Vrum Vrum!! Nos primeiros segundos de Drive o personagem sem nome interpretado por Ryan Gosling explica as regras dos serviços que oferece, objetivas, claras e calculistas, as linhas ditas pelo Motorista neste primeiro plano e o "prólogo" que segue este já definem de maneira eficaz a natureza não só do nosso protagonista, como também do tom com que o filme será conduzido dali para frente.
Decidido a ajudar uma vizinha, Irene (Carey
Mulligan), pela qual se sente atraído, o Motorista decide emprestar seus
serviços para Standard (Oscar Isaac), marido recém-saído da prisão desta e que
é procurado e ameaçado por criminosos para realizar um último assalto. Mas uma
série de imprevistos acaba frustrando os planos do protagonista que se vê preso em
uma situação que vai trazer à tona um ser humano mais violento, vingativo e
extremamente perigoso.
Um anti-herói da grande metrópole, um justiceiro
misterioso ou apenas um homem cheio de conflitos disposto a tudo para fazer o que julga certo. Seja qual for a visão que se tenha sobre o
Motorista que protagoniza Drive,
é impossível não notar as pequenas nuances de um herói com que o filme o veste.
Por exemplo, quem já viu filmes de super heróis o suficiente conhece bem
aqueles planos do bom moço observando a cidade que protege de uma janela, do
alto de um prédio etc. Aqui não é raro ver o diretor Nicolas Winding Refn
enquadrando Gosling de costas observando a ruas que percorre tão habilmente com
seus veículos. E não esqueçamos que todo herói veste um uniforme que
o caracteriza como tal, porém, embora não vejamos nosso Motorista vestir
uma capa e uma máscara aqui, não é difícil distinguir suas vestimentas únicas.
Uma jaqueta estofada, prateada e com um escorpião dourado bordado nas costas,
as luvas de couro e a calça jeans se estabelecem como o visual quase que
imutável de Gosling, e pra confirmar a teoria de que sua roupa é o seu uniforme
"heroico", o personagem não ousa trocá-lo mesmo quando este se
apresenta coberto de sangue e totalmente inapropriado para o tipo de local a
que ele se dirige. E por fim, todo herói tem um super poder (ou uma super
renda), o Motorista não voa, não é super forte ou super inteligente, ele
dirige. O resto a partir daqui é fácil, há o grande vilão e seu braço direito,
a donzela em perigo e até mesmo o mentor de barba. E se você não considera ao
menos interessante esta revisão do mito do herói, ainda resta as boas atuações
e a técnica que fazem valer apena pagar o ingresso de Drive.
É notável ver o esforço que Winding Refn traz
na direção do longa ao conduzi-lo refletindo a personalidade de seu
protagonista. Seus planos são objetivos, claros e contam exatamente aquilo que
precisam contar, nem por isso o longa é levado num ritmo alucinante. Acontece
que Gosling traz ao seu personagem uma áurea calma e de muito sangue frio, seu
Motorista não parece dizer nada além do necessário (de fato, ele não fala nada durante
uns dez minutos no início do filme) e nesse sentido, o prólogo brilhante e
tenso serve a muitos propósitos, como mostrar o nosso "herói"
reagindo nas mais arriscadas situações, preferindo parar o carro e esperar uma
melhor oportunidade de escapar a seguir o instinto de pisar fundo no
acelerador, por exemplo. E é este sangue frio que o diretor consegue imprimir
em seus planos que embora não hesitem em ir direto ao assunto, conseguem levar
o tempo necessário para serem entendidos, nada mais e nada menos.
Mas o Motorista de Gosling não é um robô
desprovido de emoções, e aponto que seria muito fácil para qualquer um cair
neste limbo. Aqui o ator usa esta falta de expressividade do protagonista como
uma vantagem em sua performance. Assim, quando vemos o Motorista dar um meio
sorriso para o garoto Benício enquanto este assiste a desenhos na televisão,
realmente acreditamos que ele esta feliz de estar fazendo parte daquela
família, mais importante ainda, nós realmente acreditamos que fazer parte daquilo
é realmente uma motivação equivalente aos sacrifícios que ele fará durante o
longa. E se Ryan faz sua parte para humanizar o Motorista, Winding Refn, seu
fotógrafo Newton Thomas Sigel e a montagem eficiente de Matthew Newman fazem a
deles neste quesito também ao trazer pequenos interlúdios em câmera lenta para
os momentos mais "emocionais" do nosso protagonista, ressaltando que
são esses momentos que fazem toda sua luta valer apena.
Drive é
um estudo de personagem, não há como negar. Não é a toa que dediquei três
parágrafos falando sobre a relação da construção de seu protagonista e o modo
como o próprio filme o trata. Mas, análises a parte, vejamos um pouco sobre
outros méritos do longa. O sound design ganha uma salva de palmas, mostrando-se
eficiente ao apostar no over durante boa parte da exibição, por
exemplo, sons que representam algum perigo estouram as caixas sempre que surgem
na trama, sejam tiros disparados, o som de um helicóptero ou o ronco de um
motor de carro, contrastando sempre radicalmente com a trilha soturna e
tensa de Cliff Martinez que acompanha quase toda projeção. Mas se tivesse um
momento brilhante desta área a destacar seria o do assalto no meio do filme. O
som da luva de couro rangendo, do tic-tac do relógio e do motor roncando baixo
formam uma composição genial para criar uma tensão crescente que no final das
contas acaba resultando em uma sequência que faz valer a espera na ponta da
poltrona. Já a fotografia de Sigel se não é marcante, ao menos é
competente e possuí um destaque para a iluminação quase sempre impossível, mas
sempre interessante que o fotógrafo usa para destacar as mãos de Gosling ao
dirigir algum automóvel. Afinal aquelas são as "armas" do nosso
Motorista.
E pra terminar, o resto do elenco cumpre seu
papel, o destaque óbvio vai para Albert Brooks e seu vilão, que mostra uma
composição interessante e incomum para o ator, encarnando o mafioso Bernie à
moda antiga. Bryan Cranston dá um ar de fragilidade convincente ao mecânico e
"mentor" Shannon enquanto Carey Mulligan se repete sem grandes
surpresas. E Ron Perlman? Bom, Ron Perlman é Ron Perlman, ele não precisa
atuar, só precisa ser feio e mau, então está de parabéns.
Não é um filme que todos vão gostar ou
entender, é sobre um homem, que sem nome pode ser qualquer um, e como qualquer
um, possuí um dom. Mas ainda sim, um homem, como sintetizado pela canção que
acompanha a sequência final, A Real Hero, "E você, já provou
ser... Um ser humano de verdade, e um verdadeiro herói". Talvez mais que
isso, Drive possa ser resumido pelo plano
brilhante que foca durante vários segundos o rosto imóvel do Motorista,
desafiando o espectador a ter o mesmo sangue frio do protagonista e encarar a
tela para descobrir se seu herói está ou não morto. O importante é que ao sair
da sala de cinema, em momento algum você o questiona, já que o filme é eficaz
em fazer exatamente aquilo que se propõe a fazer, apresentar aquele
"herói" suburbano, aquele personagem cativante, mas acima de tudo,
aquele "ser humano de verdade".
Eu não acredito que tu deixou o vrum vrum no texto.
ResponderExcluirFora isso, muito boa a crítica! Concordo com quase tudo, mas ainda acho que Ron Pearlman, enquanto Ron Pearlman, tava expecionalmente bem e em alguns momentos eclipsava o Albert Brooks como vilão principal.