O Contador é um filme repleto de boas ideias, mas que jamais
consegue fazê-las funcionar como um todo. O longa navega com dificuldade
entre um momento e outro, já que o roteiro parece encantado demais com a sua
própria criação para perceber os tropeços óbvios que ela acarreta. Além disso,
a direção e a montagem quase nunca conseguem estabelecer um tom à narrativa,
tornando-a muitas vezes monocórdica. Portanto, é surpreendente que a sensação quando
sobem os créditos seja de que, apesar de tudo, assistimos a um bom filme.
Christian Wolf (Ben Affleck) é um
excelente contador que, durante toda sua vida, lidou com o autismo – e com o
próprio pai, que fazia com que ele lidasse com sua condição através de treinamentos
de combate. Famoso no submundo por trabalhar para grandes organizações e
criminosos internacionais, ele acaba sendo chamado para averiguar alguns desaparecimentos nos
números de uma importante empresa de tecnologia. Durante o serviço conhece uma jovem colega de profissão, Dana (Anna Kendrick), por quem passa
a se interessar e, mais tarde, a proteger quando os dois se veem perseguidos
por assassinos querendo acobertar o que os dois descobriram.
Desde o início, o perfil regrado e sistemático
do protagonista é muito bem estabelecido através de planos que o posicionam dentro
de molduras, ou que mostram a disposição de seus objetos em casa e da própria
comida no prato. O cineasta Gavin O’Connor decepciona, porém, ao mais tarde abandonar
essas táticas. A partir de certo ponto, O
Contador adota uma típica narrativa de ação que investe no lado matador do
nosso “herói”, e o problema reside no fato de esses dois momentos não conseguirem coexistir –
aliás, por mais que funcione em momentos isolados, a condução parece desfocada
na maior parte do tempo. E em parte isso não é tanto culpa do diretor, já que o
roteirista, Bill Dubuque (do péssimo O
Juiz), tampouco consegue se manter coeso. No texto, por exemplo, enfia
explicações para preencher lacunas que poderiam muito bem terem sido imaginadas
pelo espectador. Uma delas (a mais desnecessária de todas), aliás, é dada pelo
personagem de J.K. Simmons, vivendo ao lado de Cynthia Addai-Robinson, um dos dois
agentes do Tesouro Nacional envolvidos em uma subtrama completamente dispensável à
produção.
Também irregular do ponto de
vista estrutural, o longa usa sua montagem para inserir de forma capenga
flashbacks que, embora interessantes, nunca encontram um espaço apropriado para
interromperem o fluxo da trama. Assim coloca muito esforço em momentos em que a
carpintaria narrativa poderia ter sido mais podada – e ao revelar a identidade
de duas figuras “misteriosas” que, por eliminação, já sabemos facilmente quem
são, o filme torna-se especialmente aborrecido.
O projeto então só é salvo por
eventuais boas sequências que surgem ilhadas no projeto, e se elas carregam o
espectador até o fim, em boa parte é devido a Ben Affleck. O ator convence como herói de ação, principalmente devido à postura, e consegue executar
relativamente bem a tarefa de viver um homem que é, quase todo o tempo,
inexpressivo. Divertido também pelos absurdos em que coloca essa figura improvável,
O Contador consegue sobreviver como
uma boa experiência, mesmo que tropece o tempo inteiro em suas próprias
ambições. Por fim, ainda é triste que o projeto desperdice um bom elenco (que ainda tem
John Lithgow e Jon Bernthal) em um filme que parece ter tanto medo de assumir
uma identidade que acaba sem possuir nenhuma.
NOTA: 6,5/10
Nenhum comentário:
Postar um comentário