Em O
Grande Truque, filme que Christopher Nolan lançava em 2006, ouvimos o
personagem de Michael Caine explicar o seguinte: Todo truque de mágica consiste
em três atos: a primeira é a "Promessa", onde o mágico
(Nolan) mostra ao seu público alguma coisa comum, seja uma maço de cartas, um
pássaro ou mesmo um homem, e é claro que, seja o que for, não é algo comum, e será
moldado por esse mágico para ser algo maior - assim, todos assistimos a Batman Begins em 2005; Seguindo a explicação, ele
diz que então vem a "Virada", que é quando o mágico pega essa coisa comum e
a transforma em algo extraordinário, e a faz desaparecer - em 2008, todos
voltamos ao cinema para constatarmos o feito que era O Cavaleiro das Trevas; Mas
ainda não está terminado, e o personagem de Caine explica o terceiro ato
dizendo que fazer uma coisa desaparecer depois de tê-la tornado algo incrível não
é o suficiente, o público ainda não aplaudiu, para o truque ser completo o
mágico tem que trazer esse objeto de volta. Essa é a parte mais difícil, é a
parte que chamamos de "O Grande Tru..." Opa! Quero dizer, é a parte que
chamamos de Batman - O
Cavaleiro das Trevas Ressurge.
[leves spoilers abaixo]
Oito anos após as maquinações do Coringa em Gotham City, a cidade se
encontra em um breve período de paz. Recluso em sua mansão depois de ter
abandonado o manto do Batman, Bruce Wayne (Christian Bale) se vê voltando à
rotina de homem morcego quando um terrorista chamado Bane (Tom Hardy) se mostra
um perigoso déspota em ascensão, criando uma revolução rebelde e sitiando
Gotham. Ao lado da atraente e traiçoeira Selina (Anne Hathaway), e contando com
a ajuda de velhos e novos personagens, tais quais Alfred (Michael Caine), Fox
(Morgan Freeman), Miranda (Marion Cotillard), Blake (Joseph Gordon-Levitt) e o
Comissário Gordon (Gary Oldman), Batman terá de enfrentar e derrubar a ditadura
imposta por Bane e a Liga das Sombras ao mesmo tempo em que terá de se renovar
e enfrentar velhos demônios.
E há tantas coisas boas pra se falar de Ressurge, que gostaria de começar ressaltando os
poucos detalhes que me incomodaram no filme - mas que não afetam ou comprometem
o todo. Primeiramente, a exploração da identidade secreta do Batman, que se
nos dois filmes anteriores era uma questão mais "sagrada" e usada
inclusive para ressaltar o altruísmo do personagem (como apontei na parte dois do especial), aqui parece ser deixada de lado, já que alguns personagens acabam
por descobrir a identidade do nosso herói com muita facilidade e sem muitas
consequências. Outro ponto são os diálogos expositivos, que aparecem um pouco
demais no primeiro ato. E digo que torci o canto da boca quando Bruce Wayne diz
algo como: "Então, Alfred, você está tentando me dizer que..." e
então "traduz" o que o personagem acabara de dizer. E por último, a
montagem de Lee Smith comete algumas quebras de ritmo principalmente na metade
do filme, não conseguindo se adaptar muito bem as tramas paralelas de Gotham e
de Bruce Wayne no exílio, ainda que isoladamente, ambas tenham ritmos próprios
e muito satisfatórios, sendo o problema na transição de uma para a outra.
Apontado estes detalhes (e são isso mesmo, detalhes), gostaria de falar
sobre Bane, já que a estranha escolha do
vilão (que não era muito popular nem entre os fãs das HQs) se mostra um acerto.
