"O filho se
torna o pai e o pai se torna o filho"
Nunca li uma HQ sequer sobre o Superman (não conto sua breve aparição em O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller), e também não quero
me demorar falando aqui sobre os filmes da franquia anterior, que exceto por um
pequeno detalhe, é completamente (e felizmente) ignorada neste novo longa. Mas
a frase dita pelo personagem de Marlon Brando no filme de 1978, que coloquei
encabeçando o texto, serve perfeitamente para descrever o que acontece ao mais
famoso de todos os super-heróis com a chegada de Homem de Aço aos cinemas. Nada mais de salvar
gatinhos de árvores e chega de vilões com assistentes atrapalhados, a trilogia Batman e Watchmen: o Filme trouxeram em 2008 e 2009 um novo
conceito que aparentemente grande parte do público ansiava para ver inserido no
mundo de seus heróis: o realismo, a trama adulta e as implicações políticas e
sociais sobre a existência de justiceiros mascarados. Então, não é a toa que
foram os responsáveis por estas produções que acabaram por encabeçar este reboot do Super-Homem, Christopher Nolan e Zack Snyder. E eu não
estou desprezando a antiga franquia, que sim, possuí pelo menos dois ótimos,
divertidíssimos e icônicos filmes, apenas dizendo que o mercado que os próprios
Nolan e Snyder ajudaram a criar, raramente aceita um produto fora de seu novo
padrão. Entenda que, por exemplo, Os
Vingadores, enquanto sucesso de bilheteria é uma exceção que deve
acontecer cada vez menos.
Após ser enviado pelos pais, Lara (Ayelet Zurer) e Jor-El (Russel Crowe),
de uma Krypton em crise política e natural, Kal-El chega à Terra, onde
começamos a acompanhar sua vida já adulta paralelamente a flashbacks que
retomam sua infância e adolescência. Mas é quando um antigo inimigo, o exilado
General Zod (Michael Shannon), chega ao nosso planeta em busca de vingança, que
o último filho de Krypton (Henry Cavill) terá de vestir a capa vermelha e
enfrentar o déspota.
Vamos começar pela polêmica. Superman não é só um herói, ele é
O super-herói e quase nada pode detê-lo. Kriptonita, um fragmento de seu
planeta natal (um resquício do passado, que poético han?) é a única coisa que o
enfraquece, fora isso, seu outro famoso ponto fraco é ter uma impecável bússola
moral. Superman não mata, ponto final. Eis que, neste O Homem de Aço, o Clark Kent de
Henry Cavill, não só mata, acidental e propositalmente, como também se mostra
um tanto vingativo e imprudente ao usar os seus super poderes. E ao invés de
ficar enraivecido ao ver o personagem traindo alguns de seus mais clássicos
conceitos, eu me peguei admirando-o por isso. Ali estava um Super-Homem no qual
eu podia acreditar que existisse, um Clark Kent que cabia no mundo de cores
frias e dessaturadas criado por Snyder e Nolan. E mesmo o seu ato final, ao
assassinar Zod, não me pareceu gratuito. Pelo contrário, diz exatamente sobre o
personagem aquilo que muitos consideraram ter sido traído. É verdade que os
dois em sua luta final provavelmente mataram centenas (se não milhares!) de
pessoas? Sim. Então, se o nosso herói, ao ver uma única família em perigo,
decidisse não trair esta regra, deixando Zod viver e continuar a matar, ele não
estaria traindo TODOS os seus outros fundamentos morais? Sim também. E é por
isso que a decisão final de Kal-El representa um dos pontos mais altos deste
novo filme e define conclusivamente o personagem que seus realizadores queriam
trazer às telas. Um Super-Homem mais humano, que ainda não conhece totalmente o
potencial destrutivo de seus poderes, mas que sim, luta pelo bem e a paz ainda
que não exclua a possibilidade de, em último caso e numa situação de desespero, conseguir estes
objetivos através da traição de seu princípio mais básico.
