A ÁRVORE DA VIDA
Em dado momento de A Árvore da Vida, o jovem protagonista questiona a Deus assim: "Por que devo ser bom, se você não é?". A pergunta fica no ar por vários segundos, deixando não só que absorvamos seu peso na trama, como também em nossa própria filosofia de vida, independente de qual for esta. É com momentos como este, que o novo longa de Terrence Malick propicia a seu espectador não só algo cinematograficamente belo, mas também uma experiência sensorial a todos aqueles dispostos a se entregar de corpo e alma aos mais profundos questionamentos existenciais.
Jack O'Brien (Sean Pean) é um homem amargurado e perdido no mundo moderno. A morte do irmão mais novo aos 19 anos traumatizou sua vida e a de sua família, gerando conflitos externos e internos entre eles, mesmo anos depois. É então que Jack relembra sua infância nos anos cinquenta, quando seus pais disputavam os valores que iriam ensinar a ele e aos outros dois irmãos. De um lado o pai, o Sr. O'Brien (Brad Pitt), austero e severo, e do outro a mãe, a Sra. O'Brien (Jessica Chastain), acolhedora e bondosa. Assim, Jack, logo nos primeiros anos de sua vida já começa a questionar e experimentar os prazeres e sacrifícios exigidos por ambos os caminhos de vida, e não tardará a sofrer as consequências de estar preso entre os dois representados por seus pais, aprofundando sua compreensão do universo para com nós, e de nós para com o universo.
Natureza e graça. É destes dois elementos que são feitos o universo. Ou assim afirma Malick através de seu roteiro. O cineasta já afirma sua teoria nos primeiros minutos de filme, nos mostrando o Sr. O'Brien como um patriarca rígido e egoísta, ainda que moderadamente, demonstre carinho pelos filhos. Seus valores se baseiam na força, na virilidade, na disciplina e no sangue-frio. Assim o diretor (e também roteirista) já põe o personagem como um representante da natureza, classificando-a como fria e altamente seletiva, e por que não, a obra prima de Deus. A ferramenta criada pelo próprio, para selecionar apenas aqueles com os valores mais apreciados por ele, sua representante na Terra. Enquanto a Sra. O'Brien representa a graça, o altruísmo e o contato com o universo. Segundo Malick, a graça é a ferramenta humana de aceitação de que ele é apenas uma minúscula parte de um todo.
Portanto, a natureza (o Sr. O'Brien) é uma força egoísta que seleciona os mais aptos para a sobrevivência, e a graça (a Sra. O'Brien) é uma força altruísta que acredita cegamente no funcionamento do universo como um, e que todos devemos aceitar nossa efêmera passagem por aqui para fazer o melhor que pudermos para mantê-lo funcionando. Para o primeiro, Deus está na forma da natureza, e por isso devemos demonstrar obediência a ela também, submissão a suas regras e aptidão para enfrentar seus desafios. Para o outro, Deus está na graça, na entrega do espírito a natureza, na integração com a mesma. Para este a natureza não é má ou seletiva, é lógica, e, portanto, não devemos ser tementes a ela, e sim parte da mesma.
Definidos seus "lados", Malick trás de volta seu conhecido estilo onde predomina a técnica da voice over (narração em off), aqui muito mais justificada que nunca, já que acompanhamos o filme principalmente a partir do ponto de vista do jovem Jack O'Brien (Hunter McCracken), quase que de dentro de sua cabeça, assim não é por nada que o diretor mantenha sua câmera predominantemente em ângulos contra-plongée e em baixos níveis, sugerindo o ponto de vista de uma criança. Então não espere um filme contado nos moldes tradicionais e já facilmente compreensíveis, pois Malick cria um longa complexo narrativamente, somando tudo isso a um roteiro puramente metafórico e uma trama existencialista, criando assim uma obra difícil de acompanhar e feita para poucos absorverem. Quem conhece o estilo do diretor não vai estranhar a sua linguagem única ou sua falta de senso cronológico dentro da montagem do competente Daniel Rezende, que procura simular o fluxo de lembranças do personagem central. Aliados a fotografia criada a partir de uma iluminação suave de Emmanuel Lubezki, que cria o palco perfeito para se desenrolar a história escrita pelo talentoso realizador.
