Assim como já ficara estabelecido
no excelente De Volta ao Jogo (filme
que precede este aqui), o universo do assassino de aluguel que simplesmente não
consegue se aposentar, o tal John Wick (Keanu Reves), oferece uma narrativa
menos preocupada em ser distinta por suas articulações de roteiro ou diálogo (ficaria
surpreso se descobrisse que o protagonista proferiu mais do que trinta palavras
dessa vez), do que na tarefa de criar sequências imersivas de ação. E desse
ponto de vista, o esforço não só é bem sucedido outra vez, como assemelha-se
ainda mais à criação de um musical, que substitui os números de canto e dança
por uma perseguição de carros, uma luta corpo a corpo ou uma criativa troca de
tiros.
Partindo exatamente do ponto
final do longa anterior, John Wick: Um
Novo Dia Para Matar se desencadeia quando um credor de Wick, Santino
D’Antonio (Riccardo Scamarcio), fica sabendo que o assassino está de volta à
ativa e resolve cobrar uma antiga dívida, pedindo que ele assassine sua irmã,
Gianna (Claudia Gerini), próxima na linha sucessória de uma importante cadeira
no conselho de mafiosos. Relutante em cumprir a tarefa, John se vê obrigado a
aceitar o trabalho. Porém, traído por Santino, ele passa a ser perseguido por
um exército de matadores profissionais, enquanto busca novamente por vingança.
É, soa familiar a estrutura
básica desse capítulo, que remete diretamente ao primeiro: gângster incomoda Wick e ele vai atrás de vingança. Mas é inegável que
isso funciona, e o filme chega mesmo a repetir algumas situações para marcar
que está ciente da natureza cíclica da rotina de seu anti-herói – através do
mecânico vivido por John Leguizamo, do policial que encara como rotineiras as
chamadas inusitadas que atende na casa de Wick, e do profissionalismo cômico do
recepcionista do Hotel Continental. Mas aí, isso ajuda a fazer com que essa
continuação não soe apenas como uma desculpa esfarrapada para fazer mais alguns
trocados, e sim como parte de um arco maior.
E se Reves com sua famosa inexpressividade
continua a se provar perfeito para o papel principal, Riccardo Scamarcio surge
como um vilão apropriadamente detestável enquanto Laurence Fishburne parece se
divertir compondo o excêntrico Bowery King. Além disso, o assassino vivido por
Common divide com Wick alguns dos momentos mais interessantes do
longa-metragem, principalmente pela cordialidade tensa que dividem – e o
instante em que trocam tiros de forma trivial dentro de uma estação de trem é
particularmente divertido. Da mesma maneira, a relação entre o protagonista e Winston
(o ótimo Ian McShane), é mais explorada e ganha contornos mais intrigantes,
graças, claro, à natureza também cordial das duas figuras.
Responsável por sequências memoráveis
pela abstração que proporcionam, como aquela envolvendo um monólogo de Gianna
dentro de uma banheira, ou o clímax em um labirinto de espelhos, John Wick: Um
Novo Dia Para Matar pode não ter o frescor de novidade de antes, mas certamente
fica à altura do padrão estabelecido por De Volta ao Jogo. E a promessa de uma
continuação ao final não soa como um gancho maniqueísta para continuações sem
sentido, mas como um bem-vindo “até mais” para um personagem que, se mantiver a
qualidade, ainda vai demorar muito tempo pra conseguir se aposentar – mas hey,
John, that’s Brazil with Temer, honey.
NOTA: 8/10
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