E é este personagem
que Henry Cavill interpreta com uma acertada introspecção, apostando em um
Clark mais sério e calculista, ainda que jamais esqueça de impregnar suas ações
com a calma e a gentileza do homem que aprendeu a viver num mundo de papelão,
basta apenas observar o carinho cauteloso com que abraça sua mãe terrestre
(Diane Lane), envolvendo seu corpo nos braços sem jamais parecer tocá-la de
verdade. Enquanto isso, as escolhas das figuras familiares do nosso
protagonista surgem muito adequadas nas peles de Zurer, Crowe, Costner e Lane.
E se Crowe surge contido como o pragmático Jor-El, é Lane quem surge como a
alma da humanidade de Clark, sensível e resistente, sua Martha Kent explica
toda a compaixão e bondade presentes na personalidade de seu filho adotivo.
Enquanto isso, nas poucas aparições que lhe são reservadas, Costner consegue
estabelecer Jonathan Kent como um pai que, através de uma posição egoísta,
demonstra todo o amor que sente por Clark. "Talvez você devesse"
responde ele afirmando que Clark, para se proteger, deveria ter deixado um
ônibus cheio de colegas afundar num rio ao invés de tê-los salvado arriscando a
revelação de sua identidade. Já Amy Adams se sai muito bem, como de costume,
vivendo a famosa jornalista Lois Lane com uma energia contagiante e que faz jus
a participação da personagem na história, que graças ao roteiro de Goyer (já chego
nele), não a deixa apenas como a mocinha a ser salva e traz a personagem como um
elemento constantemente ativo dentro dos eventos da trama. E pra completar,
Michael Shannon emprega um sotaque enrolado e meio estranho a Zod, mas que
passa batido graças a performance viva do ator, que consegue compor o vilão
como um ser bidimensional com facilidade (Zod parece relutante em matar um ser
de sua espécie, assim como quando tem de fazê-lo, estampa em suas expressões o
arrependimento).
Já Snyder parece estar
presente apenas nos créditos finais, já que sua direção sempre tão marcante,
composta sempre por belíssimas composições de quadros e efeitos em câmera lenta
em demasia, aqui dá lugar a uma câmera de mão constante e zooms frenéticos. Em
particular, a sequência inicial em Krypton parece ter sido dirigida por J.J.
Abrams, com seus flares e estilo de ação, ainda que o diretor de Watchmen e 300 às vezes mostre que realmente está por
trás das câmeras, como num momento de delírio de seu protagonista em que cria
um belo plano do Super sobre um chão forrado de caveiras e um sol poente
gigante ao fundo, ou em uma cena de luta entre a capanga de Zod, Faora (Antje
Traue), e um grupo de militares onde sua câmera acompanha todos os movimentos
calculados da oponente durante o embate. As lutas, aliás, representam um dos
pontos altos de Snyder, que incrivelmente consegue tornar harmônico dentro de
seu longa momentos de reflexão, com planos detalhes em macro de objetos
aleatórios que estabelecem com eficiência se tratarem de lembranças, e outros
de pura ação, com tomadas enérgicas que constroem batalhas épicas no terceiro
ato da projeção. E outro ponto positivo de Homem
de Aço está na proporção destas lutas que fazem jus a força dos
personagens envolvidos, e assim, não é difícil imaginar o número de vidas que
foram perdidas em meio aos escombros de Smallville e Metrópolis, algo que
Snyder entende e trata com solenidade ao jamais mostrar, por exemplo, uma
comemoração de vitória por parte dos heróis, que calados, aceitam ter conseguido
superar os antagonistas, sem nunca esquecer do preço pago por isso. Um tom
melancólico que (o sempre ótimo) Hans Zimmer invoca em sua trilha, ao mesmo
tempo em que não deixa de criar um tema ostensivo para seu herói.
