Nesta que é sua
segunda empreitada cinematográfica, o diretor Neill Blomkamp traz de volta a
temática que já havia explorado no seu excelente Distrito 9, a separação e a
marginalização de uma espécie, remetendo outra vez ao apartheid, um triste
evento na história humana que o cineasta, nascido na África do Sul, parece
conhecer bem. E se lá no longa dos alienígenas a segregação se dava então em
Joanesburgo, o que colocava a metáfora muito mais próxima da trama, aqui, o também
roteirista Blomkamp parece apenas ter aumentado a analogia para uma escala
planetária.
Após uma montagem
inicial explicativa (mas que milagrosamente não apela para uma narração em
off), o longa começa a contar a história de Max (Matt Damon), que mora em uma
Los Angeles caótica do fim do Século XXI. Transformada em uma enorme favela, a cidade é repleta de crime e opressão governamental, com a polícia
robótica abusando do poder e mantendo a população praticamente sob uma condução
militar. Enquanto isso, orbitando bem próximo à Terra, está a estação espacial
Elysium, que na verdade é um grande complexo que abriga um gigantesco e extenso
condomínio de luxo habitado apenas pelas mais bem abastadas famílias. Lá cada
mansão parece ter sua própria máquina "cura tudo" (vou chamá-las
assim já que essas máquinas, que se parecem com aparelhos de ressonância
magnética, não tem um nome definitivo dentro do filme), que faz exatamente isso: basta o cidadão deitar-se nela e, não importando se for uma
gripe, um corte ou mesmo um câncer, em alguns segundos estará curado.
O que é a principal
razão para que aconteçam constantes invasões (ou tentativas de) ao local, onde
cidadãos da Terra desesperados buscam a cura para as mais diversas
enfermidades. Fato que a secretária de segurança de Elysium, Delacourt (Jodie
Foster), combate sem nenhum escrúpulo, ordenando a destruição de naves repletas
de pessoas antes que essas aterrissem na estação. É então que, Max (lembra dele
ainda?) sofre um acidente e é exposto a um nível letal de radiação, que deverá
matá-lo em cinco dias. Buscando ajuda com Spider (Wagner Moura), que é uma
mistura curiosa de hacker, gângster e coiote interplanetário, o nosso
protagonista acaba com um exoesqueleto acoplado a seu corpo e com informações
importantíssimas para a vilã Delacourt gravadas em um aparelho na sua cabeça. A
partir daí, faz de tudo para tentar chegar a Elysium e se curar, enquanto
foge do mercenário Kruger (Sharlto Copley) e tenta proteger no caminho sua
paixão de infância, Frey (Alice Braga).
Claro que tudo isso
poderia ter sido evitado se a secretária de segurança de Elysium, que tem
ambições de se tornar presidenta do lugar e cujo maior interesse, antes de
proteger as fronteiras do complexo, é de parecer uma figura amigável e elegível
para seus habitantes, enviasse para a Terra uma das naves-ambulância cheias
destas máquinas "cura tudo" que aparecem ao final do longa, afim de
apaziguar a situação, já que pelo jeito esses aparelhos existem de sobra e não
fariam falta alguma aos cidadãos de lá. Quando um povo quer invadir o
território do outro por um elemento que este último tem de sobra e nem usa, a
melhor estratégia quando se visa a paz é emprestar (ou que se dane, dê de
presente de uma vez!) este elemento para evitar um confronto maior, política
simples. Delacourt iria reduzir em quase 100% as invasões à Elysium, seria a
principal responsável pela paz entre os dois povos e de quebra venceria as
próximas eleições para presidente de forma justa e limpa (!), realizando assim
todas as ambições da personagem. Mas não, segundo o roteiro de Blomkamp, responder
de forma hostil e apostar em um elaboradíssimo e complexo golpe de Estado é a
melhor solução em que nossa vilã consegue pensar. Porém, caso seus personagens
fossem realmente inteligentes, não haveria filme, não é?