Se nas páginas o vilão era um brutamontes gigantesco alimentado por uma
substância que o transformava em um super ser, que atormentado por visões,
acreditava ser seu destino destruir o Batman, Nolan novamente emprega seu talento para traduzir os conceitos das HQs para o seu universo mais "realista", onde Bane passa a ser então um
terrorista disposto a continuar a missão de Ra's Al Ghul (Liam Neeson) em Batman Begins: destruir Gotham,
um berço de corrupção. Sua máscara com tubos de alimentação passa a ser um
injetor de anestésico em um ferimento que ele possui no rosto, e sua força e
treinamento são frutos de uma vida construída em uma prisão violenta e do
posterior treinamento na Liga das Sombras. Traduzido seu personagem para a
"realidade", Nolan se preocupa em sempre filmá-lo em ângulos que
favoreçam seu tamanho e brutalidade, enquadrando Bane quase sempre em
contra-plongées (de baixo pra cima) e suas vítimas em Plongées (de cima pra baixo), vide a cena em que o vilão se
encontra com Daggett (o ótimo, mas apagado Ben Mendelsohn), onde apenas com essa regra básica de
enquadramentos, Nolan consegue transformar o terrorista em um monstro
gigantesco se impondo sobre o milionário minúsculo.
E se a entrada de Bane já mostra a força bruta e o pensamento
dogmático do personagem, a introdução do nosso herói é um contraste gritante.
Bruce surge já mais velho e desgastado, inclusive andando com a ajuda de uma
bengala e sendo passado para trás por uma ladra em sua própria casa. Bale dá ao
milionário o ar de alguém muito mais experiente, mas muito mais cansado,
diferenciando-se daquele visto em Begins que falava energicamente e se movia
com agilidade. Empregando falas calmas, de baixo tom de voz e em certos
momentos, carregadas de amargura, o ator entrega um Bruce que diferente da
maioria de outras encarnações de heróis em continuações por aí, aparenta ter
vivido tudo o que sabemos que viveu, seja em seu olhar melancólico para o velho
traje ou na paciência e calma com que lida, por exemplo, com um cerco policial
aparentemente impossível de ser driblado. Assim, a agilidade passa a ser
adotada por Hathaway e Levitt, que em seus devidos papéis ganham espaço para
desenvolver seus personagens. Ela, como Selina (ou Mulher Gato, embora nunca
seja chamada assim durante o filme), cativa ao criar uma personagem dissimulada,
mas que nunca se perde e deixa de ter uma personalidade base, dando a famosa
ladra uma visão mais cabível ao universo criado por Nolan, e, ainda bem, isenta de onomatopeias
felinas. Já Levitt se afasta cada vez mais do garoto bobão visto em 500 Dias com Ela e mostra que Blake, apesar ter sido
introduzido neste filme, é um personagem que pode ficar na memória sim. Durante o segundo ato, o jovem policial meio que assume as rédeas do papel de
herói do filme, não decepcionando nunca em carisma ou profundidade - o primeiro diálogo que divide com o protagonista é especialmente tocante. E embora
não tenham muito que fazer com seus personagens na maior parte do tempo, Oldman, Freeman e Cotillard
não desapontam ou fazem feio, sendo o grande destaque entre os coadjuvantes Michael Caine, que em pelo menos dois momentos do longa vai lhe causar um nó na garganta com sua interpretação intensa e acolhedora de
Alfred.
Mais óbvio do que normalmente é, o roteiro escrito pelos irmãos
Christopher e Jonathan Nolan se dedica inteiramente a fechar o arco de três
filmes que construíram, sacrificando em prol disso, inovações ou muitas
reviravoltas surpreendentes na trama. Embora muitos irão sentir falta dos duelos
psicológicos entre o Coringa e o Batman, as linhas ditas por Bane não deixam de
ser menos impactantes, já que mesmo também sendo um vilão que trabalha com o medo como arma, o terrorista nas mãos dos Nolans não é um ser sem
origem, objetivos ou regras como era o palhaço psicopata. O vilão aqui é
metódico, possuí regras e estratégias e é um inimigo psico e fisicamente à
altura para enfrentar Batman - em outras palavras, é um duplo seu, e não seu oposto, como era o Coringa. Nosso herói, a propósito, ganha um arco de finalização
convincente e cativante também. Ao ser mandado para o exílio em uma prisão em
forma de poço, Bruce revive seus piores traumas, e sua escalada para fora
daquele lugar é desde já uma das cenas mais emblemáticas da trilogia ou dos
filmes de super herói, pois até ali, até o final do segundo ato deste longa, o
personagem não havia ainda superado os traumas acumulados em O Cavaleiro das Trevas, ele
ainda não havia recuperado sua confiança e, acima de tudo, até ali Bruce não
havia retomado sua principal característica, aquela que o criou, aquela que
torna seus vilões tão ameaçadores, e aquela que o motiva a lutar pelo símbolo
que Batman se tornou para os cidadãos de Gotham: o próprio medo.
