Tarantinadores Tarantinarão...
O cultuado diretor e roteirista Quentin Tarantino
sempre apresentou como uma de suas principais referências o "gênero"
Western Spaghetti. Surgidos no início da década de 60, em uma tentativa de
popularizar o mercado cinematográfico Italiano, esses longas tentavam emular os
faroestes conhecidos mundialmente, mas que só eram produzidos nos Estados
Unidos até então. O que se sucedeu foi uma onda de filmes que traziam uma visão
muito mais irônica, crua e alto-contestadora do que aquelas americanas, que se
orgulhavam em idealizar o pistoleiro como um herói limpo, bravo e
incorruptível. Assim, a visão europeia trouxe protagonistas sujos, indigentes,
amargurados, sem nem mesmo um nome às vezes, que buscavam a justiça pelas
próprias mãos, enfrentando déspotas guardados por verdadeiros exércitos em
cidades tomadas pelo medo e a opressão, diga-se de passagem, uma visão muito
aceitável e adequada vinda de um continente que tinha a Segunda Guerra Mundial
ainda como uma ferida aberta. E é justamente desta estrutura que Tarantino
claramente se referenciou ao realizar este Django Livre, que se não é o seu
melhor filme (Pulp Fiction e Kill Bill Vol. 1 seriam esses), é com
certeza o mais honesto deles. Assumindo a comicidade e o trash como muletas
narrativas (e isto é um elogio), este seu novo projeto peca apenas ao
apresentar certa falta de criatividade na resolução de seus conflitos, o que
acaba sendo compensado pelo desenrolar dos conflitos em si, que encenados por
um elenco impecável, garantem a total absorção do público nas perigosas quase
três horas de duração do longa.
Para trazer esta estrutura para os Estados Unidos
neste seu novo filme, Tarantino opta por ambientá-lo em plena época da
escravatura, onde mostra o escravo Django (Jamie Foxx) - que recebe o nome de
um dos ícones do gênero Spaghetti- sendo libertado pelo caçador de recompensas
Dr. King Schultz (Christoph Waltz). A partir daí, nada diferente daqueles
heróis sujos, indigentes e amargurados que citei acima, Django começa a fazer
justiça com os próprios punhos, firmando uma parceria com o tal Dr. Schultz na
profissão de matador de procurados da justiça. Até que então a dupla decide se
arriscar em um perigoso plano para salvar Broomhilda (Kerry Washington), esposa
escrava de Django, de uma fazenda muito bem guardada no meio do Mississipi
comandada por Calvin Candie (Leonardo DiCaprio), um comerciante de escravos
violento e perigoso.
Abrindo o filme com um velho e antiquado logotipo da
Columbia, que desde os primeiros segundos de projeção já busca homenagear as
origens de suas inspirações, Tarantino não se demora para apresentar seus
protagonistas em uma de suas famosas cenas de abertura. Porém, se antes os
filmes do diretor causavam o riso como consequência de seu estilo, aqui o
realizador claramente busca causar este efeito em seu público, seja através de
gags, como a do cavalo que cumprimenta quando ordenado, ou no cinismo extremo
do personagem de Waltz que se mantém calmo mesmo em uma situação violenta
como um tiroteio, o fato é que desta vez Tarantino assume um tom mais cômico,
que, conforme vai chegando ao desfecho do longa, vai ganhando também um
crescendo absurdo.
Porém, é inegável que o diretor/roteirista tenha
deixado a própria fama subir um pouco a cabeça, deixando cada vez mais sua
alto-indulgência impregnar sua forma e técnica, por exemplo, ao abusar do uso
de rápidos Zoons in e out para expressar uma situação dramática, que depois das
primeiras cinco vezes, acabam chamando mais atenção pra si mesmo do que
salientando de um forma propositalmente pedestre a reação de algum personagem.
O que acaba fazendo parecer que na verdade este é Tarantino, tentando ser
o próprio Tarantino enquanto tenta ser Leone. Isso sem contar a duração, que mesmo
auxiliada por um dinamismo incomum nas obras do diretor (a entrada do novo
montador, Fred Raskin, seria a causa?), acaba sendo sentida evidentemente pelo
espectador, que com certeza, não se importaria com alguns minutos a menos de
filme.
