sexta-feira, 7 de novembro de 2014

INTERESTELAR



 

Irão estranhar aqueles que esperam o ritmo e a densidade do resto da filmografia dos irmãos Nolan. Aqui temos um filme muito mais contemplativo do ponto de vista dramático, menos preocupado em ser “foda pra caralho” do que em contar a sua história, que não deixa de apresentar vários vícios narrativos e linguísticos de ambos, Jonathan e Christopher. 

Mas antes de qualquer coisa, é justo admitir que sou um profundo admirador do trabalho de Christopher Nolan, e considero: a estrutura de Amnésia genial; Insônia um suspense inebriante; Batman Begins uma reinvenção séria de um personagem que não poderia ser mais surreal; O Grande Truque uma obra-prima irrepreensível com diversas camadas a serem exploradas; O Cavaleiro das Trevas mais uma obra-prima completa e cheia de força, além de importantíssimo exemplar na história do cinema atual; A Origem uma terceira obra-prima icônica; e O Cavaleiro das Trevas Ressurge um desfecho eficiente e grandioso para o seu Batman. Fazendo essa revisão de sua obra, Interestelar seja talvez o filme mais irregular de sua carreira, ainda que inegavelmente seja um muito bom.



Enquanto antes em suas tramas havia um sentimento de coletividade, de que o perigo e os desdobramentos das ações dos protagonistas se estendiam para toda uma cidade, aqui, ironicamente, ao lidar com uma situação pré-apocalíptica global, Nolan parece preferir conscientemente não tentar criar esse clima de urgência comunitária. Faz omitir a repercussão - que não seja aquela no entorno dos personagens - da tal praga que impede o cultivo de cada vez mais tipos alimentícios e das constantes tempestades de areia. Se por um lado faz sentido simbolicamente para a trama criar este vácuo emocional em volta dos dramas dos personagens, e também resaltar a natureza secreta da viagem sobre a qual o roteiro fala, por outro, Nolan arca com a consequência natural que é uma falta de empatia com o próprio filme. Assim, qualquer admiração e envolvimento que possamos ter passa a ser puramente racional.



Ao menos no que depende do diretor, já que graças a Matthew McConaughey há sequências em que é, inclusive, possível se emocionar com o seu Cooper. Convencido pelo Dr. Brand (Michael Caine) a participar de uma expedição espacial para achar um novo planeta para a humanidade, que aqui na Terra sofre com a falta de alimentos, Cooper embarca num foguete rumo a um buraco negro ao lado da filha do cientista, Brand (Anne Hathaway), e de mais dois tripulantes. Deixando assim os filhos, Murph (Mackenzie Foy quando criança, Jessica Chastain quando adulta) e Tom (Casey Affleck quando adulto) aos cuidados do sogro Donald (John Lithgow) e com uma promessa de retorno. 



Primeiramente escrito por Jonathan para ser dirigido por Steven Spielberg, é fácil imaginar o que o cineasta teria feito do projeto, que de outra forma, sob a batuta do irmão, torna-se um longa muito mais racional, como de costume. É verdade, Nolan é um diretor mais matemático e perfeccionista, ao contrário do emocional e caloroso Spielberg, mas não menos humano. E sua grande falha aqui é justamente se aventurar nesta pegada que nunca teve, como quando tenta introduzir conceitos sentimentais como o poder do amor e da fé, e esses soam apenas deslocados na narrativa. Essa que apresenta paradoxos temporais, situações simultâneas e exposições acerca do enredo em diálogos aos montes, constantes do cinema feito pelo diretor que antes não incomodavam, mas que aqui justamente por virem desprovidas da tal carga de urgência comunitária, ficam expostas e aparentes; e se algumas das explicações e teorias trazidas pelos personagens são hipnotizantes, outras surgem desnecessárias e ainda repetitivas. 



O que volta também é a (boa) insistência de Nolan em usar de efeitos práticos ao invés dos digitais sempre que possível, o que concede ao seu filme um ar muito mais realista através de uma direção de arte esplêndida, de cenas rodadas em locações e de projeções de fundo ao invés dos fáceis e habituais Chroma Keys. Some isso a sua habilidade em conduzir situações de urgência crescente e a trilha sempre genial de Hans Zimmer – aqui remetendo a grandiosidade da seleção musical de 2001: Uma Odisseia no Espaço – e Interestelar retoma também as montagens paralelas tensas e inebriantes típicas de seus filmes. As composições de Zimmer, aliás, servem igualmente ao filme como a oscarizada trilha de Steven Price servia à Gravidade, substituindo o som de explosões e ruídos quando eles não existem no vácuo do espaço.



Ok, do pó ao pó, a metáfora dos Nolan é clara: a Terra está coberta de poeira, e neste ponto é interessante notar os cuidados tomados pela família de Cooper, como deixar os pratos de cabeça para baixo e colocar um pano sobre a jarra de água. Quando obrigados a partir em busca de um novo lar, os cientistas também são confrontados com a relatividade do tempo, um conceito que o roteiro explora com afinco, extraindo tensão de suas regras e assumindo seus resultados; um deles particularmente tocante quando Cooper assiste todas as filmagens enviadas por seus filhos para ele através dos anos. Tendo ficado anos sozinho na nave enquanto para os colegas poucos minutos se passaram, é curioso também que um dos tripulantes passe a falar com uma voz baixa e pensativa, apropriada para o homem que não teve com quem falar por décadas.



Há também uma outra participação surpresa no elenco que surge perfeita em sua performance, mas no geral é McConaughey quem carrega o peso dramático do longa-metragem, já que a personagem de Hathaway é tristemente uma figura unidimensional. Na verdade, é curioso ver o ator protagonizar uma trama que remete tantas vezes a um outro filme em que trabalhou, o espetacular Contato, de Robert Zemeckis. E tal como, este novo filme de Christopher Nolan deve dividir opiniões – o que já vinha acontecendo com seus filmes ultimamente – e gerar infinitas discussões de Facebook sobre o “porque você tem que gostar/odiar”, principalmente com aquele final. É um filme ambicioso e de escala grandiosa, mas ainda assim, um projeto menor do cineasta, que é muito mais para ser absorvido do que para se empolgar. Eu o absorvi e, ainda assim, me empolguei, não considero ainda que Nolan tenha errado.




NOTA: 8/10 


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