sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

CRÍTICA: FROZEN II


Frozen foi um filme que me surpreendeu. Não era só mais uma animação da Disney com músicas chicletes e uma técnica impecável, era também um filme que se propunha a quebrar as fórmulas das histórias de princesa em uma narrativa lapidada e polida com cuidado o suficiente para que se tornasse um clássico recém-nascido. Do momento em que a primeira cópia rodou para o público, a aventura congelante estrelada pelas irmãs Elsa e Anna estava fadada a se tornar icônica. Dito isso, Frozen II é um filme que também me surpreende, pois indo na contramão do primeiro, ele jamais almeja alcançar nenhum desses méritos.

Isso quer dizer que é ruim? Não, isso quer dizer que a sequência desse mega-sucesso dos estúdios do Mickey procura trilhar um caminho diferente. E aqui entra um problema: Frozen II é claramente dois filmes disputando o espaço de um só. De um lado, existe a continuação imaginada pelos diretores e roteiristas Jennifer Lee e Chris Buck (os mesmos do anterior), focada em mergulhar de forma mais intimista e melancólica na jornada das protagonistas, e por outro, existe o filme que os produtores gostariam de ter visto sendo lançado, que repetiria e aumentaria tudo aquilo que funcionou antes.

E por causa disso, o resultado final é um pouco falho e destoante.

Quando reencontramos Elsa, seguindo a brilhante lógica visual dos figurinos estabelecida no primeiro filme, ela usa um vestido que deixa seu corpo livre e os ombros à mostra, mas que trazem na coloração um tom roxo que não víamos em suas roupas desde antes de ela se libertar da censura que impunha a si mesma e seus poderes antigamente. Desde o início fica subentendido, portanto, que embora tenha assumido quem é para o mundo, algo está incomodando a consciência da rainha de Arendelle.

Atraída por um chamado místico que invoca a protagonista a descobrir as origens de seus poderes, ela sem querer acaba perturbando as forças naturais de seu reino e expulsa toda a população da cidade, fazendo com que ela, Anna, Kristoff, Sven e Olaf partam para explorar lugares desconhecidos e uma parte ainda encoberta dessa história.

Como dá pra perceber pela sinopse acima, trata-se de uma jornada de autodescoberta, tanto para Elsa que busca entender melhor a sua própria natureza e a função que tem nesse mundo, como para Anna, cujo espírito acolhedor e protetor também soa como uma espécie de super-poder. E com a trama tão focada nas duas, obviamente, os demais personagens acabariam ficando mais escanteados. Porém, o filme insiste em ficar puxando Olaf e Kristoff para o centro da narrativa, mesmo que nem sempre eles possuam uma função - o que, claro, deve ser resultado de uma pressão do estúdio para que os personagens fofinhos e engraçados ganhassem mais espaço para vender bonecos. E isso não quer dizer que essas figuras deixaram de ser interessantes ou divertidas (Olaf, em especial, continua hilário), mas é inegável que os conflitos amorosos de Kristoff e o "amadurecimento" do boneco de neve estão desencaixados do resto da história.

E é o tom do filme que acaba sofrendo com isso. Por exemplo, assim como certa cena nos imerge em uma floresta repleta de magia e seres ancestrais que evocam uma atmosfera de poder e mistério, essa mesma atmosfera é quebrada por um número musical bobinho protagonizado por Olaf que jamais leva a lugar algum. É diferente, por exemplo, de sua divertida canção no primeiro longa-metragem, que ao alardear seu trágico fascínio pelo verão, também acabava falando muito sobre a pessoa que o criou, Elsa, já que o boneco de neve demonstrava carregar em sua força vital os desejos mais inconscientes da rainha.

Já a sua nova canção, além de não dizer nada com nada, é embalada por uma (falta de) melodia aborrecida. Aliás, no geral, Frozen II é um filme musicalmente muito inferior ao primeiro, e o motivo disso também fica claro: não é um roteiro pensado para ser um musical. Sim, até dói de escrever isso levando em conta o deleite sonoro que são tanto as composições incidentais quanto os libretos de seu antecessor, mas essa continuação implorava pelo tom introspectivo que Lee e Buck tentam conferir ao projeto sempre que encontram espaço. As canções, quando chegam, soam exatamente como aquilo que devem ter sido: exigências da Disney para reciclar a fórmula do primeiro - temos Anna cantando sobre a monotonia de sua vida no reino, Kristoff dublando Sven, Olaf sendo ingênuo e Elsa que, depois do hit que foi Let it Go, ganha não apenas um, mas dois solos. E é óbvio que um deles envolve, inevitavelmente, uma mudança mágica de figurino no ápice da canção.

Por outro lado, quando se permite abandonar as exigências de estúdio, Frozen II é um filme fascinante. Não apenas no quesito visual, e acho particularmente encantador como a narrativa subverte os significados daquele tom de roxo que apontei no início do texto, mas também de um ponto de vista temático. E se questões como o colonialismo são pinceladas pelo roteiro, mais aprofundada é a ala que explora a inconformidade de Elsa com sua posição de rainha e o impulso irresistível que sente por descobrir quem é, quando denota e reforça ainda mais o amor que tem pela irmã ao deixar claro que, se ela decidiu ficar em Arendelle ao invés de retornar para o seu castelo de gelo, foi por dedicação à Anna.

Enquanto isso, o arco de Anna é igualmente comovente, pois é ela dessa vez quem precisa deixar ir (let it go, em inglês). Sempre protetora e crente de que precisa constantemente salvar e proteger sua irmã, a princesa de Arendelle é confrontada com os novos caminhos que se estendem diante de Elsa enquanto ela mesma precisa começar a escolher as próprias aventuras e quem realmente precisa de sua proteção.

E sem revelar muitos spoilers, o momento em que ela perde um de seus protegidos e, finalmente, percebe que antes de tentar salvar todo mundo, ela precisa salvar a si mesma, só não é sublime no tom de melancolia tão bem construído porque, outra vez, é interpelado por uma canção desnecessária - e particularmente ruim, inclusive.

Fazendo ainda uma alusão a doenças mentais quando sugere em Elsa um ciclo depressivo crônico simbolizado pela perda do controle de seus poderes, e em Anna um transtorno de ansiedade que com certeza deve envolver déficit de atenção hiperativo, Frozen II consegue superar a queda de braço entre seus autores e produtores ao entregar um desfecho que encaminha suas duas protagonistas para um novo estágio de suas vidas. Um bem mais maduro, às vezes melancólico e, por isso mesmo, muito mais promissor no que diz respeito a novas aventuras. Espero rever Elsa e Anna, e Kristoff, Sven e Olaf também, e quem sabe a Disney não segue o exemplo de Harry Potter e faça com que a sua franquia cresça junto com o público, se dirigindo a uma atmosfera mais adulta a cada novo capítulo. Seja como for, tomara que o estúdio solte esse osso e deixe os autores terem a sua voz - que claramente é mais sonora e melodiosa do que as imposições comerciais que só têm arruinado os seus projetos.


Nota: 7/10


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