Apesar de protagonizados por
seres dotados de poderes especiais, os filmes da franquia X-Men encontraram sua força não na ação desenfreada ou no deslumbre
técnico, mas sim no lado humano de seus personagens e na alegoria sobre o preconceito
contra minorias, grupos étnicos, etc. Os discursos de X-Men: O Filme, X-Men 2, X-Men: O Confronto Final e X-Men: Primeira Classe poderiam ser encaixados nos contextos da discriminação com homossexuais, islâmicos,
mulheres, religiões afrodescendentes, entre muitos outros grupos cuja liberdade
de expressão e disseminação na sociedade é vista com maus olhos pela maioria
das pessoas que compõe a mesma. Desta forma, os quatro filmes – excetuo aqui,
claro, o ruim X-Men Origins: Wolverine
e o apenas bom Wolverine Imortal – possuíam
um riquíssimo subtexto político-social que engrandecia e aprofundava léguas
incontáveis o seu alcance dramático. Ao se afastar um tanto deste tema e ao deixá-lo
apenas subentendido, este novo X-Men:
Dias de um Futuro Esquecido poderia facilmente perder seus alicerces e decepcionar
como parte de uma série de produções tão importantes, porém, recheando uma
elaborada trama com personagens que a esta altura já são amplamente conhecidos
e queridos pelo público, a nova investida de Bryan Singer no Universo X se mostra
tão eficiente e memorável quanto os longas que a antecederam, empolgando do
início ao fim. Inteligente, divertido, dramaticamente complexo e cativante.
Em um futuro apocalíptico onde os
sentinelas (robôs gigantes que se adaptam aos poderes daqueles que possuem o gene X)
dizimaram boa parte da população e caçam os mutantes rebeldes remanescentes, o
Professor Xavier (Patrick Stweart) e Magneto (Ian McKellen) uniram forças para,
através dos poderes de Kitty Pryde (Ellen Page), mandar a consciência de
Wolverine (Hugh Jackman) de volta no tempo para o seu eu mais jovem. Uma vez
lá, cabe ao carrancudo personagem alertar as versões mais jovens de Charles e
Eric (respectivamente James McAvoy e Michael Fassbender) sobre um assassinato
cometido por Mística (Jennifer Lawrence) que culminaria na construção das tais
máquinas caçadoras de mutantes.
Retomando a parceria com o mais
fiel de seus colaboradores, o cineasta Bryan Singer escala aqui pela oitava vez
em um filme de sua direção John Ottman simultaneamente como montador e
compositor, o que mostra-se novamente uma escolha acertada já que em parte os
aplausos para o resultado devem-se a eficiência de sua montagem que não só
funciona isoladamente dentro das distintas linhas temporais – notem como a cena
de ação inicial é fascinante neste quesito ao trazer os X-Men usando seus
poderes em conjunto, um dos pontos nos quais os filmes sempre foram brilhantes - como também ao amarrar as tramas de ambas. Cuidando para que cheguem juntas
ao clímax no mesmo ritmo, o trabalho de Ottman não deixa que seja decepcionante
ser interrompido durante um dos arcos para acompanhar o outro, pelo contrário,
fica até difícil escolher qual dos dois tempos é o mais atraente. O
montador é habilidoso ao costurar a intrincada estrutura do roteiro de maneira ágil
e gradativamente mais urgente, enquanto também usa da trilha de sua composição
para criar uma unidade narrativa.
