terça-feira, 16 de agosto de 2011

A ÁRVORE DA VIDA

     Em dado momento de A Árvore da Vida, o jovem protagonista questiona a Deus assim: "Por que devo ser bom, se você não é?". A pergunta fica no ar por vários segundos, deixando não só que absorvamos seu peso na trama, como também em nossa própria filosofia de vida, independente de qual for esta. É com momentos como este, que o novo longa de Terrence Malick propicia a seu espectador não só algo cinematograficamente belo, mas também uma experiência sensorial a todos aqueles dispostos a se entregar de corpo e alma aos mais profundos questionamentos existenciais.


     Jack O'Brien (Sean Pean) é um homem amargurado e perdido no mundo moderno. A morte do irmão mais novo aos 19 anos traumatizou sua vida e a de sua família, gerando conflitos externos e internos entre eles, mesmo anos depois. É então que Jack relembra sua infância nos anos cinquenta, quando seus pais disputavam os valores que iriam ensinar a ele e aos outros dois irmãos. De um lado o pai, o Sr. O'Brien (Brad Pitt), austero e severo, e do outro a mãe, a Sra. O'Brien (Jessica Chastain), acolhedora e bondosa. Assim, Jack, logo nos primeiros anos de sua vida já começa a questionar e experimentar os prazeres e sacrifícios exigidos por ambos os caminhos de vida, e não tardará a sofrer as consequências de estar preso entre os dois representados por seus pais, aprofundando sua compreensão do universo para com nós, e de nós para com o universo.
     Natureza e graça. É destes dois elementos que são feitos o universo. Ou assim afirma Malick através de seu roteiro. O cineasta já afirma sua teoria nos primeiros minutos de filme, nos mostrando o Sr. O'Brien como um patriarca rígido e egoísta, ainda que moderadamente, demonstre carinho pelos filhos. Seus valores se baseiam na força, na virilidade, na disciplina e no sangue-frio. Assim o diretor (e também roteirista) já põe o personagem como um representante da natureza, classificando-a como fria e altamente seletiva, e por que não, a obra prima de Deus. A ferramenta criada pelo próprio, para selecionar apenas aqueles com os valores mais apreciados por ele, sua representante na Terra. Enquanto a Sra. O'Brien representa a graça, o altruísmo e o contato com o universo. Segundo Malick, a graça é a ferramenta humana de aceitação de que ele é apenas uma minúscula parte de um todo. 
     Definidos seus "lados", Malick trás de volta seu conhecido estilo onde predomina a técnica da voice over (narração em off), aqui muito mais justificada que nunca, já que acompanhamos o filme principalmente a partir do ponto de vista do jovem Jack O'Brien (Hunter McCracken), quase que de dentro de sua cabeça, assim não é por nada que o diretor mantenha sua câmera predominantemente em ângulos contra-plongée e em baixos níveis, sugerindo o ponto de vista de uma criança. Então não espere um filme contado nos moldes tradicionais e já facilmente compreensíveis, pois Malick cria um longa complexo narrativamente, somando tudo isso a um roteiro puramente metafórico e uma trama existencialista, criando assim uma obra difícil de acompanhar e feita para poucos absorverem. Quem conhece o estilo do diretor não vai estranhar a sua linguagem única ou sua falta de senso cronológico dentro da montagem do competente Daniel Rezende, que procura simular o fluxo de lembranças do personagem central. Aliados a fotografia criada a partir de uma iluminação suave de Emmanuel Lubezki, que cria o palco perfeito para se desenrolar a história escrita pelo talentoso realizador.
     Para explanar o sentimento dos personagens em relação ao universo, o diretor decide em certo momento, simplesmente parar o filme para nos inserir em uma sequência de uns dez minutos que se dedica a mostrar a formação do universo do Big Bang até a atualidade. Uma cena onde Malick explora todos os potenciais do som e da luz (notem em especial a sequência onde é inserida Lacrimosa), se aproveitando da imersão propiciada por uma sala de cinema, o cineasta nos leva nesta jornada que além de ser visualmente espetacular, é chocante, sufocante e tenebrosa. Mostrando um universo gigantesco em formação e nos passando a dimensão de nossa existência dentro do mesmo, o cineasta não só nos põe no contexto da história e metáfora que pretende criar, mas também nos faz experimentar o sentimento vivido pelo protagonista tornando sua jornada como personagem muito mais crível e ainda mais fascinante.
