Em outra realidade, Jessica
Chastain teria sido indicada a todos os principais prêmios de Melhor Atriz por
sua performance em Armas na Mesa.
Infelizmente, trata-se de um filme que descortina o mundo sujo por trás da
bancada das armas no Congresso estadunidense, o que explica a produção não ter
conquistado popularidade ou investimento suficientes para chegar às principais
premiações – o acesso às armas de fogo por lá é garantido pela Segunda Emenda,
que é protegida com sangue (literalmente) pela indústria armamentista. Espécie
de House of Cards focado nos
lobistas, o longa é habilidoso ao lidar com o xadrez político tanto no plano
midiático quanto naquele que se desenrola por baixo dos tapetes, embora
apresente uma trama menos complexa e mais óbvia do que gostaria – e se o
projeto nos convence de sua inteligência, é devido a sua protagonista e um
elenco que leva seus personagens a sério.
Elizabeth Sloane (Chastain) é uma
lobista talentosa que vive para a sua carreira. Depois de anos flertando com os
barões da indústria bélica, a empresa para a qual trabalha finalmente tem a
chance de representá-los junto aos senadores. Porém, sendo contra a ideologia
de seus clientes, ela passa a representar uma firma concorrente que está
tentando emplacar um adendo à Segunda Emenda, que exigirá aprovação psicológica
para as pessoas que pretendam comprar armas de fogo.
Ora, a princípio a questão parece até algo
imbecil de se discutir, pois como aponta Elizabeth em dado momento, se é exigido
avaliações completas para indivíduos em busca de uma carteira de motorista,
porque alguém pode simplesmente comprar uma arma apenas com sua identidade em
mãos? Entretanto, seria ingenuidade pensar que as liberdades garantidas pela
constituição são realmente a motivação por trás dos ideais conservadores, e
isso nos Estados Unidos, aqui no Brasil e em qualquer lugar. Os interesses são
puramente econômicos, e o Capital não enxerga vítimas, mas lucro. Um tiroteio
em uma escola não é uma tragédia que poderia ser prevenida, mas um efeito
colateral, uma margem de erro aceitável. E em última análise, trazer os
principais argumentos em torno dessa disputa e expor de forma didática como, no
final, é o dinheiro que move essas tramitações, é um dos acertos de Armas na Mesa.
Por outro lado, o filme muitas
vezes força a barra pra chegar onde quer – e o desfecho em si, por exemplo, não incomoda, e acho
até bonitinho o seu otimismo sonhador, mas o caminho até ele é pavimentado com
elementos desnecessariamente fantasiosos que, não raramente, quebram a
sobriedade tão rígida da narrativa. E se as primeiras cenas trazem diálogos
intrincados e propositalmente complexos sobre as estratégias de Elizabeth, posteriormente o
longa parece querer flertar com alguns dos 007s mais cafonas ao introduzir uma “barata
espiã”, que pode ser controlada remotamente para servir de escuta. Ou pior,
quando, coincidentemente, um dos lobistas se envolve numa situação em que uma arma
de fogo acaba sendo crucial em um espaço público. Além disso, por mais que
Jessica Chastain consiga convencer que Sloane é uma mulher de intelecto
singular, suas estratégias parecem funcionar mais devido à estupidez de seus
adversários do que pelos méritos de sua inteligência – e mais de uma vez o
filme nos deixa espiar os “vilões” tendo ataques de nervos no “covil” quando
algo dá errado.
A atriz, aliás, foge do estereótipo da
mulher fria de negócios (que, na verdade, é exatamente o tipo escrito pelo
roteiro) e consegue imprimir uma energia palpável na protagonista. Não só
acreditamos que Elizabeth não tem outros interesses se não os profissionais,
como também compramos completamente que ela se diverte com aquilo tudo, e isso
porque Chastain é hábil ao transparecer o prazer que sua personagem tem de estar "disputando o jogo". E ajuda, nesse sentido, que seja auxiliada por um elenco
afinado de coadjuvantes; de Michael Stuhlbarg como seu rival lobista (que
graças ao ator soa mais inteligente do que realmente é), até Mark Strong
(austero na medida certa) e passando ainda por John Lithgow (sempre
interessante como uma figura opressiva). Da mesma forma, a fotografia cinzenta e
dessaturada ajuda a compor o tom de frieza dos escritórios e tribunais de Washington por onde
perambula a tal Miss Sloane, não só impregnando a narrativa com crueza, como também compondo aqueles ambientes como partes do mesmo tabuleiro.
Amarrando todas as suas pontas e
satisfazendo o espectador com um afago na saída, Armas na Mesa é relevante na mesma medida em que pode ser
prejudicial às questões que levanta. Por um lado propõe a discussão em torno da
posse de armas de fogo de forma divertida em um thriller político que, tropeços
à parte, se leva a sério o suficiente para funcionar; por outro, traz um
otimismo ingênuo e anacrônico sobre um sistema cínico que, hoje, mais do que
nunca, vemos falhar em proteger os interesses dos seus cidadãos todos os dias
(e se você estiver lendo isso daqui uns 20 anos, espero que Donald Trump não tenha instaurado uma ditadura nos Estados Unidos e que Michel Temer já esteja, no mínimo, aposentado).
NOTA: 7/10
Me preocupa ver um certo desvalor às performances de Chastain e ela carregar isso com seus bons filmes, que praticamente ficam incólumes.
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