quinta-feira, 31 de agosto de 2017

ATÔMICA



Dominado pela intensidade de Charlize Theron, Atômica é o tipo de projeto que poderia rapidamente soar aborrecido e repetitivo, se perdendo como obra genérica no vasto repertório dos filmes modernos de ação - e ainda mais no nicho daqueles centrados na Guerra Fria. Entretanto, trata-se de um longa que busca desesperadamente por um diferencial que o ajude a fugir de sua estrutura burocrática de roteiro, e para tanto, explora tanto os arquétipos do noir quanto a ideia de se cobrir com um verniz pop. O que funciona. Sua abordagem é justamente o que acaba tornando a experiência divertida e despretensiosa, uma vez que equilibra a crueza de sua violência com a saturação de cores vibrantes, o ritmo de sua montagem com o embalo da seleta de canções. Surgindo, portanto, como uma extrapolação dos conceitos que Nicolas Winding Refn ajudou a estabelecer nos ótimos Drive (2011), Só Deus Perdoa (2013) e mesmo no horroroso Demônio de Neon (2016), um subgênero que poderia, inclusive, se chamar neo(n) noir.



Quando designada para ir à Berlim murada do final da década de 1980, no intuito de recuperar uma lista de espiões britânicos que não pode cair em mãos erradas, a agente Lorraine Broughton (Theron) encontra por lá um ambiente hostil e repleto de assassinos internacionais de olho no mesmo prêmio que ela. Em campo ela conta com a ajuda de David (James McAvoy), outro agente inglês infiltrado na cidade, mas que parece ter os próprios objetivos. E a Berlim de Atômica é este lugar sombrio habitado por figuras dúbias e traiçoeiras, cujas intenções e planos cruzam constantemente com os da protagonista, criando um emaranhado de tramas e subtramas que, conforme fica claro, não são tão importantes assim.


Porém, não aponto isso necessariamente como um demérito. Aliás, usar da complexidade da trama apenas para criar uma atmosfera de incerteza e, portanto, ameaçadora, é um recurso marcado do film noir. Atômica, entretanto, se beneficiaria se um pouco da história fosse amenizada e contada de maneira mais simples, pois não raramente se perde em diálogos expositivos que cortam o clima tão bem construído no resto do tempo. E, de fato, o que realmente importa nesses casos é o tom, que aqui é potencializado pela abordagem de David Leitch, antes um experiente dublê e co-diretor não creditado do excelente De Volta ao Jogo (2014), agora se revelando um promissor cineasta do gênero de ação. Aqui o realizador se dedica a criar um filme visualmente interessante para abraçar essa atmosfera conspiratória, e compõe diversos quadros que chamam atenção para si mesmos, como aquele que traz Lorraine mergulhada em uma banheira de gelo, ou aquele outro no qual a agente confronta a espiã francesa Delphine (Sofia Boutella) em um corredor vermelho. Além disso, a montadora Elísabet Ronaldsdóttir é hábil ao juntar essas composições com cortinas e recortes que conferem dinamismo e maior descontração à narrativa, ainda que pouco consiga fazer pra evitar as transições truncadas entre o interrogatório da protagonista e a dramatização de seu relato - e boa parte da tensão que o filme poderia exercer é sabotada de imediato devido a essa estrutura, uma vez que por causa dela sabemos que a protagonista sobreviveu.


O que não torna menos divertidas as muito bem orquestradas cenas de ação, que Leitch consegue tornar perfeitamente compreensíveis sem apelar para uma direção burocrática ou sacrificar seu ritmo - pelo contrário, constrói uma dinâmica orgânica com sua decupagem, transformando os embates em verdadeiras danças. Em parte também porque esses momentos possuem coreografias interessantes e bem marcadas, que envolvem não apenas a habitual troca de socos e chutes, mas toda a sorte de objetos de cena, que vão de um saca-rolhas a uma mangueira de jardim. Nesse sentido, é preciso destacar o fabuloso e ousadamente longo “plano sequência” que se dá no terceiro ato - e coloco as aspas porque certamente existem cortes escondidos nele, apesar de serem imperceptíveis. O que me leva, por fim, a Charlize Theron, que através da postura e leves mudanças na expressão, consegue exalar tanto sensualidade quanto a ferocidade digna de uma lutadora à altura de russos grandalhões e policiais treinados - ainda que Leitch confunda recorrentemente um recorte sensual com a pura objetificação do corpo da atriz. Sua performance, entretanto, age em perfeita sintonia com o tom da narrativa, cimentando o projeto.






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