Pode-se dizer que (também) é eficiente
aquele diretor que consegue passar ao espectador os sentimentos de seus
personagens, ou conduzir suas emoções através da narrativa. No caso dos filmes
de Wes Anderson, a galeria de figuras que os povoam pode e é frequentemente descrita
como excêntrica, estranha e teatral. Algo que o cineasta, através de sua
singular linguagem, sempre foi habilidoso em transmitir. E diferentemente do
que se poderia acusá-lo, ao investir constantemente nesta mesma abordagem
visual recorrente em sua filmografia, Anderson denuncia não uma limitação de apuro
técnico, mas na verdade, um conhecimento minucioso da linguagem audiovisual. Ao
contrário de um realizador medíocre como Tom Hooper, por exemplo, que usa de
lentes grande-angulares sem aparente propósito, aqui, o diretor as emprega
ocasionalmente para causar o que afinal lentes grande-angulares causam;
estranheza e distorção. Pois em O Grande
Hotel Budapeste, Wes volta a lidar com um universo farsesco e distorcido,
que deliciosamente divertido, supera a barreira do estranhamento e melancolia e
se mostra curiosamente aconchegante para o espectador.
Muito destoa ao ser humano a
perfeição matemática. O conceito de perfeição em si, embora habitualmente
almejado, não é algo com que parecemos estar aptos a conviver. Diversas obras
que lidam em maior ou menor grau com o assunto sempre retratam a conquista da
perfeição por um ou mais indivíduos de forma grotesca ou trágica. Basta
analisar filmes e livros como Cisne Negro,
Breaking Bad e Admirável Mundo Novo, para entender que a ideia de equilíbrio e
proporção ideal não é natural a nossa espécie. Pois bem, aqui Anderson volta a
trazer então enquadramentos, travellings para frente, para trás, para cima e
baixo, para um lado e outro, pans horizontais e verticais; tudo guiado pela
angulação única de 90°. Além de manter quase sempre uma rígida centralização na
composição de seus quadros. O resultado é óbvio, a simetria impera, e logo,
aquele estranhamento de que falava. Porém, os personagens que habitam o
universo de tons pasteis do cineasta parecem tão deslocados e inverossímeis
quanto a sua linguagem sugere, e ao invés de antipatizar com os mesmos, o
espectador acaba por compreender que, para eles, estar perfeitamente
posicionado dentro de um cômodo em relação as outras pessoas é apenas, enfim,
normal.
Começando por um depoimento do
homem nominado apenas como o Autor (Tom Wilkinson e Jude Law, respectivamente
como suas versões mais velha e mais jovem), logo somos levados a conhecer certa
ocasião em que esse hospedou-se no tal Hotel Budapeste, sobre o qual ele chega
a afirmar: “acredito que os mais cultos de vocês deverão conhecê-lo”. Lá, o
Autor (já na pele de Law) interessa-se pelos eventos que levaram um tal Mr.
Moustafa (F. Murray Abraham) a tornar-se dono do local. E só então que
realmente embarcamos na trama de Zero (Tony Revolori) e Gustave (Ralph Fiennes),
cuja relação primeiramente profissional, torna-se com o desenrolar do filme,
uma amizade calorosa. Pois acontece desse último, renomado Primeiro Concierge
do estabelecimento que tem o hábito de relacionar-se com as idosas ricas que
frequentam o Hotel, ser acusado de assassinar uma dessas senhoras, a Madame D.
- Tilda Swinton, quase irreconhecível sob a maquiagem. Piora o caso quando o
advogado da família (Jeff Goldblum) anuncia que em testamento, a ricaça deixou
para o funcionário uma valiosíssima pintura, o que gera a ira de seus
herdeiros, entre eles, os sinistros Dmitri (Andrien Brody) e Jopling (Willem
Dafoe).
Os nomes, entretanto, não param
por estes citados acima. Além de retomar mesmo que rapidamente antigas
parcerias de outros projetos, como Bill Murray, Owen Wilson, Bob Balaban,
Harvey Keitel, Edward Norton e Jason Schartzman, Anderson traz outros rostos
conhecidos como o de Saoirse Ronan e Léa Seydoux, o que ajuda bastante na
tarefa de ambientar e dragar o público para aquele mundinho que possuí
inclusive, uma espécie de sociedade secreta de Concierges (!). O que é apenas
um dos elementos fascinantes do roteiro de autoria do próprio cineasta, por sua
vez inspirado no livro de Stefan Zweig. De diálogos como “Não disse que ele era
um pederasta?” “era bissexual”, até a maneira lírica como Law narra os fatos de
seu ponto de vista de escritor, o texto ajuda a manter um ritmo que, auxiliado
pelas recorrentes gags visuais e pela ótima trilha de Alexandre Desplat, composta
basicamente de marchas em crescente, é magnético e constante.
Ainda empregando diferentes
razões de aspecto, como a de 1.85:1 – que para quem não conhece, é um formato
de imagem widescreen não tão longo como o 2.35:1, também usado aqui, e que
portanto costuma preencher quase todo o espaço das telas convencionais de
cinema, sem deixar aquelas faixas pretas acima e abaixo – Wes Anderson mantém na
maior parte do tempo, claro, a velha e antiquada 1.33:1, que praticamente
quadrada, ajuda naquela noção de simetria e centralização. Que afinal, seria
parte de um esforço linguístico absurdo caso não contasse com a entrega dos
intérpretes às excentricidades das pessoas que vivem aqui. E Ralph Fiennes de
longe é o destaque da produção neste quesito, revelando um Gustave cuja educação
e modos polidos ao extremo contrastam com palavras vulgares e de baixo calão
que ocasionalmente deixa escapar; o que de forma sutil, Anderson nos mostra ao
deixar que conheçamos seus aposentos, velhos e encardidos, ao contrário dos
rosas, amarelos, vermelhos e dourados que compõe a cenografia do resto do Budapeste,
que sob esta visão, é quase como um enorme bolo de glacê. Não à toa, a primeira
visão que temos do local é representada divertidamente por uma maquete. Entre
tantos a citar, Goldblum e Dafoe arrancam algumas gargalhadas, se não sozinhos,
então quando dividem duas sequências bem humoradas; o primeiro, medroso dentro
de sua atitude legalmente correta, e o outro, forçando o prognatismo,
amedrontador. Não que todo o resto não esteja de parabéns, e gosto
particularmente de Keitel como o criminoso Ludwig.
E que Anderson traga no futuro
mais projetos como esse, O Fantástico
Senhor Raposo e Os Excêntricos Tenenbaums.
Obras cuja linguagem reflete o universo habitado por seus personagens que por
sua vez são frutos do mesmo. Dramas cômicos gostosos de se emergir, que talvez
não façam a barriga doer de tanto rir ou os olhos lacrimejarem, mas dos quais é
impossível não sair com um sorriso no rosto e uma boa lembrança. Se for o caso,
ficarei feliz em continuar me hospedando em suas ideias.
NOTA: 10/10
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