Adaptado por Daniel Ribeiro do
curta-metragem dirigido e escrito por ele mesmo em 2010, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho reconta a história do trio de amigos
formado por Leonardo (Guilherme Lobo), Giovana (Tess Amorim) e Gabriel (Fabio
Audi), fazendo as mudanças e os enxertos necessários para transformá-la em um
longa. Deste modo, repete o feito e entrega um filme belo, delicado e
despretensioso, que encontra sua força ao apostar corretamente em seus
personagens, ainda que confie demais no nosso primeiro contato com os mesmos.
Quando Gabriel torna-se colega de
Leonardo, um menino cego, os dois logo tornam-se amigos próximos, deixando um
pouco de lado a melhor amiga do último, Giovana, que para piorar, está interessada
no menino recém-chegado. Porém, logo Leonardo descobre que o que sente por
Gabriel vai além da amizade, e que o próprio amigo parece não querer admitir possuir
os mesmos sentimentos. Uma dinâmica que, se em seu desenvolvimento é bem
sucedida por parte do roteiro (também assinado por Ribeiro), tropeça nos
minutos iniciais ao presumir uma pré-identificação do público para com seus
personagens, gerada obviamente a partir do popular curta de origem. Deste modo,
não somos apresentados ao início da amizade entre os três, e em poucos
segundos, o filme os promove de desconhecidos entre si, para bons amigos. Não
que isso prejudique a narrativa, e principalmente aqueles que, de fato, já
conhecem as figuras ali retratadas, nem mesmo notarão que o diretor prefere se
aligeirar nessa hora, mas não deixa de ser uma falta de atenção para com o público não iniciado.
De qualquer modo, devidamente
introduzidos em sua trama, é admirável notar a preferência de Daniel Ribeiro
por enquadrar Leonardo através de plongées de 90 graus, isolando-o
constantemente do mundo a sua volta, tal qual sua deficiência o faz. E em mais
de um momento, o cineasta prefere manter sua câmera colada ao rosto do garoto
enquanto apenas ouvimos as situações com as quais ele interage, colocando-nos
propositalmente na sua condição de cego. Também é interessante que trate
sutilmente detalhes como o fato de Leonardo tomar banho no escuro, uma vez que
a luz não lhe faz falta, e Giovana o apontar como grande fã de Beethoven, ele
mesmo um deficiente auditivo e excepcional compositor. Até mesmo no modo como
escreve os diálogos do pai do menino, que o chama de “Leãozinho”, Ribeiro
constrói de forma econômica a relação carinhosa entre os dois.
Tomando algumas liberdades em
relação ao material de origem, Hoje eu
Quero se permite investir na exploração da sexualidade de Leonardo e Gabriel,
e não por acaso, duas destas sequências se revelam os melhores momentos do
filme, justamente por trazerem de forma tão delicada fatores importantíssimos e
extremamente naturais para o desenvolvimento de qualquer jovem. Assim, não é
vulgar, mas extremamente tocante perceber como Leonardo se masturba usando como
estímulo o sentido do olfato, inebriado pelo perfume deixado no casaco de
Gabriel; assim como este, mesmo sabendo que seu amigo é cego, preocupa-se em
esconder sob a tolha uma ereção que tem ao vê-lo tomar banho, mostrando-se
constrangido e preocupado com as reações de seu próprio corpo.
Hoje Eu Quero Voltar Sozinho faria uma ótima sessão dupla com No Caminho das Dunas, ainda que se
mostrem contrários em suas abordagens, e se o filme belga é bastante pessimista
e melancólico, o longa nacional prefere inundar sua fotografia com o sol de fim
de tarde num desfecho que, na falta de um termo técnico mais apropriado, pode ser
descrito apenas como fofo. Em uma linha de obras que estão praticamente criando
um gênero – e por que não já defini-la como tal? Existem inclusive festivais e
mostras de cinema dedicados apenas à temática gay – o exemplar dirigido por
Daniel Ribeiro se destaca por sua sincera simplicidade; não é uma crítica
elaborada, um drama profundo e tampouco um estudo complexo de personagem, mas
sim, uma despretensiosa aventura romântica.
NOTA: 8/10
P.S. – Tanto Lobo, quanto Audi e
Amorim, se saem muito bem em seus papeis, com o destaque, claro, para o
protagonista que convence com facilidade da deficiência de seu personagem.
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