Há mais de trinta
anos, um Ridley Scott no começo de sua carreira lançava aquele que seria um de
seus maiores sucessos. Em Alien
- o oitavo passageiro (de
1979), o diretor apresentava com muito talento uma das criaturas mais icônicas
da ficção científica. Hoje, três continuações, dois crossovers e mais de
três décadas depois, Scott volta para o universo de Alien, desta vez contando o prelúdio da trama
vista em 79. E eis que temos Prometheus.
Um grupo de cientistas liderados por Charlie (Logan Marshall-Green)
e Elizabeth (Noomi Rapace) se dirige a distante lua LV-223 aonde acreditam ser
o lar dos nossos "engenheiros", nossos criadores. A bordo da
imponente nave de exploração "Prometheus", os cientistas logo
descobrem que algo saiu extremamente errado nos planos desses supostos super
seres. E ao aterrissarem na superfície inóspita da LV-223 o grupo se depara com
um cenário que aos poucos se tornará cada vez mais caótico e sombrio.
Talvez Prometheus se resuma no plano que trás David,
o androide interpretado por Michael Fassbender em um diálogo com
Charlie, onde o primeiro pergunta ao cientista por que o haviam criado, ao que
Charlie responde "nós te criamos porque podíamos". Pois ainda que o
diálogo seja muito interessante, devo confessar que assim como David ao ouvir a
resposta, fiquei com um gosto amargo na boca com as soluções oferecidas pelo
filme, ou melhor, a falta delas. Acontece que o roteiro de Damon Lindelof e Jon
Spaihts parece muito mais interessado em criar uma franquia do que em dar uma
boa finalização ao próprio filme. Uma pretensão que acaba me fazendo
torcer um pouco o nariz para o projeto.
Um das inconsistências do roteiro é nunca definir qual é o foco da trama.
Quando estamos começando a nos habituar com a ideia dos engenheiros, o filme
introduz o líquido negro como arco principal, quando estamos tentando entender
o que ele significa, o roteiro deixa que a tal infecção causada por este
líquido seja o foco, até que de repente é a gravidez de uma das personagens que
assume o centro do palco, só para no final um personagem supostamente morto
retornar tomando a trama para si. E em todos estes arcos o único que tem um
começo, meio e fim compreensíveis é o da gestação inesperada que acaba junto
com o filme, que em um último plano revela os verdadeiros porquês desta superprodução.
Parece que Scott deixa tantas pontas soltas de propósito. O diretor
admitiu várias vezes em entrevistas que já se vê dirigindo a continuação, assim
não é difícil deduzir que tais arcos inacabados ou muito mal explicados tenham sido reservados para uma futura produção. O que não desculpa em nada o
raso roteiro de Lindelof e Spaihts que parecem querer criar boas discussões,
mas acabam barrados em respostas obtusas. Então, após ver a genialidade e
sutileza com que revelam ao espectador que a Doutora Shaw é estéril, é
decepcionante ouvir sair dos lábios da mesma Elizabeth algo como "se eles
nos criaram, quem criou eles?" mostrando um lado de fé cega na personagem
que nunca foi apresentado e nem mais tarde é explorado.
Aliás, Noomi Rapace traz aqui uma personagem intrigante e que desde sua
primeira aparição se mostra interessante, inclusive em suas memórias que são
visitadas em sonhos pelo androide David. E os dois, Rapace e Fassbender são os
trunfos do longa. Rapace se mostra extraordinariamente diferente de
sua Lisbeth Salander da versão Sueca de Os Homens que não Amavam as Mulheres,
claramente nas nuvens (sem trocadilhos) com a realização de um sonho, Elizabeth
ganha da atriz uma empolgação contida com uma calma que traz a serenidade de
alguém que "acredita", tem fé no seu objetivo e por isso,
determina-se com facilidade. Assim, Rapace dá a personagem, por exemplo, um
sorriso disfarçado no canto da boca quando esta pronuncia para a equipe sua
interpretação dos pictogramas milenares encontrados na Terra. E se a atriz se
destaca como uma forte protagonista/heroína (característica conhecida da série Alien) é Fassbender quem cativa
sempre que em cena. O androide interpretado impassivelmente pelo ator
é ironicamente o único personagem tridimensional do filme.
