É natural que ao acompanhar,
fiel, o trabalho dos jornalistas do The
Boston Globe, Spotlight – Segredos Revelados
acabe refletindo em seu andamento o ritmo da investigação realizada pelos
protagonistas. Dessa forma, o longa-metragem acaba sendo eficiente tanto como
denúncia, ao abordar a história que descortinou inúmeros casos de abuso sexual
infantil dentro da Igreja Católica – e nisso entra também a reflexão sobre o
papel social do jornalismo – quanto também como um reflexo do que deveria ser a
profissão.
Note, por exemplo, como as
famílias dos jornalistas raramente são mostradas ou comentadas, sendo exceção a
avó católica de Sacha (Rachel McAdams), que por sua vez exerce a função de
sensibilizar o espectador em relação àqueles que encontram conforto na
religião. Ora, ao nos mostrar somente a faceta profissional daqueles indivíduos
o tempo inteiro, o diretor Tom McCarthy por um lado consegue transmitir o
caráter exaustivo daquele processo, pois pulamos de um momento a outro dele sem
paradas de descanso, e paralelamente nos desvincula das vidas pessoais daquelas
figuras – o que não quer dizer que ele as desumaniza. O que gera o efeito
desejado: a noção de imparcialidade jornalística, afinal, não importa a vida de
Mike (Mark Ruffalo), Robby (Michael Keaton), Matt (Crian d’Arcy James) ou Sacha
fora do jornal. Não importa para eles na hora de investigar e escrever a
matéria, não nos importa tanto como consumidores de jornalismo quanto como
espectadores, e não deveria importar para nenhum jornalista na prática.
E ainda assim, McCarthy faz
questão de mostrar a forte influência religiosa com que o grupo lidou (e que qualquer um em sua posição em qualquer lugar do mundo teria de lidar),
deixando visível em quase todas as cenas algum símbolo cristão ou mesmo as
quase onipresentes igrejas, que por vezes surgem como construções opressoras
que se impõe sobre os personagens e os cenários em torno deles, e noutras como espiãs, espreitando atrás de uma esquina ou por cima dos telhados. E é
interessante como nesse ponto, a obra e o seu tema parecem se refletir também,
pois exige-se ao menos alguma coragem para se tocar em feridas de uma das mais
influentes organizações no planeta. Mas Spotlight
é inteligente o suficiente para aproveitar a chance de estender a sua crítica
para além do catolicismo, e embora os atentados de 11 de setembro tenham
acontecido de fato no meio das investigações, sua interferência no trabalho dos
jornalistas não deixa de ser um memorando alarmante do quão destrutiva pode ser
qualquer religião, e que nenhuma está acima de ser criticada, analisada e
contestada.
O que me leva a retomar o arco de
Sacha, cujo desfecho com a avó pode ser melancólico em um nível pessoal, mas revelador
quando se coloca no meio social, demonstrando que muitas pessoas temem agir
contra as falhas que percebem em suas instituições religiosas porque são
convencidas de que todo o bem que elas exercem seria sacrificado em nome da
denúncia. O que já é um princípio falho por natureza, pois nenhum bem mínimo,
que poderia existir igualmente sem a religião, aliás, justifica qualquer mal
feito a outra pessoa, quanto mais esse exposto pelo The Boston Globe. E McCarthy faz bem ao constantemente enfocar os
membros do clero e seus defensores e advogados em ambientes luxuosos e
imponentes, enquanto as vítimas e os seus partidários normalmente ocupam casas
simples e escritórios pequenos e abarrotados de caixas e papéis que indicam sua
interminável tarefa de provar a verdade.
Remetendo diretamente a Todos os Homens do Presidente, o
longa-metragem aqui tem também como trunfo um elenco entrosado e que sabe
ocupar os seus espaços. E se Mark Ruffalo se destaca com modos deselegantes e
apressados, e Michael Keaton pela postura de liderança, Rachel McAdams e Liev
Schreiber conquistam mais através de performances contidas, enquanto Stanley
Tucci demonstra a impaciência correta de quem já lida com o caso há anos. E é
interessante, aliás, também notar que, assim como uma matéria, Spotlight não se preocupa em usar
imagens dos abusos para chocar, não deixando, porém, de descrevê-las e deixar
bem claro a natureza revoltante daqueles atos. E assistir aos efeitos que eles têm
em suas vítimas anos depois acaba sendo mais eficiente em transmitir a
brutalidade de um abuso infantil, do que realmente seria encenar um. Em suma,
tal qual a reportagem do The Boston Globe,
o filme de Tom McCarthy é um exemplo de bom jornalismo, e de um que é relevante. Assim como, enquanto denúncia, serve também para incentivar o debate e a
crítica a uma instituição que tem ao seu lado como melhor recurso, a convenção
social de ser incriticável.
NOTA: 9/10
Sua resenha é muito boa! Eu achei muito completa. En também gostei deste filme. A verdade Spotlight me surpreendeu. Mais que filme de drama, é um filme de suspense, todo o tempo tem a sua atenção e você fica preso no sofá. Super interessante e com um grande elenco! Este filme é um dos trabalhos na Michael Keaton filmografia que eu mais gosto até agora. É algo muito diferente ao que estávamos acostumados a ver. Vale muito à pena, é um dos melhores do seu gênero. Além, tem pontos extras por ser uma historia criativa. Se vocês são amantes do trabalho do ator este é um filme que não devem deixar de ver.
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