quinta-feira, 22 de maio de 2014

X-MEN: DIAS DE UM FUTURO ESQUECIDO



Apesar de protagonizados por seres dotados de poderes especiais, os filmes da franquia X-Men encontraram sua força não na ação desenfreada ou no deslumbre técnico, mas sim no lado humano de seus personagens e na alegoria sobre o preconceito contra minorias, grupos étnicos, etc. Os discursos de X-Men: O Filme, X-Men 2, X-Men: O Confronto Final e X-Men: Primeira Classe poderiam ser encaixados nos contextos da discriminação com homossexuais, islâmicos, mulheres, religiões afrodescendentes, entre muitos outros grupos cuja liberdade de expressão e disseminação na sociedade é vista com maus olhos pela maioria das pessoas que compõe a mesma. Desta forma, os quatro filmes – excetuo aqui, claro, o ruim X-Men Origins: Wolverine e o apenas bom Wolverine Imortal – possuíam um riquíssimo subtexto político-social que engrandecia e aprofundava léguas incontáveis o seu alcance dramático. Ao se afastar um tanto deste tema e ao deixá-lo apenas subentendido, este novo X-Men: Dias de um Futuro Esquecido poderia facilmente perder seus alicerces e decepcionar como parte de uma série de produções tão importantes, porém, recheando uma elaborada trama com personagens que a esta altura já são amplamente conhecidos e queridos pelo público, a nova investida de Bryan Singer no Universo X se mostra tão eficiente e memorável quanto os longas que a antecederam, empolgando do início ao fim. Inteligente, divertido, dramaticamente complexo e cativante.


Em um futuro apocalíptico onde os sentinelas (robôs gigantes que se adaptam aos poderes daqueles que possuem o gene X) dizimaram boa parte da população e caçam os mutantes rebeldes remanescentes, o Professor Xavier (Patrick Stweart) e Magneto (Ian McKellen) uniram forças para, através dos poderes de Kitty Pryde (Ellen Page), mandar a consciência de Wolverine (Hugh Jackman) de volta no tempo para o seu eu mais jovem. Uma vez lá, cabe ao carrancudo personagem alertar as versões mais jovens de Charles e Eric (respectivamente James McAvoy e Michael Fassbender) sobre um assassinato cometido por Mística (Jennifer Lawrence) que culminaria na construção das tais máquinas caçadoras de mutantes.


Retomando a parceria com o mais fiel de seus colaboradores, o cineasta Bryan Singer escala aqui pela oitava vez em um filme de sua direção John Ottman simultaneamente como montador e compositor, o que mostra-se novamente uma escolha acertada já que em parte os aplausos para o resultado devem-se a eficiência de sua montagem que não só funciona isoladamente dentro das distintas linhas temporais – notem como a cena de ação inicial é fascinante neste quesito ao trazer os X-Men usando seus poderes em conjunto, um dos pontos nos quais os filmes sempre foram brilhantes - como também ao amarrar as tramas de ambas. Cuidando para que cheguem juntas ao clímax no mesmo ritmo, o trabalho de Ottman não deixa que seja decepcionante ser interrompido durante um dos arcos para acompanhar o outro, pelo contrário, fica até difícil escolher qual dos dois tempos é o mais atraente. O montador é habilidoso ao costurar a intrincada estrutura do roteiro de maneira ágil e gradativamente mais urgente, enquanto também usa da trilha de sua composição para criar uma unidade narrativa.


