quinta-feira, 5 de abril de 2012

JOGOS VORAZES


  
   Os jogos tenho certeza, estão lá em algum lugar do filme. Já se são vorazes mesmo, a câmera epiléptica pela qual somos obrigados a assistir o longa simplesmente não me deixou ver.

     Doze distritos e uma capital. Por punição a antigas traições destes distritos, o governo da capital obriga cada um deles a enviar anualmente dois jovens, um garoto e uma garota, para disputar um Reality Show onde os vinte e quatro participantes tem o objetivo básico de se matarem. O vencedor é aquele que no fim, sobreviver. É neste contexto distópico que conhecemos Katniss (Jennifer Lawrence), que se oferece como tributo para os tais "jogos vorazes" no lugar da irmã mais nova. Junto com ela, é enviado Peeta (Josh Hutcherson), um jovem sem confiança que vai unir forças com Katniss para que juntos tentem sobreviver aos terríveis jogos... Mas as regras são claras, só há um vencedor.
     "Ta bom, tem alguém brigando com alguém ali... Mas quem ta ganhando? Aquilo é um braço ou uma perna? Ah espera ai, aquilo é sangue mesmo? Alguém se feriu? Quem!?" É isso que ficava passando na cabeça deste que vos escreve durante as muitas lutas que ocorrem durante a projeção. O diretor Gary Ross e o diretor de fotografia Tom Stern optam desde os primeiros segundos por uma câmera de mão inquieta (e estou sendo bonzinho), que se a princípio serve para inquietar o espectador sobre uma realidade absurda em que vivem os personagens, mais tarde torna-se inconveniente e passa a ser apenas uma ferramenta para esconder a violência gráfica na tela. O motivo todos sabem não é? A classificação indicativa claro! Tendo o roteiro adaptado do sucesso de vendas escrito por Suzanne Collins, o filme deveria obviamente se adequar a uma classificação favorável a bilheteria. Mas convenhamos não é Sr. Ross, há outras maneiras de fazer esta abordagem, eu teria sugerido que assistisse Batman - O cavaleiro das trevas, um blockbuster que possuí assassinatos a sangue frio, tortura e muita violência, tudo isso com muito peso em tela e sem nunca mostrar uma gota de sangue.

     Assim, me decepciona ver o normalmente eficiente Tom Stern, conhecido por ser um colaborador comum nos filmes de Clint Eastwood, se entregar a uma iluminação aborrecida que investe em uma palheta cinza e... Não não, é só isso, ele investe só na palheta cinza nublado quase que o filme todo sem propósito ou inspiração aparentes. E se a fotografia pouco ajuda, a montagem quase arruína o projeto! Feita por três pares de mãos (Biiiip algo errado aqui!) o filme acaba picotado, em certos momentos irritante e sem fluidez nenhuma. Por exemplo, notem a quantidade absurda de cortes feitos durante uma única frase da personagem de Elizabeth Banks ao inicio da projeção. Isso somado ao movimento constante da câmera e seus close fechadíssimos causam não uma sensação de inquietação como tenho certeza era o objetivo dos realizadores nesta sequência específica, mas sim uma total repudia e desconforto ao que está em tela, fazendo o espectador voltar para sua realidade na sala de cinema, o que, diga-se de passagem, é sempre ruim.

