"Eu acredito em
malhar" diz Daniel Lugo (Mark Wahlberg) nos primeiros instantes do longa,
em uma óbvia referência ao "Eu acredito na América" de O Poderoso Chefão, e o discurso
seguinte que relaciona a perfeição corporal ao nível de patriotismo de um
americano faz com que em sua essência, a fala tenha o mesmo sentido que tinha na obra
prima de Francis Ford Coppola. E não à toa, minutos depois o personagem cita o
filme em si, ao lado de Scarface,
como ícones de sua educação, já apresentando de forma eficiente as noções
deturpadas e alienadas de nosso protagonista. Mas, obviamente, Lugo jamais
chega a fazer jus a inteligência ou a personalidade de um Don Corleone ou um
Tony Montana, algo que Bay reconhece ao tratar de forma consciente e bem humorada esta pretensiosidade, e acaba assim falando mais sobre si mesmo do que sobre o Daniel de Mark Wahlberg em si - zombando das pretensões de seu próprio
personagem, parece admitir que ele mesmo nunca conseguiria realizar uma obra com
a profundidade de um clássico de Coppola, por exemplo.
Em contra partida, é
com um trio de personagens burros e pretensiosos com que somos
obrigados a nos identificar, o que com o tempo acaba acontecendo, talvez graças às
constantes narrações em off que mudam de ponto de vista passando por
praticamente todos os personagens vistos em cena, ou mais provavelmente, graças à
escalação dos carismáticos (e brucutus) Wahlberg, Dwayne Johnson e
Anthony Mackie para viverem Daniel, Paul e Adrian, respectivamente. Os três atores esbanjam uma
química impecável, além de aparentemente terem se divertido em seus
papeis, com destaque para "The Rock", que encarna aqui o tipo criminoso
arrependido, gerando algumas das cenas mais divertidas do longa. Duas em
especial são hilárias: aquela em que, vestindo uma camisetinha apertada onde se
leem os dizeres "One way Jesus", tenta curar a falta de fé do
personagem de Tony Shalhoub, no melhor estilo John Coffey; e outra quando está
se livrando de mãos decepadas (!) em uma churrasqueira portátil
enquanto flerta ao longe com uma policial, aonde em um eficiente exercício de autocrítica,
Michael Bay se vê na obrigação de colocar na tela os dizeres "Isto ainda é
uma história real".
Ah sim, a trama do
filme! Ela conta a história deste famigerado trio de fisiculturistas que, em
busca do clamado sonho americano, resolvem sequestrar o ricaço Victor
(Shalhoub), um dos clientes da academia aonde trabalham, a fim de obrigá-lo a
passar a eles todos os seus bens. Claro que o plano sai completamente às
avessas em uma crescente comédia de erros, graças ao baixíssimo QI dos
criminosos. Bay então faz dos "fatos reais" o seu pequeno
playground, onde todos os seus brinquedos favoritos estão à disposição: das
cenas de ação, até as belas mulheres de quem as bundas e seios nunca escapam da câmera
comandada pelo cineasta.
E assim somos
recebidos dentro do universo Michael Bay, onde planos em ângulos de baixo pra
cima (contra-plongée) disputam com outros em slow motion, que por sua vez só
não são tão frequentes quanto os travellings circulares e a sua obsessão em
fazer sua câmera passar por entre frestas, buracos e vãos demonstrando que seu
orçamento permite criar estas tomadas digitais sem propósito algum, a não ser
aquele de "assinar” o filme como sendo seu, e neste sentido, suas intrusões como
diretor são tão abusivas e desnecessárias quanto os flares de J.J. Abrams ou as
grandes angulares em primeiros planos usadas por Tom Hooper. E aposto que caso
a trama não se passasse em 1995, o diretor não resistiria em fazer uma de suas
referências a cultura pop e citar Breaking
Bad de alguma forma no
momento em que nossos protagonistas tem a ideia de se livrar de certos corpos
dissolvendo-os com soda cáustica dentro de barris.
Porém, em um filme
onde seu realizador parece admitir e brincar com os próprios maneirismos, estes
acabam não incomodando tanto quanto na franquia Transformers ou Bad
Boys, por exemplo, assim, investindo em uma trama com um ritmo enérgico e
um clima totalmente descontraído, apesar dos absurdos vistos em tela (um
personagem fazendo piada com a amputação do próprio dedão se tornará algo comum
ao espectador), Sem Dor, Sem
Ganho acaba sendo no final
das contas, ao lado de A Rocha e Armagedon,
um dos bons trabalhos de Bay. Esperemos a mesma "consciência" em seus
próximos projetos, mesmo sabendo que serão justamente as sequências de Transformers e Bad
Boys.
NOTA: 8/10
PS- Quase esqueci, Ed Harris faz uma participação no filme, ao que parece, como o único personagem inteligente. Ken Jeong também, e embora sua "ponta" seja engraçadinha, passa batida.
PS- Quase esqueci, Ed Harris faz uma participação no filme, ao que parece, como o único personagem inteligente. Ken Jeong também, e embora sua "ponta" seja engraçadinha, passa batida.
Ameiiii a tua resenha!! Perfeita! Conseguiu explorar um ponto de vista que eu nunca saberia abordar. Análise espetacular!! Eu ainda estou embasbacada com esse filme. Como te disse, gostei demais por inúmeros motivos, não só por ter rido muito, mas pela temática de fundo apresentada pelo diretor a respeito da eterna busca o sonho americano. Isso sem falar nos atores, que estão show de bola. E olha que eu detestava o The Rock. Hoje já o vejo de forma diferente. Beijão e até o próximo filme. Mi
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