Os jogos tenho certeza, estão lá em algum
lugar do filme. Já se são vorazes mesmo, a câmera epiléptica pela qual somos
obrigados a assistir o longa simplesmente não me deixou ver.
Doze distritos e uma capital. Por punição a antigas traições destes
distritos, o governo da capital obriga cada um deles a enviar anualmente dois
jovens, um garoto e uma garota, para disputar um Reality Show onde os vinte e quatro participantes
tem o objetivo básico de se matarem. O vencedor é aquele que no fim,
sobreviver. É neste contexto distópico que conhecemos Katniss (Jennifer
Lawrence), que se oferece como tributo para os tais "jogos vorazes"
no lugar da irmã mais nova. Junto com ela, é enviado Peeta (Josh Hutcherson),
um jovem sem confiança que vai unir forças com Katniss para que juntos tentem
sobreviver aos terríveis jogos... Mas as regras são claras, só há um vencedor.
"Ta bom, tem alguém brigando com alguém ali... Mas quem ta ganhando?
Aquilo é um braço ou uma perna? Ah espera ai, aquilo é sangue mesmo? Alguém se
feriu? Quem!?" É isso que ficava passando na cabeça deste que vos escreve
durante as muitas lutas que ocorrem durante a projeção. O diretor Gary Ross e o
diretor de fotografia Tom Stern optam desde os primeiros segundos por uma
câmera de mão inquieta (e estou sendo bonzinho), que se a princípio serve para
inquietar o espectador sobre uma realidade absurda em que vivem os personagens,
mais tarde torna-se inconveniente e passa a ser apenas uma ferramenta
para esconder a violência gráfica na tela. O motivo todos sabem não é? A
classificação indicativa claro! Tendo o roteiro adaptado do sucesso de vendas
escrito por Suzanne Collins, o filme deveria obviamente se adequar a uma
classificação favorável a bilheteria. Mas convenhamos não é Sr. Ross, há outras
maneiras de fazer esta abordagem, eu teria sugerido que assistisse Batman
- O cavaleiro das trevas, um
blockbuster que possuí
assassinatos a sangue frio, tortura e muita violência, tudo isso com muito peso
em tela e sem nunca mostrar uma gota de sangue.
Assim, me decepciona ver o normalmente eficiente Tom Stern, conhecido por
ser um colaborador comum nos filmes de Clint Eastwood, se entregar a uma
iluminação aborrecida que investe em uma palheta cinza e... Não não, é só
isso, ele investe só na palheta cinza nublado quase que o filme todo sem
propósito ou inspiração aparentes. E se a fotografia pouco ajuda, a montagem
quase arruína o projeto! Feita por três pares de mãos (Biiiip algo errado
aqui!) o filme acaba picotado, em certos momentos irritante e sem fluidez
nenhuma. Por exemplo, notem a quantidade absurda de cortes feitos durante uma
única frase da personagem de Elizabeth Banks ao inicio da projeção. Isso somado
ao movimento constante da câmera e seus close fechadíssimos causam não uma sensação
de inquietação como tenho certeza era o objetivo dos realizadores nesta
sequência específica, mas sim uma total repudia e desconforto ao que
está em tela, fazendo o espectador voltar para sua realidade na sala de cinema,
o que, diga-se de passagem, é sempre ruim.
Mas, Jogos Vorazes não é feito só de coisas ruins
(desesperem-se fãs de Crepúsculo).