O design de produção
por sua vez se baseia no cinza e no bronze, que se misturam apropriadamente com
a fotografia pálida, principalmente em Krypton onde as formas e texturas se
assemelham as figuras de H.G. Giger. E os próprios figurinos, sempre em tons de
cinza ou azul escuro, ajudam a estabelecer este mundo em uma realidade mais
dura e fria. E para os mais atentos, percebam as pistas deixadas nos cenários
para os fãs hardcore, como o logotipo da Lexcorp, empresa dirigida pelo
clássico vilão de Clark, Lex Luthor, que aparece no topo de um prédio e na
lateral de um caminhão. Assim como o símbolo de outra empresa famosa no
universo da DC Comics, o da Wayne Enterprise. É só uma pena que o momento em
que Kal-El surge com o uniforme azulão pela primeira vez seja menos impactante
do que o esperado, inclusive a própria introdução das famosas vestes do
super-herói chega meio seca, ainda que verossímil.
Uma falta de tato que
é obviamente derivada de uma escolha consciente de seus realizadores em prol do
tom realista com que David S. Goyer está acostumado a impregnar seus roteiros
desde Batman Begins. O
roteirista, aliás, retoma aqui alguns de seus maneirismos, como o gosto por
explicar bem mastigadinho todos os detalhes da trama, e num certo momento em que
os heróis discutem o seu plano contra os vilões, não seria difícil imaginar
as câmeras de mão de Nolan, a altura dos olhos, acompanhando em um só take todo o
diálogo. Por outro lado, as referências bíblicas, embora bem cabidas, muitas
vezes soam óbvias demais, como se o escritor duvidasse da capacidade do
espectador de entender o paralelo Kal-El/Jesus que ele pretendia fazer. E
assim, logo após ouvir Jor-El dizer "Você pode salvar todos eles",
Clark se joga no espaço de braços abertos e com as pernas juntas, numa óbvia
referência a crucificação, com Hans Zimmer acompanhando toda a sequência com um
coro sacro, o que torna tudo quase um grande embaraço. Há também outro plano em
que Snyder filma Cavill contra um vitral onde o próprio Jesus Cristo está
retratado, isso enquanto o personagem pergunta a um padre "Eu devo me entregar
para salvá-los?". Uma ideia bacana? Sim. Mas que poderia ter ficado nas
sutilezas, como quando quase que ao acaso alguém revela a idade de Clark, 33
anos, ou até mesmo quando o próprio Jor-El diz, antes de enviar o filho para
longe de Krypton, "Ele será um deus para eles".
Contando ainda com
efeitos especiais impecáveis que tornam todo o gigantesco clímax em um
espetáculo a parte, o longa ainda conta com uma
montagem acertada, que pode até tirar o impacto do surgimento do herói ao acompanhar
sua trajetória jovem a adulta paralelamente, mas que com isso jamais deixa que
o ritmo do filme diminua. A inserção já ao final de uma cena de Clark ainda
criança chega a dar um nó na garganta. E mesmo que triste por não ver impresso
em tela o Zack Snyder do qual aprendi a gostar, com certeza, eu me juntarei ao Sol junto com o Kal-El estabelecido pelo diretor neste ótimo O Homem de Aço.
NOTA: 9/10
PS- O 3D (convertido) não vale a pena, a fotografia escura, a câmera de mão, a montagem acelerada e a quase inexistente profundidade de campo em certas cenas anulam completamente qualquer resquício que se poderia ter do bom uso da tecnologia no filme.
PS- O 3D (convertido) não vale a pena, a fotografia escura, a câmera de mão, a montagem acelerada e a quase inexistente profundidade de campo em certas cenas anulam completamente qualquer resquício que se poderia ter do bom uso da tecnologia no filme.
Eu tava em dúvida se assistia ou não o filme, mas agora já me decidi: vou assistir sim, e o mais rápido possível! hahaha
ResponderExcluirA versão dublada ta legal, ta MUITO boa mesmo.
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