Já como narrativa, apesar dos detalhes apontados no começo desse texto, a montagem de
Lee Smith é eficiente na maior parte do tempo, onde abandona o ritmo alucinante
do filme anterior e passa a investir em um crescendo que estoura no clímax. Esse, repleto de montagens paralelas, põe o espectador grudado na cadeira com a tensão
provocada pelas situações apresentadas. Isso também porque embaladas pela trilha
do sempre fantástico Hans Zimmer, que pela primeira vez na série sem a ajuda de
James Newton Howard, se vê obrigado a revitalizar velhos temas, tendo pouco
tempo para criar novos, o que de jeito nenhum tira a genialidade de seu
trabalho que merece pontos por dar uma "alma" bem tátil ao épico
terceiro ato. Tudo isso fotografado pelo já parceiro antigo de Nolan, Wally
Pfister, com as marcas recorrentes que reforçam a racionalidade do projeto, câmeras na mão a altura dos olhos dos
personagens que acompanham suas explicações, tomadas áreas de tirar o fôlego e
cenas de ação feitas com um nível de realismo impressionante - tudo contrubuindo para essa crueza que Christopher parece prezar tanto. E falando no que
é fotografado, repare no design de produção eficiente de Nathan Crowley e Kevin
Kavanaugh, que se na batcaverna criam um ambiente mais limpo e dedicado à praticidade, mais tarde se permitem criar um tribunal onde a bancada do juiz é
uma pilha de objetos, destroços e rolos de papeis de processos que ilustram o
caos que se tornou a justiça em Gotham City. E genial é a piada feita pelo
filme ao escolher o juíz dessa bagunça.
Encerrado de forma satisfatória e tocante, Ressurge prova que nas mãos certas qualquer
tipo de filme pode ter profundidade, drama, um bom roteiro e ótimas cenas de
ação, fugindo dos estereótipos de filmes de heróis e blockbusters que caíram em
um limbo que determina que sejam rasos, expositivos e esquecíveis. Uma
trilogia que nunca deixou de investir no humor (sim, ele está presente aqui
também) e no carisma de seus
protagonistas e antagonistas - tendo em vista que há tantas pessoas que usam a
camisa do Coringa quanto do Batman.
NOTA: 9/10
PALMAS!!! PALMAS!! Sim Yuri, simmmm!! Bem isso que eu vi durante esse maravilhoso filme. Coisas pequenas que me arrepiaram (como o som das asas de morcego batendo quando ele está "ressurgindo") e me deixaram completamente satisfeita. Belo texto...
ResponderExcluirTu escreve bem pra caralho brother! Acabei de ver o filme e não sei se concordas comigo, mas o melhor do ano até agora. Abraço.
ResponderExcluirAdorei seu texto...Mas só um detalhe...
ResponderExcluirJá perguntei pra várias pessoas que assistiram ao filme.Umas gostaram, outras amaram e outras quiseram ser do contra..ahuahuah...mas uma coisa foi unânime: todos amaram a voz de Bane!!!hehehe...Impressionante como aquilo que era uma falha se transformou em marca registrada do personagem...Todos com medo..hehe...
Belo trabalho...