Elegantemente também se sai Singer, que voltando para a cadeira de diretor na franquia depois de longos onze anos – a última vez fora em X-Men 2 – conduz o projeto com segurança, criando rimas visuais como aquela que traz o velho Magneto andando de costas com a capa esvoaçando, e que se repete algumas cenas depois com sua versão do passado. Com esta mesma proposta o realizador também opta por abrir e fechar o longa-metragem com narrações em off do Professor X, primeiramente na voz daquele interpretado por Patrick Stewart, que demonstra em seu discurso de abertura uma melancólica sabedoria, enquanto no fechamento, na voz então de McAvoy, conseguimos detectar a positividade amadurecida intrínseca ao jovem Charles Xavier. Os dois atores, aliás, complementam a figura do mentor da saga com talento; mesmo que diferentes em suas composições, jamais duvidamos que se tratam da mesma pessoa, e o eventual encontro entre os dois é um momento tocante justamente por deixar claro suas diferenças e semelhanças. Enquanto isso, McKellen surge genial justamente ao proferir pouquíssimas palavras e impregnar Magneto com a tristeza de constatar seus piores medos concretizados, afinal, o mutante nunca foi de fato um vilão, apesar de frio e calculista, e coerentemente, não é com orgulho e jubilo que encara suas palavras tantas vezes profetizadas a respeito dos humanos se tornarem uma desoladora realidade. Com isso, alguns podem até sentir falta de sua presença de espírito na trama, mas não podem dizer que não é condizente com o personagem, que em contrapartida, é muito bem compensado em peso com a versão interpretada por Fassbender, cujo tom seco e quase sempre desprovido de carisma na voz torna sua lógica puramente pragmática ainda mais insensível e próxima ao cruel – o que ele não chega a ser.


Já Lawrence endurece a postura de Raven fazendo dela uma figura perfeita de transição entre aquela habilidosa e dissimulada Mística vista na trilogia original e a outra mais inocente e rebelde encontrada em Primeira Classe. E sua relação com Xavier, antes questionada sobre as discrepâncias entre passado e futuro, aqui é bastante explorada para moldar-se àquilo que veríamos. Com uma participação relevante, Peter Dinklage vive com facilidade um personagem surpreendentemente humano para o potencial vilanesco que possuía - e é ótimo ver o ator em um papel que ignora sua estatura. Jackman tem menos destaque do que tinha anteriormente, ainda que seja inquestionavelmente o fio condutor do roteiro, mas volta a encarnar Logan com vivacidade e irreverência, adicionando uma importante sensibilidade diante da inversão de papeis que sofre ao ter de ele convencer Charles de uma causa. E Singer não esquece de estar lidando com um filme repleto de personagens – todos interessantíssimos – e dá a devida atenção a cada um deles, e mesmo que Mercúrio (Evan Peters) surja apenas durante uma parte do projeto, sua presença é sentida pelo resto da duração, além de ser responsável por uma das melhores sequências da franquia – Ah sim, fãs das HQ’s gostarão de notar a referência rápida que o personagem faz sobre sua paternidade. Aliás, o uso dos poderes dos mutantes é retratado pelo diretor sempre de forma inteligente e inventiva, que, tal qual sua direção, foge da abordagem genérica, apresentando usos inéditos para os poderes do Professor X, fragmentos de filmagens em Super 8 de um incidente público, câmeras lentas que justificam seu uso, além de reconhecer que lida com personagens icônicos ao divertir-se misturando a música de abertura da marca da Fox com aquela que serve de tema para os filmes, ao passo em que apresenta respeitosamente cada um dos X-Men “clássicos”, como Tempestade (Halle Berry) e o Homem de Gelo (Shawn Ashmore).


Sempre calcando sua história em contextos políticos ou históricos para trazer verossimilhança para a mesma, o longa também representa um verdadeiro reboot para a saga, e de maneira convincente e elegante amarra praticamente todas as pontas soltas entre as duas linhas temporais - as que ficam não chegam a incomodar - enquanto ainda deixa um terreno mais do que fértil para novas incursões em ambas as ambientações. Assim Dias de um Futuro Esquecido acaba conseguindo a proeza de respeitar as antigas e abrir espaço para novas aventuras envolvendo o grupo de mutantes, tanto no passado como no presente. E note que trata-se do quinto filme de uma série. Se futuras produções dos X-Men mantiverem a qualidade estabelecida pelas cinco já lançadas, que venham mais cinco então.

Atenção para a cena depois dos créditos finais.



NOTA: 10/10 


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