A Chegada é um filme que, apesar de tratar da visita de criaturas de
outras dimensões, fala essencialmente sobre a necessidade urgente de
aprendermos a fazer contato com os seres do nosso lado. É, também, uma
narrativa que ilustra de forma certeira a natureza cíclica de nossas vidas, que
apesar de pautadas pelo tempo, com um começo e um fim, não precisam e nem devem
ser encaradas dessa forma tão linear, pois o ponto final de uma empreitada
quase nunca é o seu objetivo, e mesmo aquelas que sabemos que provavelmente
irão terminar em saudades, melancolia ou luto, são intensas o suficiente para
justificarem sua dolorosa finitude.
De outra forma, o que nos
motivaria a continuar avançando em direção ao fim, se sabemos que ele existe?
Quando conhecemos a Doutora
Louise Banks (Amy Adams), ela está inserida em uma montagem que acompanha sua
relação com a filha da infância até à morte prematura dessa, e agora atravessa o
campus da universidade em que é professora, cabisbaixa e sob uma palheta
cinzenta. Inicialmente distante do frenesi mundial em torno do surgimento de 12
naves espalhadas pelo globo e pairando na atmosfera terrestre, a linguista só
se envolve com o caso quando requisitada pelo Coronel Weber (Forest Whitaker) a
se juntar ao físico Ian Donnelly (Jeremy Renner) para investigar um modo de se
comunicar com os visitantes e descobrir suas intenções.
Aparentemente incapaz de realizar
uma obra menos do que excelente, o cineasta canadense Denis Villeneuve consegue
aqui a proeza de entregar o seu filme tematicamente mais ambicioso, mesmo
depois de ter conduzido em sequência três projetos densos e carregados de
reflexão, Os Suspeitos, O Homem Duplicado e Sicario: Terra de Ninguém, isso sem contar seu longa anterior, o
primoroso Incêndios. Baseado no conto
Story of Your Life, de Ted Chiang, o
roteiro não se limita em apontar a necessidade de interação entre as pessoas, e
investiga como que, para além de fonemas e grafias, a comunicação pode se dar em
diversas dimensões pessoais e, inclusive, fora do tempo e da sua opressiva
linearidade. E quando Louise sente a necessidade de se despir de seus trajes
para se expressar melhor com os extraterrestres, é reconfortante perceber que
isso implica em um simbolismo de Villeneuve sobre como é importante, para
apreendermos novos conhecimentos e, consequentemente, novas empreitadas, que
nos livremos de conceitos engessados que ainda podem desencadear uma guerra por
poderem ser traduzidos pelo receptor de forma errada – e o alarmante potencial
de segregação dos filtros que nos impomos fica bem ilustrado no filme quando
colocamos as noções de Louise e Ian, voltados ao estudo e descobertas, contra
aquelas do governo para o qual trabalham, que temendo esforços imperialistas
(como aqueles que ele mesmo emprega), preferem enxergar os visitantes como
hostis até que se prove o contrário.
E sim, A Chegada é um filme que, em menos de duas horas, consegue abordar
com segurança e profundidade toda essa gama de assuntos, sem jamais hesitar em
investir numa estrutura complexa que traduz, como um todo, o próprio conceito
que aborda centralmente: a linguagem. Assim, o filme, em si, é um exemplo do
potencial de comunicação expressado dentro de sua quase fantasiosa trama de
ficção científica – e tamanha ambição (e sucesso em alcança-la), eleva essa
obra-prima de Villeneuve ao patamar de clássico instantâneo, principalmente por
entender que o cinema, com sua forma de início e fim e uma infinidade de
possibilidades para serem exploradas no meio, se assemelha, acima de tudo, com
os seus criadores: as pessoas.
Entendendo também a complexidade de seu
filme, o diretor é hábil ao criar formas de imergir o espectador na atmosfera
de sua narrativa, e se aqui enfoca detalhe por detalhe o processo de entrada
dos humanos na nave visitante, ali ele cria um plano que impressiona por sua
magnitude (uma massa de nuvens atravessa uma cadeia de montanhas e se estende
como um lençol em torno de um dos gigantescos objetos). E mesmo um recurso tão
batido quanto a bomba relógio, é empregado de forma inteligentemente natural
para criar tensão. Além disso, a trilha de Jóhann Jóhannsson é precisa ao não
estabelecer melodias, e sim sons incomodativos e um coro de vozes feito de articulações sonoras que, assim como a linguagem dos alienígenas, não possuem tradução conhecida, e
assim expressam perfeitamente a situação dos personagens. Em especial de
Louise, que tem toda a atenção do design de som voltada para a sua subjetividade.
Desse modo, por exemplo, quando uma de suas memórias a atormenta, o som não
surge ecoado ou distante, mas nítido e próximo.
O roteirista, Eric Heisserer,
também consegue contribuir para que o espectador sinta a trama sólida o
suficiente para poder abstrair em suas reflexões, e insere através de noticiários
e comentários de conversas paralelas, o desenvolvimento da reação mundial à
chegada de seres de outros mundos. Dessa forma, além de estabelecer com
precisão um cenário micro dessa situação, Heisserer e Villeneuve também constroem
todo um universo plausível que abraça e legitima a trama, e não surpreende que
insiram elementos religiosos, sociais e políticos agindo constantemente no
macro fora do acampamento militar em que os protagonistas se encontram.
E em última análise, compreender
o impacto que nossa comunicação interpessoal (micro) tem nas relações entre nações (e
um dia, entre mundos, quem sabe, mas macro ainda assim), também é uma reflexão levantada por A Chegada, que apesar de elevar a atenção
para o que vem de fora e de muito longe, encontra suas soluções naquilo que temos
de mais interno e pessoal. Pois, independente se vamos andar em círculos e
repetir os mesmos ciclos até encontrarmos a nossa inevitável finitude, nossa
capacidade de extrair da jornada em si experiências, aprendizados e novas formas
de expressão, é um objetivo que sozinho define o arco percorrido, e não
necessariamente precisa ser o seu fim ou seu ponto de partida.
NOTA: 10/10
Um muito bom filme que vale a pena ver!! O gênero de ficção nunca foi um dos meus preferidos, porém devo reconhecer que Filme Arrival foi uma surpresa pra mim, já que apesar dos seus dilemas é uma historia de drama que segue a nova escola, utilizando elementos clássicos. Com protagonistas sólidos e um roteiro diferente.
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