sexta-feira, 23 de agosto de 2013

SEM DOR, SEM GANHO



     Michael Bay é um realizador estúpido, de extremo mau gosto e cheio de vícios linguísticos e narrativos. O que nos leva a este seu mais novo projeto, que em nada desmente estas costumeiras atribuições ao cineasta. A diferença é que desta vez o diretor assume sua visão machista, ufanista e obtusa de mundo, sabendo rir de si mesmo e nunca tentando ser mais inteligente do que realmente é. O que, claro, acaba gerando uma simpatia natural pelo filme e os personagens que o povoam, mesmo estes sendo tão estúpidos, obtusos e irreais quanto a direção pesada de Bay, apesar de os letreiros no começo do filme nos avisarem que se trata de uma história baseada em fatos reais.


     "Eu acredito em malhar" diz Daniel Lugo (Mark Wahlberg) nos primeiros instantes do longa, em uma óbvia referência ao "Eu acredito na América" de O Poderoso Chefão, e o discurso seguinte que relaciona a perfeição corporal ao nível de patriotismo de um americano faz com que em sua essência, a fala tenha o mesmo sentido que tinha na obra prima de Francis Ford Coppola. E não à toa, minutos depois o personagem cita o filme em si, ao lado de Scarface, como ícones de sua educação, já apresentando de forma eficiente as noções deturpadas e alienadas de nosso protagonista. Mas, obviamente, Lugo jamais chega a fazer jus a inteligência ou a personalidade de um Don Corleone ou um Tony Montana, algo que Bay reconhece ao tratar de forma consciente e bem humorada esta pretensiosidade, e acaba assim falando mais sobre si mesmo do que sobre o Daniel de Mark Wahlberg em si - zombando das pretensões de seu próprio personagem, parece admitir que ele mesmo nunca conseguiria realizar uma obra com a profundidade de um clássico de Coppola, por exemplo. 


     Em contra partida, é com um trio de personagens burros e pretensiosos com que somos obrigados a nos identificar, o que com o tempo acaba acontecendo, talvez graças às constantes narrações em off que mudam de ponto de vista passando por praticamente todos os personagens vistos em cena, ou mais provavelmente, graças à escalação dos carismáticos (e brucutus) Wahlberg, Dwayne Johnson e Anthony Mackie para viverem Daniel, Paul e Adrian, respectivamente. Os três atores esbanjam uma química impecável, além de aparentemente terem se divertido em seus papeis, com destaque para "The Rock", que encarna aqui o tipo criminoso arrependido, gerando algumas das cenas mais divertidas do longa. Duas em especial são hilárias: aquela em que, vestindo uma camisetinha apertada onde se leem os dizeres "One way Jesus", tenta curar a falta de fé do personagem de Tony Shalhoub, no melhor estilo John Coffey; e outra quando está se livrando de mãos decepadas (!) em uma churrasqueira portátil enquanto flerta ao longe com uma policial, aonde em um eficiente exercício de autocrítica, Michael Bay se vê na obrigação de colocar na tela os dizeres "Isto ainda é uma história real".


     Ah sim, a trama do filme! Ela conta a história deste famigerado trio de fisiculturistas que, em busca do clamado sonho americano, resolvem sequestrar o ricaço Victor (Shalhoub), um dos clientes da academia aonde trabalham, a fim de obrigá-lo a passar a eles todos os seus bens. Claro que o plano sai completamente às avessas em uma crescente comédia de erros, graças ao baixíssimo QI dos criminosos. Bay então faz dos "fatos reais" o seu pequeno playground, onde todos os seus brinquedos favoritos estão à disposição: das cenas de ação, até as belas mulheres de quem as bundas e seios nunca escapam da câmera comandada pelo cineasta.


     E assim somos recebidos dentro do universo Michael Bay, onde planos em ângulos de baixo pra cima (contra-plongée) disputam com outros em slow motion, que por sua vez só não são tão frequentes quanto os travellings circulares e a sua obsessão em fazer sua câmera passar por entre frestas, buracos e vãos demonstrando que seu orçamento permite criar estas tomadas digitais sem propósito algum, a não ser aquele de "assinar” o filme como sendo seu, e neste sentido, suas intrusões como diretor são tão abusivas e desnecessárias quanto os flares de J.J. Abrams ou as grandes angulares em primeiros planos usadas por Tom Hooper. E aposto que caso a trama não se passasse em 1995, o diretor não resistiria em fazer uma de suas referências a cultura pop e citar Breaking Bad de alguma forma no momento em que nossos protagonistas tem a ideia de se livrar de certos corpos dissolvendo-os com soda cáustica dentro de barris.


     Porém, em um filme onde seu realizador parece admitir e brincar com os próprios maneirismos, estes acabam não incomodando tanto quanto na franquia Transformers ou Bad Boys, por exemplo, assim, investindo em uma trama com um ritmo enérgico e um clima totalmente descontraído, apesar dos absurdos vistos em tela (um personagem fazendo piada com a amputação do próprio dedão se tornará algo comum ao espectador), Sem Dor, Sem Ganho acaba sendo no final das contas, ao lado de A Rocha e Armagedon, um dos bons trabalhos de Bay. Esperemos a mesma "consciência" em seus próximos projetos, mesmo sabendo que serão justamente as sequências de Transformers e Bad Boys.


NOTA: 8/10


PS- Quase esqueci, Ed Harris faz uma participação no filme, ao que parece, como o único personagem inteligente. Ken Jeong também, e embora sua "ponta" seja engraçadinha, passa batida.



Um comentário:

  1. Ameiiii a tua resenha!! Perfeita! Conseguiu explorar um ponto de vista que eu nunca saberia abordar. Análise espetacular!! Eu ainda estou embasbacada com esse filme. Como te disse, gostei demais por inúmeros motivos, não só por ter rido muito, mas pela temática de fundo apresentada pelo diretor a respeito da eterna busca o sonho americano. Isso sem falar nos atores, que estão show de bola. E olha que eu detestava o The Rock. Hoje já o vejo de forma diferente. Beijão e até o próximo filme. Mi

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