Produto de mercado feito sob
encomenda, O Espetacular Homem-Aranha
sofria de um lado com as exigências de um estúdio maniqueísta, e do outro, com
o contraste de estilos devido aos demasiados profissionais envolvidos em sua
realização, jamais encontrando um tom acertado. Deste modo, constantemente pulava
de um romance jovem, bem humorado e delicado para um filme de ação genérico,
isso tudo em uma trama um tanto quanto absurda para a seriedade que tentava
vender. Pois eis que, trazendo para o texto final a dupla de roteiristas
responsáveis pelos excelentes Star Trek’s
de J.J. Abrams, Roberto Orci e Alex Kurtzman, o diretor Marc Webb consegue
entregar um longa-metragem muito mais satisfatório, que diverte e emociona com
facilidade justamente por encontrar o tipo de filme que afinal queria ser.
Sofrendo de um mal que desde a
terceira temporada de The Walking Dead
no ano passado gosto de chamar de “Rickismo”, Peter Parker (Andrew Garfield)
passa a ter visões do falecido Capitão Stacey (Denis Leary) devido a culpa que
sente por estar descumprindo a promessa que lhe fez, ficar longe de sua filha,
Gwen Stacey (Emma Stone). Paralelamente a isso acompanhamos Harry Osborn (Dane
Dehaan) assumir o controle da Oscorp, obcecado em descobrir a cura para uma
doença degenerativa que possui, e um de seus funcionários, Max (Jamie Foxx), se
tornar acidentalmente Electro.
Assumindo então de vez o
cartunesco como base para seu universo, O
Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro não teme investir no mesmo
tipo de caricatura colorida que, em sua própria escala, Speed Racer também usava. Webb e seus roteiristas, porém,
equilibram aqui com destreza o drama e a ação enquanto lhe conferem este estilo quase camp. E novamente ressalto que isso
jamais fora alcançado no longa anterior. Assim, depois de alguns minutos, é
fácil se acostumar à carência absurda de Max, e nem mesmo um computador
embutido num carro-forte que, sabe-se lá o porquê, descreve para os assaltantes
as propriedades de seu conteúdo (“Cuidado, isso é Plutônio, altamente perigoso”),
parece incomodar. A própria trilha – obra de três pares de mãos diferentes,
Pharrel Williams, Johnny Marr e, vejam só, Hans Zimmer – está de acordo com
esta abordagem e ao invés de empregar um tema pesado para Electro, aposta em
uma composição branda e brincalhona, o que, claro, diminui a tal ameaça que o
vilão representa. Algo que Foxx compensa ao fazer a transição do personagem de
maneira incrivelmente convincente, Electro, afinal, não é maldoso, ele é
carente, e essa sua fome cega por atenção o acaba transformando em uma arma
altamente manipulável mais assustadora do que qualquer maldade que lhe pudesse
ser atribuída. Ainda que, convenhamos, Jamie Foxx seja substituído da metade em
diante do filme por um boneco digital...
E já que falo de seu universo e
personagens, fãs das HQ’s gostarão de notar - ainda que isso não interfira em
créditos ou deméritos para o filme – uma porção de inserções menos ou mais sutis
do cânone do cabeça de teia: Não só Peter já trabalha para o Clarim Diário como
vemos também algumas propagandas do jornal pela cidade, Felicia (Felicity Jones), a
Gata Negra, já é inserida no elenco, e equipamentos que podem dar origem a outros
conhecidos vilões como o Abutre e o Dr. Octopus são também vistos ao fundo numa
sequência. Isso sem contar que um dos momentos mais famosos das histórias em
quadrinhos é reproduzido fielmente durante o clímax, que, longe daquela luta
genérica ao final do primeiro, cria um show de imagens e som (a música Dona
Aranha não podia faltar, é claro) que mistura habilmente diversão, tensão e
drama. Mas, se este peso dramático existe, em boa parte deve-se a Garfield e
Stone, que voltam a demonstrar uma química adorável em tela – o fato de serem
namorados na vida real deve ajudar também. Encarando com a descontração certa
Peter Parker e o Homem Aranha, o ator tampouco esquece de lhe conferir
profundidade ao impregnar de sinceridade o seu conflito moral, enquanto Stone,
ativa dentro da trama, confere a Gwen um carisma magnético, mostrando também
que a personagem tem uma vida que vai além daquela que diz respeito a namorar
um super-herói. Em contrapartida – uma boa contrapartida – Dane Dehaan continua
a demonstrar talento ao viver o que poderia ser um personagem ingrato, mesmo
dentro da proposta do filme, de maneira intensa, e mesmo quando amigável, seu
Harry Osborn não inspira confiança alguma.
Empregando Sally Field desnecessariamente,
e sua cena como enfermeira durante o clímax é risível por soar como o que é, um
osso jogado para não dizer que o projeto não lhe deu atenção, A Ameaça de Electro também possui seus
tropeços aqui e ali; repassar os eventos do primeiro filme é tão dispensável
quanto Field; vez ou outra, os efeitos deixam a desejar na credibilidade; a
trilha quase nunca se cala (mas também, com três compositores!); a ponta de
Stan Lee é fraquíssima em comparação com a do filme anterior, e por fim, montagens de
pessoas fantasiando fazer algo e então voltando ao estado principal revelando
que nada fizeram, são sempre frustrantes. Mas colocar Peter andando com a
máscara do Aranha no bolso de trás como costume é um detalhe admirável. Assim, O Espetacular Homem Aranha 2 pode não
ser um longa-metragem genial, ainda que seja eficiente o bastante para
emocionar o seu espectador, mas supera e muito o mau gosto deixado na boca pelo
exemplar de 2012. Se antes eu lamentava a vinda de uma inevitável continuação,
agora eu vou esperá-la ansioso. Estamos inegavelmente mais próximos do tal Espetacular prometido há dois títulos.
NOTA: 8/10
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