Fascinado por Lawrence da Arábia e com o visual todo inspirado no seu
protagonista (Peter O'Toole), David constantemente se mostra interessado em sua
origem, e seu crescente "desapontamento" com a raça que o criou é um
interessante paralelo com os eventos que se seguem na LV-223. E é ainda mais
interessante que este paralelo se estenda até um diálogo (em um dos bons
momentos do roteiro) com a própria Doutora Shaw que muito crente em um ser
superior ainda acima de todos os outros pergunta ao androide "E quando não
te programarem mais, o que você vai ser?", ao que David responde com
um sarcasmo impossível "serei livre" deixando claro que ele
a estava retrucando em sua fé, dizendo a ela algo como "o mesmo que
acontecerá quando você largar sua religião e seus dogmas, você será
livre".
E este é outro ponto acertado de Fassbender que dá a David estas
características claramente aprendidas em suas observações. Assim não é engraçado
e sim muito interessante observar o androide passar a mão teatralmente nos
cabelos, alisando-os como o próprio Lawrence do seu adorado filme. Ou no
próprio uso do sarcasmo e até mesmo maldade, quando confronta Shaw, por exemplo,
David parece realmente querer feri-la psicologicamente ao lembra-la de duras
perdas. Então acaba sendo uma pena que todo o resto da tripulação da Prometheus
acabe passando batida e imemorável. Nem a bela Charlize Theron (em alta depois
do horrível Branca de Neve e o
Caçador) salva sua Meredith Vickers da mediocridade como personagem, que
acaba sendo a típica "bitch".
Mas se as finalizações de Prometheus não são das mais satisfatórias, o
mesmo não pode ser dito da maestria com que os mesmos roteiristas e o próprio
Scott introduzem a estória. Homenageando 2001
- uma odisseia no espaço em
sua estrutura, o início do longa se dá num planeta em formação (não
necessariamente a Terra segundo o próprio Scott) onde um dos tais Engenheiros se
sacrifica para criar vida (aliás, uma bela introdução de título), seguindo isso vem a "evolução" dos primeiros organismos, nada diferente do sentido daquela mesma
cena inicial do famoso filme de Kubrick. Algo superior vem ao planeta pré-histórico
trazer evolução. Inclusive, é de se comentar, o primeiro plano do filme com um
planeta, uma lua e o sol em alinhamento é idêntico ao de 2001. Não bastasse isso, Scott
nos apresenta a enorme nave título em um genial plano que mostra o que parece
ser a lateral de um planeta silhuetado por uma estrela (um sol?) que logo se
revela ser apenas a superfície de uma das turbinas arredondadas da Prometheus.
E inclusive os planos que se seguem de David (sim, eu notei que até o nome do
personagem é parecido, David/Dave) rondando pela nave, se "exercitando" e
explorando os espaços interiores do local remetem muito àquele clássico da
ficção científica, inclusive no visual.
E sim, o visual. Estonteante de tão belo, o design de produção de Arthur
Max se baseia na funcionalidade do cenário. Os interiores da nave são
incríveis, baseados em tons claros e metálicos, ganhando detalhes que podem
passar despercebidos como os pés das mesas em formato de "W" que
remetem a empresa que financia a expedição, a "Weyland". Desde a mesa
de cirurgia automática na sala de Vickers até a ponte de comando tudo parece
mesclar-se incrivelmente bem com os efeitos digitais que com certeza
terão seu espaço nas premiações deste ano. Afinal nenhum Green screen é notado
e a fotografia escura e estilizada de Dariusz Wolski reage muito bem nas
superfícies criadas digitalmente. Já os cenários na LV-223 são preciosos em
seus detalhes e saudosistas em sua concepção, afinal não é preciso olhar mais
que dois segundos para perceber que são as mesmas estruturas presentes em Alien - O oitavo passageiro,
isso, claro, graças à colaboração de H. G. Giger que tem em sua obra a constante
sombria de formas humanas retorcidas mescladas a estruturas arquitetônicas
singulares. E é belíssimo ver como todos esses elementos se unem em dada
cena onde uma grande explosão nos céus da pequena lua toma conta da tela. Cena esta que não
ganha o peso dramático merecido, mas que ao menos é estonteante de se ver na
estética concebida pelos realizadores, que aliás, fazem aqui um ótimo e pensado uso do
3D que serve apenas para dar a profundidade daqueles cenários épicos. E
pra finalizar a trilha de Marc Streitenfeld pontua com talento o filme. Destaco
a cena em que a nave alienígena se ergue do subsolo em que ele pontua com
graves alongados que claramente prenunciam a tragédia.
