetos aleatórios que estabelecem com eficiência se tratarem de lembranças, e outros de pura ação, com tomadas enérgicas que constroem batalhas épicas no terceiro ato da projeção. E outro ponto positivo de Homem de Aço está na proporção destas lutas que fazem jus a força dos personagens envolvidos, e assim, não é difícil imaginar o número de vidas que foram perdidas em meio aos escombros de Smallville e Metrópolis, algo que Snyder entende e trata com solenidade ao jamais mostrar, por exemplo, uma comemoração de vitória por parte dos heróis, que calados, aceitam ter conseguido superar os antagonistas, sem nunca esquecer do preço pago por isso. Um tom melancólico que (o sempre ótimo) Hans Zimmer invoca em sua trilha, ao mesmo tempo em que não deixa de criar um tema ostensivo para seu herói.


     O design de produção por sua vez se baseia no cinza e no bronze, que se misturam apropriadamente com a fotografia pálida, principalmente em Krypton onde as formas e texturas se assemelham as figuras de H.G. Giger. E os próprios figurinos, sempre em tons de cinza ou azul escuro, ajudam a estabelecer este mundo em uma realidade mais dura e fria. E para os mais atentos, percebam as pistas deixadas nos cenários para os fãs hardcore, como o logotipo da Lexcorp, empresa dirigida pelo clássico vilão de Clark, Lex Luthor, que aparece no topo de um prédio e na lateral de um caminhão. Assim como o símbolo de outra empresa famosa no universo da DC Comics, o da Wayne Enterprise. É só uma pena que o momento em que Kal-El surge com o uniforme azulão pela primeira vez seja menos impactante do que o esperado, inclusive a própria introdução das famosas vestes do super-herói chega meio seca, ainda que verossímil.


     Uma falta de tato que é obviamente derivada de uma escolha consciente de seus realizadores em prol do tom realista com que David S. Goyer está acostumado a impregnar seus roteiros desde Batman Begins. O roteirista, aliás, retoma aqui alguns de seus maneirismos, como o gosto por explicar bem mastigadinho todos os detalhes da trama, e num certo momento em que os heróis discutem o seu plano contra os vilões, não seria difícil imaginar as câmeras de mão de Nolan, a altura dos olhos, acompanhando em um só take todo o diálogo. Por outro lado, as referências bíblicas, embora bem cabidas, muitas vezes soam óbvias demais, como se o escritor duvidasse da capacidade do espectador de entender o paralelo Kal-El/Jesus que ele pretendia fazer. E assim, logo após ouvir Jor-El dizer "Você pode salvar todos eles", Clark se joga no espaço de braços abertos e com as pernas juntas, numa óbvia referência a crucificação, com Hans Zimmer acompanhando toda a sequência com um coro sacro, o que torna tudo quase um grande embaraço. Há também outro plano em que Snyder filma Cavill contra um vitral onde o próprio Jesus Cristo está retratado, isso enquanto o personagem pergunta a um padre "Eu devo me entregar para salvá-los?". Uma ideia bacana? Sim. Mas que poderia ter ficado nas sutilezas, como quando quase que ao acaso alguém revela a idade de Clark, 33 anos, ou até mesmo quando o próprio Jor-El diz, antes de enviar o filho para longe de Krypton, "Ele será um deus para eles".


     Contando ainda com efeitos especiais impecáveis que tornam todo o gigantesco clímax em um espetáculo a parte, o longa ainda conta com uma montagem acertada, que pode até tirar o impacto do surgimento do herói ao acompanhar sua trajetória jovem a adulta paralelamente, mas que com isso jamais deixa que o ritmo do filme diminua. A inserção já ao final de uma cena de Clark ainda criança chega a dar um nó na garganta. E mesmo que triste por não ver impresso em tela o Zack Snyder do qual aprendi a gostar, com certeza, eu me juntarei ao Sol junto com o Kal-El estabelecido pelo diretor neste ótimo O Homem de Aço.


NOTA: 9/10


PS- O 3D (convertido) não vale a pena, a fotografia escura, a câmera de mão, a montagem acelerada e a quase inexistente profundidade de campo em certas cenas anulam completamente qualquer resquício que se poderia ter do bom uso da tecnologia no filme.


      

2 comentários:

  1. Eu tava em dúvida se assistia ou não o filme, mas agora já me decidi: vou assistir sim, e o mais rápido possível! hahaha

    ResponderExcluir
  2. A versão dublada ta legal, ta MUITO boa mesmo.

    ResponderExcluir