quinta-feira, 3 de julho de 2014

O GRANDE HOTEL BUDAPESTE


Pode-se dizer que (também) é eficiente aquele diretor que consegue passar ao espectador os sentimentos de seus personagens, ou conduzir suas emoções através da narrativa. No caso dos filmes de Wes Anderson, a galeria de figuras que os povoam pode e é frequentemente descrita como excêntrica, estranha e teatral. Algo que o cineasta, através de sua singular linguagem, sempre foi habilidoso em transmitir. E diferentemente do que se poderia acusá-lo, ao investir constantemente nesta mesma abordagem visual recorrente em sua filmografia, Anderson denuncia não uma limitação de apuro técnico, mas na verdade, um conhecimento minucioso da linguagem audiovisual. Ao contrário de um realizador medíocre como Tom Hooper, por exemplo, que usa de lentes grande-angulares sem aparente propósito, aqui, o diretor as emprega ocasionalmente para causar o que afinal lentes grande-angulares causam; estranheza e distorção. Pois em O Grande Hotel Budapeste, Wes volta a lidar com um universo farsesco e distorcido, que deliciosamente divertido, supera a barreira do estranhamento e melancolia e se mostra curiosamente aconchegante para o espectador.
 

Muito destoa ao ser humano a perfeição matemática. O conceito de perfeição em si, embora habitualmente almejado, não é algo com que parecemos estar aptos a conviver. Diversas obras que lidam em maior ou menor grau com o assunto sempre retratam a conquista da perfeição por um ou mais indivíduos de forma grotesca ou trágica. Basta analisar filmes e livros como Cisne Negro, Breaking Bad e Admirável Mundo Novo, para entender que a ideia de equilíbrio e proporção ideal não é natural a nossa espécie. Pois bem, aqui Anderson volta a trazer então enquadramentos, travellings para frente, para trás, para cima e baixo, para um lado e outro, pans horizontais e verticais; tudo guiado pela angulação única de 90°. Além de manter quase sempre uma rígida centralização na composição de seus quadros. O resultado é óbvio, a simetria impera, e logo, aquele estranhamento de que falava. Porém, os personagens que habitam o universo de tons pasteis do cineasta parecem tão deslocados e inverossímeis quanto a sua linguagem sugere, e ao invés de antipatizar com os mesmos, o espectador acaba por compreender que, para eles, estar perfeitamente posicionado dentro de um cômodo em relação as outras pessoas é apenas, enfim, normal.


Começando por um depoimento do homem nominado apenas como o Autor (Tom Wilkinson e Jude Law, respectivamente como suas versões mais velha e mais jovem), logo somos levados a conhecer certa ocasião em que esse hospedou-se no tal Hotel Budapeste, sobre o qual ele chega a afirmar: “acredito que os mais cultos de vocês deverão conhecê-lo”. Lá, o Autor (já na pele de Law) interessa-se pelos eventos que levaram um tal Mr. Moustafa (F. Murray Abraham) a tornar-se dono do local. E só então que realmente embarcamos na trama de Zero (Tony Revolori) e Gustave (Ralph Fiennes), cuja relação primeiramente profissional, torna-se com o desenrolar do filme, uma amizade calorosa. Pois acontece desse último, renomado Primeiro Concierge do estabelecimento que tem o hábito de relacionar-se com as idosas ricas que frequentam o Hotel, ser acusado de assassinar uma dessas senhoras, a Madame D. - Tilda Swinton, quase irreconhecível sob a maquiagem. Piora o caso quando o advogado da família (Jeff Goldblum) anuncia que em testamento, a ricaça deixou para o funcionário uma valiosíssima pintura, o que gera a ira de seus herdeiros, entre eles, os sinistros Dmitri (Andrien Brody) e Jopling (Willem Dafoe).



Os nomes, entretanto, não param por estes citados acima. Além de retomar mesmo que rapidamente antigas parcerias de outros projetos, como Bill Murray, Owen Wilson, Bob Balaban, Harvey Keitel, Edward Norton e Jason Schartzman, Anderson traz outros rostos conhecidos como o de Saoirse Ronan e Léa Seydoux, o que ajuda bastante na tarefa de ambientar e dragar o público para aquele mundinho que possuí inclusive, uma espécie de sociedade secreta de Concierges (!). O que é apenas um dos elementos fascinantes do roteiro de autoria do próprio cineasta, por sua vez inspirado no livro de Stefan Zweig. De diálogos como “Não disse que ele era um pederasta?” “era bissexual”, até a maneira lírica como Law narra os fatos de seu ponto de vista de escritor, o texto ajuda a manter um ritmo que, auxiliado pelas recorrentes gags visuais e pela ótima trilha de Alexandre Desplat, composta basicamente de marchas em crescente, é magnético e constante.


Ainda empregando diferentes razões de aspecto, como a de 1.85:1 – que para quem não conhece, é um formato de imagem widescreen não tão longo como o 2.35:1, também usado aqui, e que portanto costuma preencher quase todo o espaço das telas convencionais de cinema, sem deixar aquelas faixas pretas acima e abaixo – Wes Anderson mantém na maior parte do tempo, claro, a velha e antiquada 1.33:1, que praticamente quadrada, ajuda naquela noção de simetria e centralização. Que afinal, seria parte de um esforço linguístico absurdo caso não contasse com a entrega dos intérpretes às excentricidades das pessoas que vivem aqui. E Ralph Fiennes de longe é o destaque da produção neste quesito, revelando um Gustave cuja educação e modos polidos ao extremo contrastam com palavras vulgares e de baixo calão que ocasionalmente deixa escapar; o que de forma sutil, Anderson nos mostra ao deixar que conheçamos seus aposentos, velhos e encardidos, ao contrário dos rosas, amarelos, vermelhos e dourados que compõe a cenografia do resto do Budapeste, que sob esta visão, é quase como um enorme bolo de glacê. Não à toa, a primeira visão que temos do local é representada divertidamente por uma maquete. Entre tantos a citar, Goldblum e Dafoe arrancam algumas gargalhadas, se não sozinhos, então quando dividem duas sequências bem humoradas; o primeiro, medroso dentro de sua atitude legalmente correta, e o outro, forçando o prognatismo, amedrontador. Não que todo o resto não esteja de parabéns, e gosto particularmente de Keitel como o criminoso Ludwig.


E que Anderson traga no futuro mais projetos como esse, O Fantástico Senhor Raposo e Os Excêntricos Tenenbaums. Obras cuja linguagem reflete o universo habitado por seus personagens que por sua vez são frutos do mesmo. Dramas cômicos gostosos de se emergir, que talvez não façam a barriga doer de tanto rir ou os olhos lacrimejarem, mas dos quais é impossível não sair com um sorriso no rosto e uma boa lembrança. Se for o caso, ficarei feliz em continuar me hospedando em suas ideias.


NOTA: 10/10 




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