E assim comprova Max,
que parece ter a tendência de entrar em lugares perigosos sabendo que a morte
ali dentro é quase certa. O que pode ser comprovado no momento em que o
personagem entra em uma câmara de radiação para fechar a porta por dentro,
sabendo que se tivesse sucesso, morreria lá. Ou quando, segurando uma granada
ativa na mão, o nosso mocinho simplesmente embarca em uma aeronave em direção
ao espaço, cheia de inimigos que ele sabe que o querem morto, e que ainda tem
Frey e sua filha à bordo (!!). Porém, deixe passar os furos de roteiro que
impulsionam a trama, e esta na verdade se mostra tão cativante quanto a de Distrito 9. E é inegável que,
apesar destes (grandes) tropeços de Blomkamp enquanto roteirista, o filme seja
repleto de conceitos admiráveis.
Abandonando a maioria
dos vestígios do tom documental que empregara no seu longa anterior, o diretor
investe aqui em uma linguagem assumidamente cinematográfica, e ao lado de seu
diretor de fotografia, Trent Opaloch, cria belos planos em câmera lenta e
outros bastante inventivos, como aquele que parece ter sido feito com uma
GoPro, acompanhando os movimentos de Max durante uma cena de combate. Além
disso, Blomkamp parece não temer a censura, apostando em uma violência gráfica
explícita em cenas como a que o rosto de um personagem explode na
frente da câmera e depois é reconstituído em uma das máquinas "cura tudo". O
mesmo uso da violência gore presente nos trabalhos de diretores como David
Cronenberg e ainda mais (talvez por se tratar de um Sci-Fi) aqueles de Paul
Verhoeven, principalmente em filmes como Robocop e Tropas
Estelares.
Tudo é claro,
realizado com uma mistura perfeita de efeitos digitais e práticos, que em
absolutamente todos os momentos se mostram impecáveis. Ainda melhor se saí o
design de produção que constrói as ruas de Los Angeles de forma a acreditarmos
que nenhum serviço de saneamento básico ou segurança é provido àquelas pessoas,
com ruas repletas de lixo e pichações em quase todos os lugares. Um agente de
condicional robótico é especialmente interessante por estar coberto de
desenhos, inscrições e sujeira, ainda que exiba um sorriso alarmantemente
falso, não sendo difícil imaginar todos os criminosos que já passaram por sua
tutela rabiscando e depredando pequenas partes suas durante as entrevistas. Em
uma cena, aliás, que quase faz referência àquele longa esquisito protagonizado por
Sylvester Stallone e Wesley Snipes, O
Demolidor.
Já na área de
interpretações, Matt Damon, um ator de que gosto muito, faz o que pode com seu
Max, uma criatura quase unidimensional e de bom coração, enquanto Jodie Foster
tira água de pedra com a sua ingrata vilã Delacourt. Ao passo em que Sharlto
Copley, que em Distrito 9 havia sido nosso herói, aqui encara o
papel oposto, vivendo o antagonista Kruger com uma mistura de ira e loucura que
o torna o nosso verdadeiro vilão. Já Alice Braga interpreta apenas fielmente
sua desimportante personagem, e Frey é um tanto quanto descartável, assim como
seu drama com a filha que jamais comove o espectador. Deixando assim para
Wagner Moura a performance mais interessante do longa, e não estou
"puxando a brasa pro nosso lado", pois não só Spider se mostra um
personagem interessantíssimo, mas também é vivido com energia pelo ator, que
emprega uma voz rouca e movimentos duros e desengonçados ao personagem manco,
tornando-o um personagem cativante que, ainda bem, tem uma grande participação
na trama.
No fim, Elysium se mostra aquém do trabalho prévio de
Neill Blomkamp (talvez seja falta da benção de Peter Jackson?), mas ainda é
capaz de apresentar conceitos cativantes -admito que gostaria de ver muito
mais, tanto sobre Elysium, quando a grande favela na Terra. Repleto de ótimas
cenas de ação e uma produção impecável, o filme se mostra uma ficção científica
coerente e ambiciosa. Ainda que a ciência política pareça ser uma que o filme
desconsidere na hora de fazer sua ficção, algo que posso apenas lamentar,
principalmente após o trabalho de analogia tão rico que nos fora apresentado em Distrito 9. Esperemos mais
daquele lado do diretor futuramente.
NOTA: 7/10
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