quarta-feira, 23 de novembro de 2016

A CHEGADA


A Chegada é um filme que, apesar de tratar da visita de criaturas de outras dimensões, fala essencialmente sobre a necessidade urgente de aprendermos a fazer contato com os seres do nosso lado. É, também, uma narrativa que ilustra de forma certeira a natureza cíclica de nossas vidas, que apesar de pautadas pelo tempo, com um começo e um fim, não precisam e nem devem ser encaradas dessa forma tão linear, pois o ponto final de uma empreitada quase nunca é o seu objetivo, e mesmo aquelas que sabemos que provavelmente irão terminar em saudades, melancolia ou luto, são intensas o suficiente para justificarem sua dolorosa finitude.


De outra forma, o que nos motivaria a continuar avançando em direção ao fim, se sabemos que ele existe?

Quando conhecemos a Doutora Louise Banks (Amy Adams), ela está inserida em uma montagem que acompanha sua relação com a filha da infância até à morte prematura dessa, e agora atravessa o campus da universidade em que é professora, cabisbaixa e sob uma palheta cinzenta. Inicialmente distante do frenesi mundial em torno do surgimento de 12 naves espalhadas pelo globo e pairando na atmosfera terrestre, a linguista só se envolve com o caso quando requisitada pelo Coronel Weber (Forest Whitaker) a se juntar ao físico Ian Donnelly (Jeremy Renner) para investigar um modo de se comunicar com os visitantes e descobrir suas intenções.

Aparentemente incapaz de realizar uma obra menos do que excelente, o cineasta canadense Denis Villeneuve consegue aqui a proeza de entregar o seu filme tematicamente mais ambicioso, mesmo depois de ter conduzido em sequência três projetos densos e carregados de reflexão, Os Suspeitos, O Homem Duplicado e Sicario: Terra de Ninguém, isso sem contar seu longa anterior, o primoroso Incêndios. Baseado no conto Story of Your Life, de Ted Chiang, o roteiro não se limita em apontar a necessidade de interação entre as pessoas, e investiga como que, para além de fonemas e grafias, a comunicação pode se dar em diversas dimensões pessoais e, inclusive, fora do tempo e da sua opressiva linearidade. E quando Louise sente a necessidade de se despir de seus trajes para se expressar melhor com os extraterrestres, é reconfortante perceber que isso implica em um simbolismo de Villeneuve sobre como é importante, para apreendermos novos conhecimentos e, consequentemente, novas empreitadas, que nos livremos de conceitos engessados que ainda podem desencadear uma guerra por poderem ser traduzidos pelo receptor de forma errada – e o alarmante potencial de segregação dos filtros que nos impomos fica bem ilustrado no filme quando colocamos as noções de Louise e Ian, voltados ao estudo e descobertas, contra aquelas do governo para o qual trabalham, que temendo esforços imperialistas (como aqueles que ele mesmo emprega), preferem enxergar os visitantes como hostis até que se prove o contrário.

E sim, A Chegada é um filme que, em menos de duas horas, consegue abordar com segurança e profundidade toda essa gama de assuntos, sem jamais hesitar em investir numa estrutura complexa que traduz, como um todo, o próprio conceito que aborda centralmente: a linguagem. Assim, o filme, em si, é um exemplo do potencial de comunicação expressado dentro de sua quase fantasiosa trama de ficção científica – e tamanha ambição (e sucesso em alcança-la), eleva essa obra-prima de Villeneuve ao patamar de clássico instantâneo, principalmente por entender que o cinema, com sua forma de início e fim e uma infinidade de possibilidades para serem exploradas no meio, se assemelha, acima de tudo, com os seus criadores: as pessoas.

Entendendo também a complexidade de seu filme, o diretor é hábil ao criar formas de imergir o espectador na atmosfera de sua narrativa, e se aqui enfoca detalhe por detalhe o processo de entrada dos humanos na nave visitante, ali ele cria um plano que impressiona por sua magnitude (uma massa de nuvens atravessa uma cadeia de montanhas e se estende como um lençol em torno de um dos gigantescos objetos). E mesmo um recurso tão batido quanto a bomba relógio, é empregado de forma inteligentemente natural para criar tensão. Além disso, a trilha de Jóhann Jóhannsson é precisa ao não estabelecer melodias, e sim sons incomodativos e um coro de vozes feito de articulações sonoras que, assim como a linguagem dos alienígenas, não possuem tradução conhecida, e assim expressam perfeitamente a situação dos personagens. Em especial de Louise, que tem toda a atenção do design de som voltada para a sua subjetividade. Desse modo, por exemplo, quando uma de suas memórias a atormenta, o som não surge ecoado ou distante, mas nítido e próximo.

O roteirista, Eric Heisserer, também consegue contribuir para que o espectador sinta a trama sólida o suficiente para poder abstrair em suas reflexões, e insere através de noticiários e comentários de conversas paralelas, o desenvolvimento da reação mundial à chegada de seres de outros mundos. Dessa forma, além de estabelecer com precisão um cenário micro dessa situação, Heisserer e Villeneuve também constroem todo um universo plausível que abraça e legitima a trama, e não surpreende que insiram elementos religiosos, sociais e políticos agindo constantemente no macro fora do acampamento militar em que os protagonistas se encontram.

E em última análise, compreender o impacto que nossa comunicação interpessoal (micro) tem nas relações entre nações (e um dia, entre mundos, quem sabe, mas macro ainda assim), também é uma reflexão levantada por A Chegada, que apesar de elevar a atenção para o que vem de fora e de muito longe, encontra suas soluções naquilo que temos de mais interno e pessoal. Pois, independente se vamos andar em círculos e repetir os mesmos ciclos até encontrarmos a nossa inevitável finitude, nossa capacidade de extrair da jornada em si experiências, aprendizados e novas formas de expressão, é um objetivo que sozinho define o arco percorrido, e não necessariamente precisa ser o seu fim ou seu ponto de partida.



NOTA: 10/10


Um comentário:

  1. Um muito bom filme que vale a pena ver!! O gênero de ficção nunca foi um dos meus preferidos, porém devo reconhecer que Filme Arrival foi uma surpresa pra mim, já que apesar dos seus dilemas é uma historia de drama que segue a nova escola, utilizando elementos clássicos. Com protagonistas sólidos e um roteiro diferente.

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