A Cura é o tipo de filme em que compramos os absurdos do roteiro graças
ao talento de seu diretor para criar uma atmosfera envolvente. E convenhamos,
Gore Verbinski é um cineasta talentoso e versátil – observe, por exemplo, o
clima opressivo que cria em O Chamado, ou aquele
melancólico de O Sol de Cada Manhã, a
direção inventiva dos três primeiros Piratas
do Caribe, e ainda, a abordagem épica e reverente de Rango. Só nesse apanhado, temos gêneros, técnicas e temas muito
distintos, e todos igualmente eficientes. Pois aqui não é diferente, e embora
talvez o realizador esteja se tornando um pouco autoindulgente (pois a trama se
arrasta um pouco mais do que deveria), é inegável que o longa-metragem consegue
criar um mistério palpavelmente denso com a sua narrativa.
Jovem sócio de uma empresa que
está prestes a fazer uma importante fusão, Lockhart (Dane DeHaan) é enviado
para a Suíça pelo conselho de sua firma para trazer de volta o Sr. Pembroke
(Harry Groener), que se hospedou em uma espécie de sanatório no alto dos Alpes para
um tratamento alternativo contra o estresse, e que desde então não voltou mais.
Dirigido pelo dúbio Doutor Voolmer (Jason Isaacs), o lugar opera em um antigo
castelo e ainda sem as tecnologias do mundo moderno, se mostrando gradualmente
mais difícil de se abandonar conforme sua verdadeira natureza se torna mais
enigmática.
Uma mistura então de Ilha do Medo com (insira aqui qualquer filme com uma instituição médica malvada), A Cura poderia claramente ser um
desastre sem a condução correta. E basta perceber depois, por exemplo, a função
de roteiro do “prólogo” para entender que é o esforço de Gore Verbinski que o
torna tão intrigante. Dono de um visual sempre interessante, o cineasta tem uma
aptidão notável para criar planos que, através de sua beleza plástica, conferem
um maior interesse a momentos que, em outras mãos, teriam sido ou triviais
(como aquele que acompanha a lateral de um trem em movimento, dividindo a tela
entre o corpo do veículo e seu reflexo nas próprias janelas), ou apenas comuns –
e um diálogo à beira de uma fonte impressiona quando Verbinski abre o quadro e
revela os Alpes se erguendo tanto acima da cabeça dos personagens ao fundo,
quanto em primeiro plano e abaixo deles no espelho d’água.
É essa visão aguçada, aliás, que
lhe dá também a sensibilidade para cortar, em meio a um diálogo tenso, dos
típicos planos e contra-planos para um close fechadíssimo da superfície de um
copo de água suado, ou para o pé de uma muleta esmagando um cigarro aceso em
outro instante, e ainda, para enfocar um simples momento em que Lockhart fuma
no escuro, com uma luz fraca e esverdeada sob sua cabeça que marca o contorno
de seu rosto e da fumaça que expira. Tudo isso, claro, poderia ser apenas
bonito de se ver, ainda mais com a fotografia repleta de tratamentos de
pós-produção e filtros que remetem ao estilo de Zack Snyder. Porém, e aqui é
bom eu ter citado o cineasta por trás de 300,
Watchmen e O Homem de Aço, Verbinski se diferencia desse último por ser também
um sóbrio contador de histórias, e longe da imaturidade narrativa do outro, que
sempre depende de outros fatores para funcionar, Gore é um hábil idealizador de
atmosferas.
É bem verdade que, aqui, ele
começa a denunciar um esmero exagerado por suas cenas, e uma ou outra se
alongam na montagem um pouco mais do que deveriam, apesar de, invariavelmente, sempre
criarem alguma tensão. Um bom exemplo de sua eficiência, entretanto, é a sequência em
que o protagonista entra em uma sauna e a descobre impossivelmente labiríntica.
A calma ao acompanhar o mancar do personagem aposento por aposento, transporta
organicamente o espectador do ambiente rotineiro do sanatório para um que
poderia ser um pesadelo, e quando esse cenário deságua em um diálogo com um dos
pacientes do lugar, a dúvida que paira no ar sobre a veracidade daquela
conversa (estaria ela ocorrendo apenas na cabeça deles?), confere perfeitamente
ao longa o clima de paranoia no qual Lockhart se encontra.
Ajuda nessa imersão, claro, o competente
design de produção de Eve Stewart (colaboradora habitual do péssimo Tom Hooper,
e que obviamente se sai melhor quando nas mãos de um cineasta que sabe o que
está fazendo), que imagina o sanatório como um labirinto repleto de ambientes
singulares; e também os figurinos da veterana Jenny Beavan (premiada com o
Oscar no ano passado por seu trabalho incrível em Mad Max: Estrada da Fúria), que por sua vez consegue diferenciar os
personagens entre si (médicos de pacientes e esses do protagonista), apesar de
todos usarem branco na maior parte do tempo.
Beneficiado ainda pela
performance intensa de Dane DeHaan (um ator que admiro muito e, infelizmente,
considero ser subestimado) e aquela cínica do sempre ótimo Jason Isaacs, A Cura só peca mesmo na figura
antipática de Hannah, que Mia Goth falha em tornar interessante. Sim, é óbvio
desde o início que existe algo de errado com aquele lugar, e se por um lado Verbinski
não deixa espaço para que duvidemos disso em momento algum, o que corta o
impacto das reviravoltas, por outro, essas só não soam absolutamente ridículas
apenas em detrimento do empenho do cineasta para preparar o terreno antes. E em
última análise, como dizia o mestre Roger Ebert, não importa sobre o que um
filme é, mas como ele é sobre o que é.
NOTA: 8/10
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