sexta-feira, 21 de outubro de 2016

O CONTADOR


O Contador é um filme repleto de boas ideias, mas que jamais consegue fazê-las funcionar como um todo. O longa navega com dificuldade entre um momento e outro, já que o roteiro parece encantado demais com a sua própria criação para perceber os tropeços óbvios que ela acarreta. Além disso, a direção e a montagem quase nunca conseguem estabelecer um tom à narrativa, tornando-a muitas vezes monocórdica. Portanto, é surpreendente que a sensação quando sobem os créditos seja de que, apesar de tudo, assistimos a um bom filme.



Christian Wolf (Ben Affleck) é um excelente contador que, durante toda sua vida, lidou com o autismo – e com o próprio pai, que fazia com que ele lidasse com sua condição através de treinamentos de combate. Famoso no submundo por trabalhar para grandes organizações e criminosos internacionais, ele acaba sendo chamado para averiguar alguns desaparecimentos nos números de uma importante empresa de tecnologia. Durante o serviço conhece uma jovem colega de profissão, Dana (Anna Kendrick), por quem passa a se interessar e, mais tarde, a proteger quando os dois se veem perseguidos por assassinos querendo acobertar o que os dois descobriram.

Desde o início, o perfil regrado e sistemático do protagonista é muito bem estabelecido através de planos que o posicionam dentro de molduras, ou que mostram a disposição de seus objetos em casa e da própria comida no prato. O cineasta Gavin O’Connor decepciona, porém, ao mais tarde abandonar essas táticas. A partir de certo ponto, O Contador adota uma típica narrativa de ação que investe no lado matador do nosso “herói”, e o problema reside no fato de esses dois momentos não conseguirem coexistir – aliás, por mais que funcione em momentos isolados, a condução parece desfocada na maior parte do tempo. E em parte isso não é tanto culpa do diretor, já que o roteirista, Bill Dubuque (do péssimo O Juiz), tampouco consegue se manter coeso. No texto, por exemplo, enfia explicações para preencher lacunas que poderiam muito bem terem sido imaginadas pelo espectador. Uma delas (a mais desnecessária de todas), aliás, é dada pelo personagem de J.K. Simmons, vivendo ao lado de Cynthia Addai-Robinson, um dos dois agentes do Tesouro Nacional envolvidos em uma subtrama completamente dispensável à produção.

Também irregular do ponto de vista estrutural, o longa usa sua montagem para inserir de forma capenga flashbacks que, embora interessantes, nunca encontram um espaço apropriado para interromperem o fluxo da trama. Assim coloca muito esforço em momentos em que a carpintaria narrativa poderia ter sido mais podada – e ao revelar a identidade de duas figuras “misteriosas” que, por eliminação, já sabemos facilmente quem são, o filme torna-se especialmente aborrecido.



O projeto então só é salvo por eventuais boas sequências que surgem ilhadas no projeto, e se elas carregam o espectador até o fim, em boa parte é devido a Ben Affleck. O ator convence como herói de ação, principalmente devido à postura, e consegue executar relativamente bem a tarefa de viver um homem que é, quase todo o tempo, inexpressivo. Divertido também pelos absurdos em que coloca essa figura improvável, O Contador consegue sobreviver como uma boa experiência, mesmo que tropece o tempo inteiro em suas próprias ambições. Por fim, ainda é triste que o projeto desperdice um bom elenco (que ainda tem John Lithgow e Jon Bernthal) em um filme que parece ter tanto medo de assumir uma identidade que acaba sem possuir nenhuma.


NOTA: 6,5/10


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