Se tecnicamente o filme erra em quase todos seus aspectos, vide a trilha
imemorável do normalmente bom James Newton Howard e os efeitos que não são
minimamente convincentes (principalmente as chamas que surgem em tela... São um
horror), ao menos se pode encontrar a força do longa em seus personagens e seus
intérpretes. Novamente entregando uma performance digna da garota indicada ao
Oscar de melhor atriz, Jennifer Lawrence dá a Katniss o ar bruto e antissocial
que a personagem pedia, mas sem nunca omitir a fragilidade emocional da garota,
inclusive há um momento em que esta sofre uma perda e a performance da atriz beira
o over. Enquanto
isso Josh Hutcherson entrega um Peeta cabisbaixo que se não faz muito mais
do que isso na trama ao menos ganha carisma ao criar uma ótima química com
Lawrence, sendo a relação entre os dois um dos pontos positivos do longa (ainda
que este relacionamento ganhe um desfecho duvidoso). Já entre os coadjuvantes
não há como não destacar o sempre notável Stanley Tucci, que desta vez
entrega-se ao caricato e espalhafatoso Caesar Flickerman, uma espécie de Pedro
Bial dos jogos vorazes (que comparação doída!). Já Elizabeth Banks passa
despercebida mesmo estando sempre vestida e maquiada de forma a se fazer notar
em tela (ou talvez isso seja o que a fez desaparecer no filme...), Lenny Kravitz
faz Lenny Kravi... Opa! Ele interpreta Cinna, o "estilista" dos
competidores protagonistas. Mas de longe a figura mais interessante entre estes
é a de Woody Harrelson e seu depressivo Haymitch, o treinador tragicômico que
aos poucos ganha o carinho do público ao percebermos que diferente das outras
figuras vistas em tela, ele parece realmente ser afetado pelas perdas brutais
geradas pelos jogos do título.
Mas mesmo com um conceito interessante e personagens carismáticos, há
algumas coisas que me intrigam no roteiro de Billy Ray. De onde veio o tal broche de
tordo que virou símbolo da campanha de marketing do filme? Por que ele é tão
importante para a nossa protagonista? Quais as regras dos jogos vorazes? Porque
diabos Katniss sobe naquela árvore sabendo que ia ficar encurralada por um
grupo de sanguinários competidores? E se o objetivo do jogo é matar todos os
seus oponentes por que havia um grupo a princípio de conversa? Que tipo de
acordo é esse feito entre os membros deste grupo? Se nesse grupo havia um
arqueiro, uma atiradora de facas (que acerta um lagarto no escuro em certo
momento) e ainda por cima eles possuíam fogo, por que preferiram
ficar esperando Katniss desistir em vez de continuar tentando atirar flechas
nela? Ou facas, ou mesmo por que não colocaram fogo na maldita árvore? E a
competidora ruiva que se mostra esquiva durante todo o filme, por que ela ganha toda esta atenção? Era só pra explicar o efeitos das amoras venenosas? Por
que ninguém me explica nada? Eu devo ler o livro pra entender, é isso? Essa são
algumas das principais perguntas que me fiz a respeito do roteiro que parece
depender totalmente de sua obra original, mas a pergunta que mais me incomodou
surgiu no clímax do longa. Afinal eles estão em um Reality Show, certo? As mentes
por trás do programa fazem de tudo para ganhar audiência e a aprovação do
público, certo? Eles ateiam fogo na floresta, provocam brigas e mortes
violentas e até promovem encontros entre os competidores para facilitar suas
aniquilações, certo? Então eu não entendi uma coisa. Se eles podiam criar para
atacar os competidores, cães holográficos do mal, por que não criar
Tiranossauros holográficos do mal? Ou Quimeras holográficas do mal? Não
chamaria mais a atenção do público que assiste ao programa ou a nossa própria
atenção como espectadores?
Enfim, entre erros, carismas e muitas dúvidas o filme acaba com um saldo
positivo, pois consegue fazer aquilo que o próprio Reality Show sobre o qual fala se propõe a fazer.
Entreter seu público. Como nota de rodapé deixo minha observação sobre as
espertas intervenções do apresentador Caesar para explicar para a
"audiência" (leia-se, nós), certas características do jogo em
andamento. Terminando com um ar no mínimo curioso sobre o futuro dos
personagens, Jogos Vorazes consegue deixar eficientemente uma vontade de saber
a continuidade dos eventos que devem se seguir em uma inevitável sequência.
NOTA: 6/10
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