Elegantemente também se sai
Singer, que voltando para a cadeira de diretor na franquia depois de longos
onze anos – a última vez fora em X-Men 2
– conduz o projeto com segurança, criando rimas visuais como aquela que traz o
velho Magneto andando de costas com a capa esvoaçando, e que se repete algumas
cenas depois com sua versão do passado. Com esta mesma proposta o realizador
também opta por abrir e fechar o longa-metragem com narrações em off do Professor
X, primeiramente na voz daquele interpretado por Patrick Stewart, que demonstra
em seu discurso de abertura uma melancólica sabedoria, enquanto no fechamento,
na voz então de McAvoy, conseguimos detectar a positividade amadurecida
intrínseca ao jovem Charles Xavier. Os dois atores, aliás, complementam a
figura do mentor da saga com talento; mesmo que diferentes em suas composições,
jamais duvidamos que se tratam da mesma pessoa, e o eventual encontro entre os
dois é um momento tocante justamente por deixar claro suas diferenças e
semelhanças. Enquanto isso, McKellen surge genial justamente ao proferir
pouquíssimas palavras e impregnar Magneto com a tristeza de constatar seus
piores medos concretizados, afinal, o mutante nunca foi de fato um vilão,
apesar de frio e calculista, e coerentemente, não é com orgulho e jubilo que
encara suas palavras tantas vezes profetizadas a respeito dos humanos se tornarem
uma desoladora realidade. Com isso, alguns podem até sentir falta de sua
presença de espírito na trama, mas não podem dizer que não é condizente
com o personagem, que em contrapartida, é muito bem compensado em peso com a
versão interpretada por Fassbender, cujo tom seco e quase sempre desprovido de
carisma na voz torna sua lógica puramente pragmática ainda mais insensível e
próxima ao cruel – o que ele não chega a ser.
Já Lawrence endurece a postura de
Raven fazendo dela uma figura perfeita de transição entre aquela habilidosa e
dissimulada Mística vista na trilogia original e a outra mais inocente e
rebelde encontrada em Primeira Classe.
E sua relação com Xavier, antes questionada sobre as discrepâncias entre
passado e futuro, aqui é bastante explorada para moldar-se àquilo que veríamos. Com uma participação relevante, Peter Dinklage vive com facilidade um personagem surpreendentemente humano para o potencial vilanesco que possuía - e é ótimo ver o ator em um papel que ignora sua estatura. Jackman tem menos destaque do que tinha anteriormente, ainda que seja
inquestionavelmente o fio condutor do roteiro, mas volta a encarnar Logan com
vivacidade e irreverência, adicionando uma importante
sensibilidade diante da inversão de papeis que sofre ao ter de ele convencer
Charles de uma causa. E Singer não esquece de estar lidando com um filme
repleto de personagens – todos interessantíssimos – e dá a devida atenção a
cada um deles, e mesmo que Mercúrio (Evan Peters) surja apenas durante uma
parte do projeto, sua presença é sentida pelo resto da duração, além de ser
responsável por uma das melhores sequências da franquia – Ah sim, fãs das HQ’s
gostarão de notar a referência rápida que o personagem faz sobre sua
paternidade. Aliás, o uso dos poderes dos mutantes é retratado pelo diretor
sempre de forma inteligente e inventiva, que, tal qual sua direção, foge da
abordagem genérica, apresentando usos inéditos para os poderes do Professor X, fragmentos
de filmagens em Super 8 de um incidente público, câmeras lentas que justificam
seu uso, além de reconhecer que lida com personagens icônicos ao divertir-se
misturando a música de abertura da marca da Fox com aquela que serve de tema
para os filmes, ao passo em que apresenta respeitosamente cada um dos X-Men “clássicos”,
como Tempestade (Halle Berry) e o Homem de Gelo (Shawn Ashmore).
Sempre calcando sua história em
contextos políticos ou históricos para trazer verossimilhança para a mesma, o
longa também representa um verdadeiro reboot para a saga, e de maneira
convincente e elegante amarra praticamente todas as pontas soltas entre as duas
linhas temporais - as que ficam não chegam a incomodar - enquanto ainda deixa um terreno mais do que fértil para novas incursões
em ambas as ambientações. Assim Dias de um Futuro Esquecido acaba conseguindo
a proeza de respeitar as antigas e abrir espaço para novas aventuras envolvendo
o grupo de mutantes, tanto no passado como no presente. E note que trata-se do quinto filme de uma série. Se
futuras produções dos X-Men
mantiverem a qualidade estabelecida pelas cinco já lançadas, que venham mais
cinco então.
Atenção para a cena depois dos
créditos finais.
NOTA: 10/10
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