Dono de uma filmografia eclética, Robert Zemeckis talvez não
seja um nome que as pessoas lembrem de imediato. Porém, puxe um assunto sobre a
trilogia De Volta Para o Futuro,
comente sobre as formas sensuais de Jessica Rabbit em Uma Cilada Para Roger Rabbit, grite “Corra, Forrest, Corra!” como
Jane faz em Forrest Gump, ou mesmo
nomeie uma bola ou um amigo imaginário de Wilson, homenageando Náufrago, e vai perceber o quanto os
filmes do cineasta estão enraizados na cultura popular.
O que me leva a este A
Travessia, no qual o realizador se aventura pela primeira vez na linguagem
do 3D em um live action. E é importante ressaltar outra vez que, sim, o uso da
terceira dimensão implica em toda uma nova abordagem estética que deve ser
respeitada para não ser apenas um acréscimo no valor do ingresso. Dito isso,
Zemeckis nunca temeu se aventurar em novas técnicas, já tendo três de seus
filmes reconhecidos com o Oscar de Melhor Efeitos Visuais justamente por isso,
além de ter investido parte significante da sua carreira na experimentação da
técnica do motion capture, em O Expresso Polar, A Lenda de Beowulf e Os
Fantasmas de Scrooge . Aqui o cineasta, apesar de alguns exibicionismos,
entende que a tecnologia exige enquadramentos abertos, estabilizados, em planos
de grande profundidade de campo, bem iluminados, e que de preferência durem
mais do que meros segundos em tela, dando tempo ao olho de registrar e absorver
a tridimensionalidade.
Nesse quesito, a parte acertada do projeto reside no fato de
que o 3D realmente se faz necessário – e se normalmente eu diria que assistir
ao filme em 2D não faria tanta diferença,
aqui é altamente recomendável que se escolha a opção que vem com os
óculos – já que Zemeckis constrói, se não todo, ao menos o terceiro ato do
projeto inteiro em torno da linguagem em três dimensões. Caso você não saiba, o
filme conta a história real de Philippe Petit, um equilibrista francês que estendeu
um cabo de aço entre as duas Torres Gêmeas em Nova York, de forma clandestina,
e o atravessou na manhã do dia 7 de agosto de 1974, sem cabo de segurança. E
não reclame de spoilers! Isso foi há mais de 40 anos, e a coisa toda já rendeu um livro e
um documentário premiado com um Oscar! O
Equilibrista, de 2008.
Portanto, acalme-se, Zemeckis sabe da repercussão da
história e que por isso não poderia criar tensão em cima do desfecho do ato.
Para tanto ele procura, ao invés disso, nos colocar em cima daquele cabo de aço
junto com Philippe (Joseph Gordon-Levitt), usando sempre de enquadramentos
inclinados ou que se colocam na beira das torres, o que, com o auxílio do já
citado bom uso do 3D, cria uma inevitável vertigem. Então não, conhecer o que
aconteceu naquele dia entre os dois prédios do World Trade Center de nada
adianta para que o espectador possa evitar a tensão vertiginosa provocada pela
direção segura do longa-metragem.
A mesma que, aliás, merece alguns aplausos também por
conseguir evitar uma abordagem burocrática dos dois primeiros atos, que
poderiam ser facilmente entediantes quando percebemos que contam apenas o
passado e o planejamento do feito em si. Investindo em uma narração que traz
Levitt no topo da Estátua da Liberdade basicamente relatando o que estamos
vendo, a intervenção acaba se justificando pelo ritmo que ajuda a impregnar na
narrativa , além de fornecer sempre o ponto de vista ora reflexivo, ora
imprudente e impulsivo de Petit – sem contar que faz um link interessante,
apesar de óbvio, entre os dois franceses que marcaram Nova York, ele e a
estátua. Fora isso, admito que acho bonitinho a roupagem preto e branco com que
é revestida uma cena no primeiro ato, e admiro as transições visualmente
criativas com que o diretor permeia toda a duração do filme, sendo aquela da
flecha a de que mais gosto.
Não fosse só isso, Levitt cria um protagonista carismático,
o que é importante para que torçamos por ele, e se arrisca no sotaque que, no
final das contas, por mais caricato que possa soar, acaba ajudando a construir
para ele uma figura que é muito mais representativa do que realista. Algo que
de certa maneira ajuda a transmitir a ideia mítica que Philippe atribuiu aos
dois prédios, cujo trágico e doloroso destino jamais é ignorado pela produção,
que não se cansa de tratá-los com reverência e respeito, escolhendo justamente
um plano das torres, sob um sol dourado, para encerrar-se. Desde já uma decisão
acertada, já que, se em outros casos, cineastas menos articulados não hesitariam
em terminar o seu filme sobre o caso com um tom sombrio, como se antecipassem o
ataque terrorista dali 27 anos, Zemeckis abandona qualquer pretensão para
deixar um bom sentimento flutuando em tela ao final do seu filme. O que
funciona, e merece reconhecimento.
NOTA: 9/10
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