Continuando seu tour pela Europa depois de
visitar a Inglaterra no excelente Match
Point, a Espanha em Vicky
Cristina Barcelona e a França
no ótimo Meia-noite em Paris,
Woody Allen desembarca (pessoalmente) desta vez na capital da Itália. E se é no
mínimo curioso ver o diretor ousando sair de sua "terra natal" (a sua
musa imóvel, Manhattan) para se aventurar nas de seus ídolos, não é menos
satisfatório constatar o nível que seus longas têm mantido nessa
"fase". E embora Para
Roma, com Amor não seja
excepcional, é ainda um exercício admirável e uma divertida visita ao icônico
humor de Allen.
Enquanto o advogado local Michelangelo (Flavio
Parenti) se apaixona pela turista perdida Hayley (Alison Pill), os pais de
garota, Phyllis (Judy Davis) e Jerry (Woody Allen) chegam a Roma para conhecer
o genro e sua família. Ao mesmo tempo em que a vida pacata de Leopoldo (Roberto
Benigni) se transforma num pandemônio quando ele descobre ter se tornado uma
celebridade instantânea. Já o velho e nostálgico John (Alec Baldwin) conhece
nas vielas da cidade o jovem Jack (Jesse Eisenberg), que admirado por encontrar
alguém que admira o leva para conhecer a namorada, que logo o adverte que uma
amiga, a sedutora Monica (Ellen Page) está de chegada para passar um tempo com
eles, levando John a aconselhar o rapaz quanto às tentações por trás desta
aparentemente inocente visita. Em paralelo acompanhamos a trama de
Antonio (Alessandro Tiberi) que para conquistar um cargo em uma respeitada
empresa precisa impressionar seus parentes distantes. Mas que, ao se ver
separado de Milly (Alessandra Mastronardi), sua mulher que se perdeu em Roma
pouco antes da chegada dos tios do rapaz, usa da bela Anna (Penélope Cruz), uma
prostituta que lhe foi enviada por engano, para servir como sua esposa durante
o encontro. E nesse meio tempo Jerry descobre no pai de seu genro um tenor talentosíssimo
que só liberta seu talento debaixo do chuveiro, levando o velho diretor musical
a investir todos os seus esforços para tornar o tímido Giancarlo (Fabio
Armiliato) em uma estrela dos palcos de ópera.
Se os melhores roteiros de comédia de Allen
investem em situações inusitadas e completamente descompromissadas com a
realidade, aqui não é diferente. Assim, logo descobrimos um fator incomum (às
vezes até absurdo) em cada uma das tramas, como por exemplo, no fato de o
garoto Jack, que John acaba por encontrar, na verdade ser o seu "Eu" mais jovem, e
que aquela situação não é nada mais do que o arquiteto, agora adulto e muito
mais maduro, revivendo as suas decisões tolas do passado. E é divertido como
Allen permite que John se comunique não só com a sua versão mais jovem, mas
também com todos os outros personagens de sua juventude, questionando Monica,
por exemplo, sobre seus artifícios óbvios para seduzir o rapaz. E nesse quesito
Alec Baldwin diverte ao mesmo tempo em que trabalha a introspecção daquela
experiência, como ao final quando observa melancolicamente a personagem de Page
"dar um fora" em Jack. Algo que ele sabia que aconteceria e que agora
revive com a certeza de que foi um mal preciso para seu amadurecimento.
Já o casal Antonio e Milly, separados pelo
acaso, ganham a segunda trama mais bem desenvolvida do filme. Começando com os
pés bem no chão e chegando ao clímax que envolve entre outras coisas, adultério,
um ator famoso, uma esposa cobrando pensão e um ladrão boa praça, a trama dos
dois acaba ganhando um começo meio e fim bem definidos. Porém, se as estórias de
John e Jack e de Antonio e Milly ganham pontos por seus arcos bem
desenvolvidos, as outras infelizmente se perdem na repetição de gags que se
a princípio soam boas sacadas para piadas absurdas, ao final
desapontam por não chegarem a lugar algum.
Assim, a trama de Leopoldo que começa apresentando o
conceito divertido de um homem comum que fica famoso instantaneamente
apenas por ser famoso, acaba por se repetir nas situações em que qualquer coisa
esdrúxula que o personagem diz acaba virando furo jornalístico, desde
"acho que vai chover" até "eu gosto mais de pão tostado". E
no fim sua estória acaba com um "a fama é boa, até que não é",
desperdiçando não só uma boa sacada, mas também o ótimo ator que é Roberto
Benigni, cuja corpulência magra e desengonçada é perfeita para as gags visuais
que normalmente lhe exigem e que aqui caí no lugar no comum. O mesmo,
infelizmente, acontece à trama do personagem interpretado pelo próprio Woddy
Alllen, que se no início soa cativante pelo seu teor absurdo (um tenor cantando
enquanto banha-se no palco), com o tempo a super exploração da cena faz com que
a piada perca força, e mais decepcionante é ver que o diretor não tinha
nenhuma outra carta na manga para este arco, acabando a estória de Giancarlo junto
com a graça da piada. Mas devo dizer que
fiquei com vontade de aplaudir o momento em que o personagem apresenta o ato
final de Pagliacci, o que não deixa de ser um fator contra o longa que o melhor
momento de sua duração seja um que não é de autoria de Allen.
Repetindo a fotografia
"fim de tarde", cheia de uma luz amarelada adotada nas visitas ao
passado no muito superior Meia-noite
em Paris, o normalmente excepcional fotógrafo Darius Khondji (Delicatessem,
Seven, O quarto do Pânico) passa despercebido pelo projeto, o que não deixa
de ser uma pena, já que o projeto anterior de Allen já citado aqui usava muito
bem desta parceria. Já a montagem transita entre a truncada fluidez entre as
tramas e a sutil passagem de tempo individual de cada uma. Tornando difícil
pular de uma para a outra, mas tornando as diferentes escalas de tempo em que
cada uma se passa muito bem colocadas dentro das duas horas de filme, assim se
na estória de Antonio e Milly se passa apenas um dia, não nos soa estranho os
muitos meses que se passam na estória de Jerry e do tenor Giancarlo.
Nada de extraordinário
(infelizmente para quem conhece a capacidade do realizador), mas ainda assim,
uma divertida visita ao estilo Allen de se fazer filmes, Para Roma, com Amor acaba
soando mais como o exercício cinematográfico anual do diretor do que qualquer
outra coisa. O que torna uma das falas ditas a Jerry durante o filme (e Jerry nada mais é do que
Allen e seu personagem de sempre) algo a se considerar sobre o
cineasta. "Pra você, se aposentar se equipara a morte". E levando em
conta que em vários momentos eu não soube distinguir se as falas ditas por
Jerry eram de um personagem para os outros ou de Allen para nós, a frase citada
acima pode muito bem cair como uma luva nos motivos do diretor continuar a
fazer filmes todos os anos. Filmes esses que se não mantém uma constância de
qualidade, ao menos, mantém Woody Allen vivo para todos.
NOTA: 7/10
E só uma observação: a história do tenor que canta embaixo do chuveiro eu já tinha lido há um tempo numa crônica do Moacir Sclyar, portanto é uma "loucura" do imaginário popular.
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