quarta-feira, 11 de setembro de 2013

ELYSIUM


     Nesta que é sua segunda empreitada cinematográfica, o diretor Neill Blomkamp traz de volta a temática que já havia explorado no seu excelente Distrito 9, a separação e a marginalização de uma espécie, remetendo outra vez ao apartheid, um triste evento na história humana que o cineasta, nascido na África do Sul, parece conhecer bem. E se lá no longa dos alienígenas a segregação se dava então em Joanesburgo, o que colocava a metáfora muito mais próxima da trama, aqui, o também roteirista Blomkamp parece apenas ter aumentado a analogia para uma escala planetária.


     Após uma montagem inicial explicativa (mas que milagrosamente não apela para uma narração em off), o longa começa a contar a história de Max (Matt Damon), que mora em uma Los Angeles caótica do fim do Século XXI. Transformada em uma enorme favela, a cidade é repleta de crime e opressão governamental, com a polícia robótica abusando do poder e mantendo a população praticamente sob uma condução militar. Enquanto isso, orbitando bem próximo à Terra, está a estação espacial Elysium, que na verdade é um grande complexo que abriga um gigantesco e extenso condomínio de luxo habitado apenas pelas mais bem abastadas famílias. Lá cada mansão parece ter sua própria máquina "cura tudo" (vou chamá-las assim já que essas máquinas, que se parecem com aparelhos de ressonância magnética, não tem um nome definitivo dentro do filme), que faz exatamente isso: basta o cidadão deitar-se nela e, não importando se for uma gripe, um corte ou mesmo um câncer, em alguns segundos estará curado. 


     O que é a principal razão para que aconteçam constantes invasões (ou tentativas de) ao local, onde cidadãos da Terra desesperados buscam a cura para as mais diversas enfermidades. Fato que a secretária de segurança de Elysium, Delacourt (Jodie Foster), combate sem nenhum escrúpulo, ordenando a destruição de naves repletas de pessoas antes que essas aterrissem na estação. É então que, Max (lembra dele ainda?) sofre um acidente e é exposto a um nível letal de radiação, que deverá matá-lo em cinco dias. Buscando ajuda com Spider (Wagner Moura), que é uma mistura curiosa de hacker, gângster e coiote interplanetário, o nosso protagonista acaba com um exoesqueleto acoplado a seu corpo e com informações importantíssimas para a vilã Delacourt gravadas em um aparelho na sua cabeça. A partir daí, faz de tudo para tentar chegar a Elysium e se curar, enquanto foge do mercenário Kruger (Sharlto Copley) e tenta proteger no caminho sua paixão de infância, Frey (Alice Braga).


     Claro que tudo isso poderia ter sido evitado se a secretária de segurança de Elysium, que tem ambições de se tornar presidenta do lugar e cujo maior interesse, antes de proteger as fronteiras do complexo, é de parecer uma figura amigável e elegível para seus habitantes, enviasse para a Terra uma das naves-ambulância cheias destas máquinas "cura tudo" que aparecem ao final do longa, afim de apaziguar a situação, já que pelo jeito esses aparelhos existem de sobra e não fariam falta alguma aos cidadãos de lá. Quando um povo quer invadir o território do outro por um elemento que este último tem de sobra e nem usa, a melhor estratégia quando se visa a paz é emprestar (ou que se dane, dê de presente de uma vez!) este elemento para evitar um confronto maior, política simples. Delacourt iria reduzir em quase 100% as invasões à Elysium, seria a principal responsável pela paz entre os dois povos e de quebra venceria as próximas eleições para presidente de forma justa e limpa (!), realizando assim todas as ambições da personagem. Mas não, segundo o roteiro de Blomkamp, responder de forma hostil e apostar em um elaboradíssimo e complexo golpe de Estado é a melhor solução em que nossa vilã consegue pensar. Porém, caso seus personagens fossem realmente inteligentes, não haveria filme, não é?


