terça-feira, 13 de março de 2012

DRIVE


    Vrum Vrum!! Nos primeiros segundos de Drive o personagem sem nome interpretado por Ryan Gosling explica as regras dos serviços que oferece, objetivas, claras e calculistas, as linhas ditas pelo Motorista neste primeiro plano e o "prólogo" que segue este já definem de maneira eficaz a natureza não só do nosso protagonista, como também do tom com que o filme será conduzido dali para frente.




     Decidido a ajudar uma vizinha, Irene (Carey Mulligan), pela qual se sente atraído, o Motorista decide emprestar seus serviços para Standard (Oscar Isaac), marido recém-saído da prisão desta e que é procurado e ameaçado por criminosos para realizar um último assalto. Mas uma série de imprevistos acaba frustrando os planos do protagonista que se vê preso em uma situação que vai trazer à tona um ser humano mais violento, vingativo e extremamente perigoso. 


     Um anti-herói da grande metrópole, um justiceiro misterioso ou apenas um homem cheio de conflitos disposto a tudo para fazer o que julga certo. Seja qual for a visão que se tenha sobre o Motorista que protagoniza Drive, é impossível não notar as pequenas nuances de um herói com que o filme o veste. Por exemplo, quem já viu filmes de super heróis o suficiente conhece bem aqueles planos do bom moço observando a cidade que protege de uma janela, do alto de um prédio etc. Aqui não é raro ver o diretor Nicolas Winding Refn enquadrando Gosling de costas observando a ruas que percorre tão habilmente com seus veículos. E não esqueçamos que todo herói veste um uniforme que o caracteriza como tal, porém, embora não vejamos nosso Motorista vestir uma capa e uma máscara aqui, não é difícil distinguir suas vestimentas únicas. Uma jaqueta estofada, prateada e com um escorpião dourado bordado nas costas, as luvas de couro e a calça jeans se estabelecem como o visual quase que imutável de Gosling, e pra confirmar a teoria de que sua roupa é o seu uniforme "heroico", o personagem não ousa trocá-lo mesmo quando este se apresenta coberto de sangue e totalmente inapropriado para o tipo de local a que ele se dirige. E por fim, todo herói tem um super poder (ou uma super renda), o Motorista não voa, não é super forte ou super inteligente, ele dirige. O resto a partir daqui é fácil, há o grande vilão e seu braço direito, a donzela em perigo e até mesmo o mentor de barba. E se você não considera ao menos interessante esta revisão do mito do herói, ainda resta as boas atuações e a técnica que fazem valer apena pagar o ingresso de Drive


     É notável ver o esforço que Winding Refn traz na direção do longa ao conduzi-lo refletindo a personalidade de seu protagonista. Seus planos são objetivos, claros e contam exatamente aquilo que precisam contar, nem por isso o longa é levado num ritmo alucinante. Acontece que Gosling traz ao seu personagem uma áurea calma e de muito sangue frio, seu Motorista não parece dizer nada além do necessário (de fato, ele não fala nada durante uns dez minutos no início do filme) e nesse sentido, o prólogo brilhante e tenso serve a muitos propósitos, como mostrar o nosso "herói" reagindo nas mais arriscadas situações, preferindo parar o carro e esperar uma melhor oportunidade de escapar a seguir o instinto de pisar fundo no acelerador, por exemplo. E é este sangue frio que o diretor consegue imprimir em seus planos que embora não hesitem em ir direto ao assunto, conseguem levar o tempo necessário para serem entendidos, nada mais e nada menos. 


     Mas o Motorista de Gosling não é um robô desprovido de emoções, e aponto que seria muito fácil para qualquer um cair neste limbo. Aqui o ator usa esta falta de expressividade do protagonista como uma vantagem em sua performance. Assim, quando vemos o Motorista dar um meio sorriso para o garoto Benício enquanto este assiste a desenhos na televisão, realmente acreditamos que ele esta feliz de estar fazendo parte daquela família, mais importante ainda, nós realmente acreditamos que fazer parte daquilo é realmente uma motivação equivalente aos sacrifícios que ele fará durante o longa. E se Ryan faz sua parte para humanizar o Motorista, Winding Refn, seu fotógrafo Newton Thomas Sigel e a montagem eficiente de Matthew Newman fazem a deles neste quesito também ao trazer pequenos interlúdios em câmera lenta para os momentos mais "emocionais" do nosso protagonista, ressaltando que são esses momentos que fazem toda sua luta valer apena. 


     Drive é um estudo de personagem, não há como negar. Não é a toa que dediquei três parágrafos falando sobre a relação da construção de seu protagonista e o modo como o próprio filme o trata. Mas, análises a parte, vejamos um pouco sobre outros méritos do longa. O sound design ganha uma salva de palmas, mostrando-se eficiente ao apostar no over durante boa parte da exibição, por exemplo, sons que representam algum perigo estouram as caixas sempre que surgem na trama, sejam tiros disparados, o som de um helicóptero ou o ronco de um motor de carro, contrastando sempre radicalmente com a trilha soturna e tensa de Cliff Martinez que acompanha quase toda projeção. Mas se tivesse um momento brilhante desta área a destacar seria o do assalto no meio do filme. O som da luva de couro rangendo, do tic-tac do relógio e do motor roncando baixo formam uma composição genial para criar uma tensão crescente que no final das contas acaba resultando em uma sequência que faz valer a espera na ponta da poltrona. Já a fotografia de Sigel se não é marcante, ao menos é competente e possuí um destaque para a iluminação quase sempre impossível, mas sempre interessante que o fotógrafo usa para destacar as mãos de Gosling ao dirigir algum automóvel. Afinal aquelas são as "armas" do nosso Motorista. 


     E pra terminar, o resto do elenco cumpre seu papel, o destaque óbvio vai para Albert Brooks e seu vilão, que mostra uma composição interessante e incomum para o ator, encarnando o mafioso Bernie à moda antiga. Bryan Cranston dá um ar de fragilidade convincente ao mecânico e "mentor" Shannon enquanto Carey Mulligan se repete sem grandes surpresas. E Ron Perlman? Bom, Ron Perlman é Ron Perlman, ele não precisa atuar, só precisa ser feio e mau, então está de parabéns.


     Não é um filme que todos vão gostar ou entender, é sobre um homem, que sem nome pode ser qualquer um, e como qualquer um, possuí um dom. Mas ainda sim, um homem, como sintetizado pela canção que acompanha a sequência final, A Real Hero, "E você, já provou ser... Um ser humano de verdade, e um verdadeiro herói". Talvez mais que isso, Drive possa ser resumido pelo plano brilhante que foca durante vários segundos o rosto imóvel do Motorista, desafiando o espectador a ter o mesmo sangue frio do protagonista e encarar a tela para descobrir se seu herói está ou não morto. O importante é que ao sair da sala de cinema, em momento algum você o questiona, já que o filme é eficaz em fazer exatamente aquilo que se propõe a fazer, apresentar aquele "herói" suburbano, aquele personagem cativante, mas acima de tudo, aquele "ser humano de verdade".


NOTA: 9/10

Um comentário:

  1. Eu não acredito que tu deixou o vrum vrum no texto.

    Fora isso, muito boa a crítica! Concordo com quase tudo, mas ainda acho que Ron Pearlman, enquanto Ron Pearlman, tava expecionalmente bem e em alguns momentos eclipsava o Albert Brooks como vilão principal.

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