     Mas, Jogos Vorazes não é feito só de coisas ruins (desesperem-se fãs de Crepúsculo). Se tecnicamente o filme erra em quase todos seus aspectos, vide a trilha imemorável do normalmente bom James Newton Howard e os efeitos que não são minimamente convincentes (principalmente as chamas que surgem em tela... São um horror), ao menos se pode encontrar a força do longa em seus personagens e seus intérpretes. Novamente entregando uma performance digna da garota indicada ao Oscar de melhor atriz, Jennifer Lawrence dá a Katniss o ar bruto e antissocial que a personagem pedia, mas sem nunca omitir a fragilidade emocional da garota, inclusive há um momento em que esta sofre uma perda e a performance da atriz beira o over. Enquanto isso Josh Hutcherson entrega um Peeta cabisbaixo que se não faz muito mais do que isso na trama ao menos ganha carisma ao criar uma ótima química com Lawrence, sendo a relação entre os dois um dos pontos positivos do longa (ainda que este relacionamento ganhe um desfecho duvidoso). Já entre os coadjuvantes não há como não destacar o sempre notável Stanley Tucci, que desta vez entrega-se ao caricato e espalhafatoso Caesar Flickerman, uma espécie de Pedro Bial dos jogos vorazes (que comparação doída!). Já Elizabeth Banks passa despercebida mesmo estando sempre vestida e maquiada de forma a se fazer notar em tela (ou talvez isso seja o que a fez desaparecer no filme...), Lenny Kravitz faz Lenny Kravi... Opa! Ele interpreta Cinna, o "estilista" dos competidores protagonistas. Mas de longe a figura mais interessante entre estes é a de Woody Harrelson e seu depressivo Haymitch, o treinador tragicômico que aos poucos ganha o carinho do público ao percebermos que diferente das outras figuras vistas em tela, ele parece realmente ser afetado pelas perdas brutais geradas pelos jogos do título. 

     Mas mesmo com um conceito interessante e personagens carismáticos, há algumas coisas que me intrigam no roteiro de Billy Ray. De onde veio o tal broche de tordo que virou símbolo da campanha de marketing do filme? Por que ele é tão importante para a nossa protagonista? Quais as regras dos jogos vorazes? Porque diabos Katniss sobe naquela árvore sabendo que ia ficar encurralada por um grupo de sanguinários competidores? E se o objetivo do jogo é matar todos os seus oponentes por que havia um grupo a princípio de conversa? Que tipo de acordo é esse feito entre os membros deste grupo? Se nesse grupo havia um arqueiro, uma atiradora de facas (que acerta um lagarto no escuro em certo momento) e ainda por cima eles possuíam fogo, por que preferiram ficar esperando Katniss desistir em vez de continuar tentando atirar flechas nela? Ou facas, ou mesmo por que não colocaram fogo na maldita árvore? E a competidora ruiva que se mostra esquiva durante todo o filme, por que ela ganha toda esta atenção? Era só pra explicar o efeitos das amoras venenosas? Por que ninguém me explica nada? Eu devo ler o livro pra entender, é isso? Essa são algumas das principais perguntas que me fiz a respeito do roteiro que parece depender totalmente de sua obra original, mas a pergunta que mais me incomodou surgiu no clímax do longa. Afinal eles estão em um Reality Show, certo? As mentes por trás do programa fazem de tudo para ganhar audiência e a aprovação do público, certo? Eles ateiam fogo na floresta, provocam brigas e mortes violentas e até promovem encontros entre os competidores para facilitar suas aniquilações, certo? Então eu não entendi uma coisa. Se eles podiam criar para atacar os competidores, cães holográficos do mal, por que não criar Tiranossauros holográficos do mal? Ou Quimeras holográficas do mal? Não chamaria mais a atenção do público que assiste ao programa ou a nossa própria atenção como espectadores? 

     Enfim, entre erros, carismas e muitas dúvidas o filme acaba com um saldo positivo, pois consegue fazer aquilo que o próprio Reality Show sobre o qual fala se propõe a fazer. Entreter seu público. Como nota de rodapé deixo minha observação sobre as espertas intervenções do apresentador Caesar para explicar para a "audiência" (leia-se, nós), certas características do jogo em andamento. Terminando com um ar no mínimo curioso sobre o futuro dos personagens, Jogos Vorazes consegue deixar eficientemente uma vontade de saber a continuidade dos eventos que devem se seguir em uma inevitável sequência.


NOTA: 6/10 





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