sábado, 30 de junho de 2012

PARA ROMA, COM AMOR



     Continuando seu tour pela Europa depois de visitar a Inglaterra no excelente Match Point, a Espanha em Vicky Cristina Barcelona e a França no ótimo Meia-noite em Paris, Woody Allen desembarca (pessoalmente) desta vez na capital da Itália. E se é no mínimo curioso ver o diretor ousando sair de sua "terra natal" (a sua musa imóvel, Manhattan) para se aventurar nas de seus ídolos, não é menos satisfatório constatar o nível que seus longas têm mantido nessa "fase". E embora Para Roma, com Amor não seja excepcional, é ainda um exercício admirável e uma divertida visita ao icônico humor de Allen.

     Enquanto o advogado local Michelangelo (Flavio Parenti) se apaixona pela turista perdida Hayley (Alison Pill), os pais de garota, Phyllis (Judy Davis) e Jerry (Woody Allen) chegam a Roma para conhecer o genro e sua família. Ao mesmo tempo em que a vida pacata de Leopoldo (Roberto Benigni) se transforma num pandemônio quando ele descobre ter se tornado uma celebridade instantânea. Já o velho e nostálgico John (Alec Baldwin) conhece nas vielas da cidade o jovem Jack (Jesse Eisenberg), que admirado por encontrar alguém que admira o leva para conhecer a namorada, que logo o adverte que uma amiga, a sedutora Monica (Ellen Page) está de chegada para passar um tempo com eles, levando John a aconselhar o rapaz quanto às tentações por trás desta aparentemente inocente visita. Em paralelo acompanhamos a trama de Antonio (Alessandro Tiberi) que para conquistar um cargo em uma respeitada empresa precisa impressionar seus parentes distantes. Mas que, ao se ver separado de Milly (Alessandra Mastronardi), sua mulher que se perdeu em Roma pouco antes da chegada dos tios do rapaz, usa da bela Anna (Penélope Cruz), uma prostituta que lhe foi enviada por engano, para servir como sua esposa durante o encontro. E nesse meio tempo Jerry descobre no pai de seu genro um tenor talentosíssimo que só liberta seu talento debaixo do chuveiro, levando o velho diretor musical a investir todos os seus esforços para tornar o tímido Giancarlo (Fabio Armiliato) em uma estrela dos palcos de ópera.


     Se os melhores roteiros de comédia de Allen investem em situações inusitadas e completamente descompromissadas com a realidade, aqui não é diferente. Assim, logo descobrimos um fator incomum (às vezes até absurdo) em cada uma das tramas, como por exemplo, no fato de o garoto Jack, que John acaba por encontrar, na verdade ser o seu "Eu" mais jovem, e que aquela situação não é nada mais do que o arquiteto, agora adulto e muito mais maduro, revivendo as suas decisões tolas do passado. E é divertido como Allen permite que John se comunique não só com a sua versão mais jovem, mas também com todos os outros personagens de sua juventude, questionando Monica, por exemplo, sobre seus artifícios óbvios para seduzir o rapaz. E nesse quesito Alec Baldwin diverte ao mesmo tempo em que trabalha a introspecção daquela experiência, como ao final quando observa melancolicamente a personagem de Page "dar um fora" em Jack. Algo que ele sabia que aconteceria e que agora revive com a certeza de que foi um mal preciso para seu amadurecimento.
     Já o casal Antonio e Milly, separados pelo acaso, ganham a segunda trama mais bem desenvolvida do filme. Começando com os pés bem no chão e chegando ao clímax que envolve entre outras coisas, adultério, um ator famoso, uma esposa cobrando pensão e um ladrão boa praça, a trama dos dois acaba ganhando um começo meio e fim bem definidos. Porém, se as estórias de John e Jack e de Antonio e Milly ganham pontos por seus arcos bem desenvolvidos, as outras infelizmente se perdem na repetição de gags que se a princípio soam boas sacadas para piadas absurdas, ao final desapontam por não chegarem a lugar algum. 
    Assim, a trama de Leopoldo que começa apresentando o conceito divertido de um homem comum que fica famoso instantaneamente apenas por ser famoso, acaba por se repetir nas situações em que qualquer coisa esdrúxula que o personagem diz acaba virando furo jornalístico, desde "acho que vai chover" até "eu gosto mais de pão tostado". E no fim sua estória acaba com um "a fama é boa, até que não é", desperdiçando não só uma boa sacada, mas também o ótimo ator que é Roberto Benigni, cuja corpulência magra e desengonçada é perfeita para as gags visuais que normalmente lhe exigem e que aqui caí no lugar no comum. O mesmo, infelizmente, acontece à trama do personagem interpretado pelo próprio Woddy Alllen, que se no início soa cativante pelo seu teor absurdo (um tenor cantando enquanto banha-se no palco), com o tempo a super exploração da cena faz com que a piada perca força, e mais decepcionante é ver que o diretor não tinha nenhuma outra carta na manga para este arco, acabando a estória de Giancarlo junto com a graça da piada. Mas devo dizer que fiquei com vontade de aplaudir o momento em que o personagem apresenta o ato final de Pagliacci, o que não deixa de ser um fator contra o longa que o melhor momento de sua duração seja um que não é de autoria de Allen. 


     Repetindo a fotografia "fim de tarde", cheia de uma luz amarelada adotada nas visitas ao passado no muito superior Meia-noite em Paris, o normalmente excepcional fotógrafo Darius Khondji (Delicatessem, Seven, O quarto do Pânico) passa despercebido pelo projeto, o que não deixa de ser uma pena, já que o projeto anterior de Allen já citado aqui usava muito bem desta parceria. Já a montagem transita entre a truncada fluidez entre as tramas e a sutil passagem de tempo individual de cada uma. Tornando difícil pular de uma para a outra, mas tornando as diferentes escalas de tempo em que cada uma se passa muito bem colocadas dentro das duas horas de filme, assim se na estória de Antonio e Milly se passa apenas um dia, não nos soa estranho os muitos meses que se passam na estória de Jerry e do tenor Giancarlo. 
     Nada de extraordinário (infelizmente para quem conhece a capacidade do realizador), mas ainda assim, uma divertida visita ao estilo Allen de se fazer filmes, Para Roma, com Amor acaba soando mais como o exercício cinematográfico anual do diretor do que qualquer outra coisa. O que torna uma das falas ditas a Jerry durante o filme (e Jerry nada mais é do que Allen e seu personagem de sempre) algo a se considerar sobre o cineasta. "Pra você, se aposentar se equipara a morte". E levando em conta que em vários momentos eu não soube distinguir se as falas ditas por Jerry eram de um personagem para os outros ou de Allen para nós, a frase citada acima pode muito bem cair como uma luva nos motivos do diretor continuar a fazer filmes todos os anos. Filmes esses que se não mantém uma constância de qualidade, ao menos, mantém Woody Allen vivo para todos. 


NOTA: 7/10

Um comentário:

  1. E só uma observação: a história do tenor que canta embaixo do chuveiro eu já tinha lido há um tempo numa crônica do Moacir Sclyar, portanto é uma "loucura" do imaginário popular.

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