     E assim comprova Max, que parece ter a tendência de entrar em lugares perigosos sabendo que a morte ali dentro é quase certa. O que pode ser comprovado no momento em que o personagem entra em uma câmara de radiação para fechar a porta por dentro, sabendo que se tivesse sucesso, morreria lá. Ou quando, segurando uma granada ativa na mão, o nosso mocinho simplesmente embarca em uma aeronave em direção ao espaço, cheia de inimigos que ele sabe que o querem morto, e que ainda tem Frey e sua filha à bordo (!!). Porém, deixe passar os furos de roteiro que impulsionam a trama, e esta na verdade se mostra tão cativante quanto a de Distrito 9. E é inegável que, apesar destes (grandes) tropeços de Blomkamp enquanto roteirista, o filme seja repleto de conceitos admiráveis.


     Abandonando a maioria dos vestígios do tom documental que empregara no seu longa anterior, o diretor investe aqui em uma linguagem assumidamente cinematográfica, e ao lado de seu diretor de fotografia, Trent Opaloch, cria belos planos em câmera lenta e outros bastante inventivos, como aquele que parece ter sido feito com uma GoPro, acompanhando os movimentos de Max durante uma cena de combate. Além disso, Blomkamp parece não temer a censura, apostando em uma violência gráfica explícita em cenas como a que o rosto de um personagem explode na frente da câmera e depois é reconstituído em uma das máquinas "cura tudo". O mesmo uso da violência gore presente nos trabalhos de diretores como David Cronenberg e ainda mais (talvez por se tratar de um Sci-Fi) aqueles de Paul Verhoeven, principalmente em filmes como Robocop e Tropas Estelares.


     Tudo é claro, realizado com uma mistura perfeita de efeitos digitais e práticos, que em absolutamente todos os momentos se mostram impecáveis. Ainda melhor se saí o design de produção que constrói as ruas de Los Angeles de forma a acreditarmos que nenhum serviço de saneamento básico ou segurança é provido àquelas pessoas, com ruas repletas de lixo e pichações em quase todos os lugares. Um agente de condicional robótico é especialmente interessante por estar coberto de desenhos, inscrições e sujeira, ainda que exiba um sorriso alarmantemente falso, não sendo difícil imaginar todos os criminosos que já passaram por sua tutela rabiscando e depredando pequenas partes suas durante as entrevistas. Em uma cena, aliás, que quase faz referência àquele longa esquisito protagonizado por Sylvester Stallone e Wesley Snipes, O Demolidor


     Já na área de interpretações, Matt Damon, um ator de que gosto muito, faz o que pode com seu Max, uma criatura quase unidimensional e de bom coração, enquanto Jodie Foster tira água de pedra com a sua ingrata vilã Delacourt. Ao passo em que Sharlto Copley, que em Distrito 9 havia sido nosso herói, aqui encara o papel oposto, vivendo o antagonista Kruger com uma mistura de ira e loucura que o torna o nosso verdadeiro vilão. Já Alice Braga interpreta apenas fielmente sua desimportante personagem, e Frey é um tanto quanto descartável, assim como seu drama com a filha que jamais comove o espectador. Deixando assim para Wagner Moura a performance mais interessante do longa, e não estou "puxando a brasa pro nosso lado", pois não só Spider se mostra um personagem interessantíssimo, mas também é vivido com energia pelo ator, que emprega uma voz rouca e movimentos duros e desengonçados ao personagem manco, tornando-o um personagem cativante que, ainda bem, tem uma grande participação na trama. 


     No fim, Elysium se mostra aquém do trabalho prévio de Neill Blomkamp (talvez seja falta da benção de Peter Jackson?), mas ainda é capaz de apresentar conceitos cativantes -admito que gostaria de ver muito mais, tanto sobre Elysium, quando a grande favela na Terra. Repleto de ótimas cenas de ação e uma produção impecável, o filme se mostra uma ficção científica coerente e ambiciosa. Ainda que a ciência política pareça ser uma que o filme desconsidere na hora de fazer sua ficção, algo que posso apenas lamentar, principalmente após o trabalho de analogia tão rico que nos fora apresentado em Distrito 9. Esperemos mais daquele lado do diretor futuramente.


NOTA: 7/10




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