Porém, ainda que cometa estes pecadilhos, é
impossível negar o amor e o divertimento com que o diretor parece realizar os seus filmes, prova disso é a própria aparição de Tarantino em determinada cena,
que resulta em um dos momentos mais hilários do longa, competindo
apenas com a execução exagerada de determinada personagem já ao fim do
filme. E em um plano mais inspirado, Tarantino chega a buscar o humor apenas
com o enquadramento de sua câmera, enfocando a cabeça de Django que passa
enquadrada bem dentro do laço de uma forca. Mantendo sempre a sua identidade
dentro do longa, o diretor pouco hesita em colocar uma música Hip Hop pesada
para acompanhar a chegada cheia de personalidade de Django, um letreiro gigante
e antiquado passando lateralmente em tela anunciando a chegada dos
protagonistas ao Mississipi, as atendentes do Clube Cleópatra para fazerem
poses caricatas enquanto esperam ser necessárias e até mesmo um personagem a
fazer um juramento com a mão coberta de sangue - lembrando que em Cães de Aluguel, o personagem mais culpado e que mais escondia
segredos no grupo, era o Mister Orange (Tim Roth), que passa o filme inteiro
coberto e deitado em uma poça de sangue, não deixando então de ser curioso que
aqui volte a usar este elemento tão recorrente e abundante em seus filmes como
um símbolo para culpa.
Já a arte geral do filme é um detalhe a parte. Além
da impecável recriação de época, o departamento consegue se adequar fantasticamente
a linguagem de Tarantino, surpreendendo e causando o riso com elementos como o
dente pendurado em uma mola sobre o teto da carruagem do Dr. Schultz, que indica
sua antiga profissão, a roupa de um personagem fanático religioso que possuí
várias páginas da bíblia costuradas ao tecido, a escultura branca de dois
negros lutando até a morte que enfeita a sala de jantar do vilão Candie, e até
mesmo a própria sala de jantar e as vestimentas deste último, cujas cores
baseadas no vermelho escuro e no preto, já premeditam a carnificina
reservada para o clímax.
Mas o que seria de Quentin Tarantino se não fosse o
seu elenco? E se Jamie Foxx está apenas apropriado como Django, é porque sua
performance empalidece ao lado do cativante e carismático Christoph Waltz, que
por sua vez incorpora uma a versão mais boazinha do Coronel Hans Landa de Bastardos Inglórios. Mas nem Foxx e nem Waltz, quem acaba roubando não
só a cena, mas o filme inteiro para si, é a dupla de vilões formada por
Leonardo DiCaprio e Samuel L. Jackson (que interpreta o caseiro e braço direito
do fazendeiro, Stephen). Diferenciando-se de seus últimos papéis, nos quais se
dedicou a personagens mais amargurados e introspectivos, DiCapiro surge
caricato e extrovertido, não se poupando de gritos e gestos amplos que
expressam a alto-estima e confiança de Calvin. Já Jackson como o rabugento e
velho caseiro, marca sua aparição com uma língua solta e afiada, que fazendo
praticamente o papel de papagaio do vilão, repete suas deixas enquanto expressa
suas próprias opiniões sarcásticas junto, quase que ofuscando DiCaprio em
determinados momentos.
Assim, talvez a única coisa que realmente incomode
neste Django Livre, é a leve falta de
criatividade que Tarantino acusa ao resolver a maioria de seus conflitos em um
tiroteio impossível. E se antes era divertido constatar que a perseguição entre
Marsellus Wallace e Butch em Pulp Fiction, acabava com os dois sequestrados por estupradores no porão de uma
lojinha, justamente por ser algo totalmente imprevisível, aqui acaba
soando decepcionantemente que o mesmo Tarantino resolva duas sequências
seguidas de forma praticamente idêntica, com os dois protagonistas rendidos e
enrolando seus perseguidores com uma historinha tola. E se não controlar o seu
ego, o diretor corre o grave risco de acabar fazendo o mesmo, enrolando o seu
espectador com uma historinha tola. O que, ainda bem, não é o caso de Django Livre.
NOTA: 9/10
Os atores estão todos demais. Gostei muito do filme, mas senti o tempo no cinema.
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