Dono de um estilo visual inconfundível, o
cineasta Tim Burton esteve perdido em meio a excentricidades durante cinco
anos, durante os quais lançou o esteticamente estonteante, porém fraco, Alice no País das Maravilhas e o recente e inexpressivo Sombras da Noite. Portanto,
desde 2007 quando nos entregou o ótimo Sweeney
Todd, no qual misturava competentemente seu apuro visual ao dom de contar
uma trama com peso dramático, o diretor não apresentava um filme que contasse
com suas melhores características como realizador. E não se pode deixar de
observar que esta "volta" do cineasta se dá com uma animação, gênero
no qual o diretor sempre se mostrou mais apto a dirigir do que suas obras
live-action. Não que todos os outros filmes de Burton sejam defeituosos ou
menos tocantes, acontece apenas que sua estética sombria característica se
mostra muito menos chamativa em um mundo totalmente recriado. O que não
acontece sempre com seus outros longas, onde às vezes o visual quase sempre
elogiável e criativo é muito mais interessante que seus personagens ou
histórias. Porém, quando Burton consegue equilibrar os dois lados, é notório
que surjam obras como Edward:
Mãos de Tesoura, Ed Wood, Peixe Grande, A Noiva Cadáver, Sweeney
Todd, etc. Dito isso, Frankenweenie,
embora possua suas ressalvas, surge como uma grande homenagem às figuras e o
mundo que tanto inspiraram Tim Burton, e sem nunca soar pretensioso, também se dá ao luxo de referenciar a si mesmo.
Adaptado do um curta-metragem homônimo que Burton dirigiu no início de
sua carreira o longa conta a estória do tímido Victor (Charlie Tahan), que
após perder seu cachorrinho de estimação, Sparky, tenta uma experiência
científica para trazê-lo de volta da morte. Sendo bem sucedido, começa a ser
perseguido por outros garotos querendo também trazer de volta seus falecidos
mascotes.
Voltando a homenagear clássicos filmes B de horror, coisa que já havia
feito naquele que para mim figura como um de seus melhores trabalhos, Ed Wood, o diretor retoma a
apresentação do filme em preto e branco, porém, diferente do que foi feito no recente O Artista, o cineasta prefere
deixar seu escopo aberto e retangular, diferenciando assim do clássico formato
quadrado que predominavam essas antigas produções. Isso, mais o fato de o
próprio filme caseiro que Victor apresenta aos pais no início do longa ser em 3D, ajudam a
estabelecer as intenções de Tim Burton, que atraí um público mais
"estudado" para curtir suas referências e homenagens enquanto inclui
elementos dos novos modos de se apresentar cinema durante a projeção para
ganhar um público mais jovem ou casual, mesmo que faça isso discretamente, vide
o já citado formato da tela.
Já não tão sutis, porém não menos cabidas, são as referências e
homenagens que o filme faz através da concepção e da nomenclatura de seus
personagens. Assim, um garoto corcunda e totalmente assimétrico, que remete
diretamente a Quasímodo, ganha o nome de Edgar, fazendo menção a um dos ídolos
de Tim Burton, Edgar Allan Poe (que, aliás, lhe inspirou outro ótimo curta
animado chamado Vincent,
procure e veja!). Já outro menino ganha as características do famoso monstro
Frankenstein, sendo concebido alto, com ombros largos e cabeça quadrada,
enquanto o animal de estimação de outro colega de Victor é chamado de Shelly,
referenciando a escritora Mary Shelley, que deu origem a este mesmo monstro na
literatura, assim como uma poodle acaba ganhando inusitadamente mechas brancas
nas laterais do pelo, se tornando uma divertida lembrança a A Noiva de Frankenstein. E
claro que uma das figuras mais amadas do cineasta (e uma das mais ligadas ao
macabro no cinema) não podia deixar de figurar nesta onda de homenagens,
portanto, não demora até que o querido e esquisito (e olha que usar "esquisito"
como adjetivo em um filme de Burton pode ser muito redundante) professor de
ciência dos garotos, o Senhor Rzykruski, se apresente em tela como a forma
animada de Vincent Price, quase como se fosse o ator a interpretar o papel
ali, conceito que só é auxiliado pela dublagem excelente de Martin Landau que
emula com talento a dicção e a eloquência tão características do falecido ator.
E a escolha de Landau para viver o personagem não deixa de ser uma pequena
homenagem do Burton a si mesmo, tendo em vista que ambos, o ator e o cineasta
já haviam trabalhado juntos antes em Ed
Wood, onde Landau interpretava o também já falecido Bela Lugosi.
Menos mirabolante do que de costume, o design de produção do filme aposta
em uma cidade de formas e tamanhos parecidos para transparecer o ar pacato
do local, o que se não é totalmente original na filmografia do cineasta (vide Edward: Mãos de Tesoura),
ao menos é funcional e ajuda a ressaltar a interessante concepção do cemitério
de animais (Pet Sematary em
inglês, outra referência será?) e seus divertidos túmulos personalizados.
Porém, mesmo que carismático, Frankenweenie nunca apresenta um perigo, vilão ou
conflito que realmente inspire alguma preocupação no espectador
ou que faça a trama se desenrolar. E assim, ao final da sessão, é impossível
evitar vê-lo como uma grande homenagem descompromissada, cuja trama e muitos
dos personagens se perdem no esquecimento com extrema facilidade. O que nunca
deixa de ser lamentável quando se pensa que Tim Burton é responsável por figuras
tão icônicas como Beatlejuice, Edward, Jack, Suas versões do Batman, Coringa,
Pinguim e Mulher-Gato, entre tantos outros. E para não dizer que todos fogem a
memória imediatamente, a garotinha de olhos grandes e sinistros, cujas fezes de
seu gato possuem um dom de vidência, marca presença justamente por estampar o
melhor da concepção sombria, porém bem humorada do cineasta.
Ganhando de Danny Elfman uma trilha que se limita a emular seus trabalhos
anteriores (e melhores), baseando a música tema num coro de vozes de crianças
que lembra e muito os de Edawrd:
Mãos de Tesoura, Homem-Aranha e Alice
no País das Maravilhas, o longa acaba fracassando na sempre esperada
parceria do compositor com o diretor, que assim como o resto do filme, não é ruim
e até diverte, mas serve só a si mesmo e suas referências. E no final, Frankenweenie por mais acertado que seja não faz
mais do que nos lembrar de longas que se não são muito melhores, ao menos são
mais memoráveis que esta nova animação de Tim Burton.
NOTA: 8/10
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