Com tantos acertos técnicos, atores dedicados e alguns bons
momentos de roteiro, é triste ver que o longa encontra sua fraqueza no
desenvolvimento de seus personagens e na falta de profundidade de sua trama,
sem contar os inúmeros momentos em que alguém apenas descreve o que está acontecendo;
"ele está passando mal" alguém diz em um plano que mostra um dos
cientistas gritando de dor enquanto suas veias se tornam negras. O gancho para
uma continuação fica óbvio, mas um filme que promete tanto em sua hora inicial
(sem piadinhas infames, por favor) deveria ao menos dar algo para alimentar o
público além de promessas durante sua duração. Não que o último plano não vá
agradar milhares de fãs da série, mas o fato é que Prometheus podia ter sido um filme muito mais
confiante de si mesmo. Cativa, mas será que também fica na memória?
NOTA: 8/10
Que bonito o design do blog, quem fez?
ResponderExcluirOi, olha aqui no final deste post do Blog mesmo tem os contatos e informações do Pedro Gonçalves Jardim, que foi quem fez, ele é muito bom e barateiro ;)Só o desenho do mascote do Blog que quem fez fui eu, mas fiz numa folha de papel e quando vi tava todo pintado e colocado no Blog. Ele é ótimo. Os contatos tão no final desta postagem aqui: http://classedecinema.blogspot.com.br/2012/03/novo-layout.html
ExcluirAbraços!
HAHAHAHAH não. Nãããão.
ResponderExcluirEngraçado que eu só comento aqui quando é pra ir contra a tua opinião, mas eu tô muito empolgada com o filme e preciso discutir com alguém.
Primeiro que eu não acho que o filme tenha pontas soltas, eu acho que ele tem muitas incoerências de roteiro, mas no meu entender nunca faltou foco à trama. A questão é que o filme é feito de camadas e elas são explicadas aos poucos e alguns momentos as explicações são dadas muito de bandeja, vide as incoerências que eu vou falar depois.
O filme já começa apresentando os Engenheiros e o líquido preto. Na apresentação das personagens Elizabeth e Charlie, a Elizabeth já mostra que fé é o motor dela - ela acredita muito mais do que consegue provar. Eu discordo do que tu diz sobre a Vickers da Charlize, apesar de ela inicialmente ser uma bitch, como tu disse, conforme a trama vai ficando mais tensa a interpretação da atriz que diz que ela está constantemente com medo. Quando ela atira fogo contra o Charlie, quando ela quer impedir o pai de ir até os Engenheiros, quando ela aceitar transar com o piloto, ela está o tempo todo tentando provar que é a líder e ao mesmo tempo esconder o medo que toda aquela situação lhe causa.
Já o David, que eu concordo, é o mais tridimensional e o personagem mais bem explorado, é um total agente do caos. Ainda que o propósito inicial dele seja obedecer o Weyland, ele se mostra muito mais humano quando vai contra esse propósito e quando age propositalmente contra o bem-estar de um humano para testar sua curiosidade (Asimov reprovaria). Eu achei genial os paralelos que as falas dele criam entre a ida ao espaço com o desbravamento do deserto em Lawrence da Arábia, o desolamento e a solidão que ambas situações evidenciam.
Mas voltando às incoerências, eu concordo que o roteiro tem muitas falhas. A personagem da Elizabeth, que inicialmente é até um pouco ingênua em sua pesquisa e seus objetivos de exploração, fica subitamente inteligente e perspicaz o suficiente para entender as situações num estalar de dedos. Ela imediatamente entende que a gravidez dela foi causada por tabela pelo David e entende na hora quem é o Weyland, quando qualquer outra pessoa menos inteligente primeiro ficaria chocada com o fato de que ele ainda estava vivo. Em outros momentos, como tu mesmo colocou, as pessoas explicam o que está acontecendo nas falas, o que é absolutamente desnecessário. O piloto do Idris Elba também desvenda todo o propósito dos Engenheiros com uma facilidade incrível.
Mas o filme faz uma reverência simbolica a todos os outros aliens, por piores que sejam, o que eu particularmente achei legal. A estátua do alien com os braços abertos como um Cristo na câmara onde eles encontram os tubos foi uma sutileza muito bem colocada, a referência de que os aliens seriam armas de destruição também casa com o que foi colocado em Alien x Predador (não me julgue).
Enfim, eu acho que é um filme fechadinho com suas incoerências, mas um bom filme. Ele não chega ao ponto de ter a quantidade de pontas soltas e loucuras do terceiro Alien, então estamos no lucro.