segunda-feira, 7 de abril de 2014

HOJE EU QUERO VOLTAR SOZINHO




Adaptado por Daniel Ribeiro do curta-metragem dirigido e escrito por ele mesmo em 2010, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho reconta a história do trio de amigos formado por Leonardo (Guilherme Lobo), Giovana (Tess Amorim) e Gabriel (Fabio Audi), fazendo as mudanças e os enxertos necessários para transformá-la em um longa. Deste modo, repete o feito e entrega um filme belo, delicado e despretensioso, que encontra sua força ao apostar corretamente em seus personagens, ainda que confie demais no nosso primeiro contato com os mesmos.


Quando Gabriel torna-se colega de Leonardo, um menino cego, os dois logo tornam-se amigos próximos, deixando um pouco de lado a melhor amiga do último, Giovana, que para piorar, está interessada no menino recém-chegado. Porém, logo Leonardo descobre que o que sente por Gabriel vai além da amizade, e que o próprio amigo parece não querer admitir possuir os mesmos sentimentos. Uma dinâmica que, se em seu desenvolvimento é bem sucedida por parte do roteiro (também assinado por Ribeiro), tropeça nos minutos iniciais ao presumir uma pré-identificação do público para com seus personagens, gerada obviamente a partir do popular curta de origem. Deste modo, não somos apresentados ao início da amizade entre os três, e em poucos segundos, o filme os promove de desconhecidos entre si, para bons amigos. Não que isso prejudique a narrativa, e principalmente aqueles que, de fato, já conhecem as figuras ali retratadas, nem mesmo notarão que o diretor prefere se aligeirar nessa hora, mas não deixa de ser uma falta de atenção para com o público não iniciado. 


De qualquer modo, devidamente introduzidos em sua trama, é admirável notar a preferência de Daniel Ribeiro por enquadrar Leonardo através de plongées de 90 graus, isolando-o constantemente do mundo a sua volta, tal qual sua deficiência o faz. E em mais de um momento, o cineasta prefere manter sua câmera colada ao rosto do garoto enquanto apenas ouvimos as situações com as quais ele interage, colocando-nos propositalmente na sua condição de cego. Também é interessante que trate sutilmente detalhes como o fato de Leonardo tomar banho no escuro, uma vez que a luz não lhe faz falta, e Giovana o apontar como grande fã de Beethoven, ele mesmo um deficiente auditivo e excepcional compositor. Até mesmo no modo como escreve os diálogos do pai do menino, que o chama de “Leãozinho”, Ribeiro constrói de forma econômica a relação carinhosa entre os dois.


Tomando algumas liberdades em relação ao material de origem, Hoje eu Quero se permite investir na exploração da sexualidade de Leonardo e Gabriel, e não por acaso, duas destas sequências se revelam os melhores momentos do filme, justamente por trazerem de forma tão delicada fatores importantíssimos e extremamente naturais para o desenvolvimento de qualquer jovem. Assim, não é vulgar, mas extremamente tocante perceber como Leonardo se masturba usando como estímulo o sentido do olfato, inebriado pelo perfume deixado no casaco de Gabriel; assim como este, mesmo sabendo que seu amigo é cego, preocupa-se em esconder sob a tolha uma ereção que tem ao vê-lo tomar banho, mostrando-se constrangido e preocupado com as reações de seu próprio corpo.


Hoje Eu Quero Voltar Sozinho faria uma ótima sessão dupla com No Caminho das Dunas, ainda que se mostrem contrários em suas abordagens, e se o filme belga é bastante pessimista e melancólico, o longa nacional prefere inundar sua fotografia com o sol de fim de tarde num desfecho que, na falta de um termo técnico mais apropriado, pode ser descrito apenas como fofo. Em uma linha de obras que estão praticamente criando um gênero – e por que não já defini-la como tal? Existem inclusive festivais e mostras de cinema dedicados apenas à temática gay – o exemplar dirigido por Daniel Ribeiro se destaca por sua sincera simplicidade; não é uma crítica elaborada, um drama profundo e tampouco um estudo complexo de personagem, mas sim, uma despretensiosa aventura romântica.


NOTA: 8/10


P.S. – Tanto Lobo, quanto Audi e Amorim, se saem muito bem em seus papeis, com o destaque, claro, para o protagonista que convence com facilidade da deficiência de seu personagem.




Nenhum comentário:

Postar um comentário