Claro que muitos créditos devem ser dados ao jovem ator Hunter McCracken que consegue encarnar o drama do jovem Jack, com seus olhares sempre sérios, expressões firmes e um andar encurvado. O garoto é pressionado pelo pai a se manter disciplinado, através de uma educação rígida, e tem sua válvula de escape na mãe que parece passiva aos acontecimentos, quase como se os ignorasse, preferindo o contato com a natureza. Recebendo dois tipos muito diferentes de educação, o garoto fica preso entre ambas, às vezes pendendo para uma, às vezes para outra. Em certo momento Jack decide questionar a visão dos pais em relação a Deus e ao Universo, assumindo um comportamento destrutivo que repudia a verdade terrível de que ele não passa de uma mera peça em um enorme quebra-cabeça, e acaba por dizer assim: "Mãe. Pai. Vocês estão sempre lutando dentro de mim." afirmando a indecisão do garoto em relação aos sentimentos que tem dentro de si. A vontade de ser o mais forte vinda do pai, brilhantemente representada por Malick através dos planos onde mostra o garoto abusando do irmão mais novo em questões de força e confiança. E a vontade de se conectar com a natureza, de ser simplesmente bom para com todos vinda da mãe, que Malick também sabe demonstrar muito bem ao mostrar o olhar de deslumbre do garoto ao ver a mesma brincar com uma borboleta ou flutuar sobre a grama.
E Malick não para por ai. Seu filme tem símbolos de mais para que em apenas uma sessão se possa descobrir e interpretar todos. Por exemplo, ao mostrar a primeira imagem da galáxia se formando, o diretor a mostra na vertical, sugerindo, porque não, um ventre. Ou ao mostrar um dinossauro (sim, tem dinossauros) tendo "compaixão" do outro, o cineasta resolve em seguida mostrar sua brutal extinção, quase como um ato de punição de Deus a "fraqueza" da espécie. E é não por acaso que, mais tarde ao sugerir um abuso contra um velho e ferido cão por parte de Jack, nada lhe aconteça. Reparem também que durante o filme muitas vezes o diretor nos entrega planos mostrando as fontes de luz, quase tratando-as como fontes de divindade. Por exemplo, no plano em que a Sra. O'Brien aponta para o céu onde a luz é intensa e diz: "É lá que Deus mora". E neste caso é interessante notar que ao ser trancado com raiva dos pais em um armário, a primeira reação de Jack seja "apagar a luz".
Com sua boa montagem e a interação convincente entre os atores, Malick consegue envolver o público com a família O'Brien, tornando-a carismática em um filme cuja linguagem poderia facilmente tornar a relação do espectador com os personagens fria, distante e até chata. Assim, é de grande importância a trilha de Alexandre Desplat que pontua com cuidado as emoções dos momentos que presenciamos na rotina desta família. Usando dos violinos e dos corais, ele exalta não só a sublimidade destas relações, mas também o teor sagrado de seu tema. E, em dada cena, também é possível acompanhar com prazer, a bela composição de Bedrich Smetana, Vltava, que acompanha o crescimento dos filhos dos O'Brien.
Tecnicamente correto, plasticamente irretocável, contando com ótimas performances de seu elenco e uma direção inteligente e cheia de significados, A Árvore da Vida se mostra um dos mais belos filmes sobre a vida e sobre os questionamentos universais existencialistas. E acima de tudo, faz isso sem deixar de fora ninguém entre o mais fervoroso dos religiosos até o mais cético dos Ateus. Tirem suas teorias!
Bem Yuri o que dizer...este não é um filme para quem decide ver um filme melodramático ou linear...ele não segue uma lógica...e sim um conceito...o do próprio diretor de como as coisas são...é um filme sutil, quase etéreo...mas terrivelmente profundo e reflexivo...é um filme para ser visto por aquelas pessoas de visão mais aguçada e muito sensibilidade...enfim gosto de pensar que sou parte de uma elite de pessoas que conseguem ver nas entrelinhas...me reconheci em muitas situações e isso é maravilhoso...pois poucos filmes me fizeram pensar como este filme fez...parabéns pela crítica
ResponderExcluir