     Claro que muitos créditos devem ser dados ao jovem ator Hunter McCracken que consegue encarnar o drama do jovem Jack, com seus olhares sempre sérios, expressões firmes e um andar encurvado. O garoto é pressionado pelo pai a se manter disciplinado, através de uma educação rígida, e tem sua válvula de escape na mãe que parece passiva aos acontecimentos, quase como se os ignorasse, preferindo o contato com a natureza. Recebendo dois tipos muito diferentes de educação, o garoto fica preso entre ambas, às vezes pendendo para uma, às vezes para outra. Em certo momento Jack decide questionar a visão dos pais em relação a Deus e ao Universo, assumindo um comportamento destrutivo que repudia a verdade terrível de que ele não passa de uma mera peça em um enorme quebra-cabeça, e acaba por dizer assim: "Mãe. Pai. Vocês estão sempre lutando dentro de mim." afirmando a indecisão do garoto em relação aos sentimentos que tem dentro de si. A vontade de ser o mais forte vinda do pai, brilhantemente representada por Malick através dos planos onde mostra o garoto abusando do irmão mais novo em questões de força e confiança. E a vontade de se conectar com a natureza, de ser simplesmente bom para com todos vinda da mãe, que Malick também sabe demonstrar muito bem ao mostrar o olhar de deslumbre do garoto ao ver a mesma brincar com uma borboleta ou flutuar sobre a grama. 
     A relação de Jack com os pais então é mais um ponto que o filme alcança. Sendo o funcionamento desta crucial para a trama, era importante que os atores tivessem um mínimo de química entre si. E a dinâmica entre Pitt, Chastain e McCracken surge naturalmente, em performances que se completam e se traduzem ao reagirem tão bem um ao outro, convencendo o público dos dramas ali vividos. Brad Pitt já nos dá o caráter severo de seu personagem no corte de cabelo curto e ao andar com postura reta. Porém nunca repudiamos o personagem, que mesmo tendo tudo para ser uma daquelas figuras puramente autoritárias consegue fugir do estereótipo de vilão ao nos convencer do amor que sente por sua família, e na sua crença de que agindo desta maneira, os ensinará a serem fortes. Enquanto isso Jessica Chastain sabe nos mergulhar em sua personagem que quase em momento algum parece estar ligada ao mundo físico, sempre com olhares perdidos no infinito e movimentos amplos com os braços, Chastain nos mostra o quanto sua personagem é ligada ao universo como um. 
     E Malick não para por ai. Seu filme tem símbolos de mais para que em apenas uma sessão se possa descobrir e interpretar todos. Por exemplo, ao mostrar a primeira imagem da galáxia se formando, o diretor a mostra na vertical, sugerindo, porque não, um ventre. Ou ao mostrar um dinossauro (sim, tem dinossauros) tendo "compaixão" do outro, o cineasta resolve em seguida mostrar sua brutal extinção, quase como um ato de punição de Deus a "fraqueza" da espécie. E é não por acaso que, mais tarde ao sugerir um abuso contra um velho e ferido cão por parte de Jack, nada lhe aconteça. Reparem também que durante o filme muitas vezes o diretor nos entrega planos mostrando as fontes de luz, quase tratando-as como fontes de divindade. Por exemplo, no plano em que a Sra. O'Brien aponta para o céu onde a luz é intensa e diz: "É lá que Deus mora". E neste caso é interessante notar que ao ser trancado com raiva dos pais em um armário, a primeira reação de Jack seja "apagar a luz".
     Tecnicamente correto, plasticamente irretocável, contando com ótimas performances de seu elenco e uma direção inteligente e cheia de significados, A Árvore da Vida se mostra um dos mais belos filmes sobre a vida e sobre os questionamentos universais existencialistas. E acima de tudo, faz isso sem deixar de fora ninguém entre o mais fervoroso dos religiosos até o mais cético dos Ateus. Tirem suas teorias!


NOTA: 10/10 

Um comentário:

  1. Bem Yuri o que dizer...este não é um filme para quem decide ver um filme melodramático ou linear...ele não segue uma lógica...e sim um conceito...o do próprio diretor de como as coisas são...é um filme sutil, quase etéreo...mas terrivelmente profundo e reflexivo...é um filme para ser visto por aquelas pessoas de visão mais aguçada e muito sensibilidade...enfim gosto de pensar que sou parte de uma elite de pessoas que conseguem ver nas entrelinhas...me reconheci em muitas situações e isso é maravilhoso...pois poucos filmes me fizeram pensar como este filme fez...parabéns pela crítica

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