quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

SPOTLIGHT - SEGREDOS REVELADOS


É natural que ao acompanhar, fiel, o trabalho dos jornalistas do The Boston Globe, Spotlight – Segredos Revelados acabe refletindo em seu andamento o ritmo da investigação realizada pelos protagonistas. Dessa forma, o longa-metragem acaba sendo eficiente tanto como denúncia, ao abordar a história que descortinou inúmeros casos de abuso sexual infantil dentro da Igreja Católica – e nisso entra também a reflexão sobre o papel social do jornalismo – quanto também como um reflexo do que deveria ser a profissão.


Note, por exemplo, como as famílias dos jornalistas raramente são mostradas ou comentadas, sendo exceção a avó católica de Sacha (Rachel McAdams), que por sua vez exerce a função de sensibilizar o espectador em relação àqueles que encontram conforto na religião. Ora, ao nos mostrar somente a faceta profissional daqueles indivíduos o tempo inteiro, o diretor Tom McCarthy por um lado consegue transmitir o caráter exaustivo daquele processo, pois pulamos de um momento a outro dele sem paradas de descanso, e paralelamente nos desvincula das vidas pessoais daquelas figuras – o que não quer dizer que ele as desumaniza. O que gera o efeito desejado: a noção de imparcialidade jornalística, afinal, não importa a vida de Mike (Mark Ruffalo), Robby (Michael Keaton), Matt (Crian d’Arcy James) ou Sacha fora do jornal. Não importa para eles na hora de investigar e escrever a matéria, não nos importa tanto como consumidores de jornalismo quanto como espectadores, e não deveria importar para nenhum jornalista na prática.

E ainda assim, McCarthy faz questão de mostrar a forte influência religiosa com que o grupo lidou (e que qualquer um em sua posição em qualquer lugar do mundo teria de lidar), deixando visível em quase todas as cenas algum símbolo cristão ou mesmo as quase onipresentes igrejas, que por vezes surgem como construções opressoras que se impõe sobre os personagens e os cenários em torno deles, e noutras como espiãs, espreitando atrás de uma esquina ou por cima dos telhados. E é interessante como nesse ponto, a obra e o seu tema parecem se refletir também, pois exige-se ao menos alguma coragem para se tocar em feridas de uma das mais influentes organizações no planeta. Mas Spotlight é inteligente o suficiente para aproveitar a chance de estender a sua crítica para além do catolicismo, e embora os atentados de 11 de setembro tenham acontecido de fato no meio das investigações, sua interferência no trabalho dos jornalistas não deixa de ser um memorando alarmante do quão destrutiva pode ser qualquer religião, e que nenhuma está acima de ser criticada, analisada e contestada.

O que me leva a retomar o arco de Sacha, cujo desfecho com a avó pode ser melancólico em um nível pessoal, mas revelador quando se coloca no meio social, demonstrando que muitas pessoas temem agir contra as falhas que percebem em suas instituições religiosas porque são convencidas de que todo o bem que elas exercem seria sacrificado em nome da denúncia. O que já é um princípio falho por natureza, pois nenhum bem mínimo, que poderia existir igualmente sem a religião, aliás, justifica qualquer mal feito a outra pessoa, quanto mais esse exposto pelo The Boston Globe. E McCarthy faz bem ao constantemente enfocar os membros do clero e seus defensores e advogados em ambientes luxuosos e imponentes, enquanto as vítimas e os seus partidários normalmente ocupam casas simples e escritórios pequenos e abarrotados de caixas e papéis que indicam sua interminável tarefa de provar a verdade.

Remetendo diretamente a Todos os Homens do Presidente, o longa-metragem aqui tem também como trunfo um elenco entrosado e que sabe ocupar os seus espaços. E se Mark Ruffalo se destaca com modos deselegantes e apressados, e Michael Keaton pela postura de liderança, Rachel McAdams e Liev Schreiber conquistam mais através de performances contidas, enquanto Stanley Tucci demonstra a impaciência correta de quem já lida com o caso há anos. E é interessante, aliás, também notar que, assim como uma matéria, Spotlight não se preocupa em usar imagens dos abusos para chocar, não deixando, porém, de descrevê-las e deixar bem claro a natureza revoltante daqueles atos. E assistir aos efeitos que eles têm em suas vítimas anos depois acaba sendo mais eficiente em transmitir a brutalidade de um abuso infantil, do que realmente seria encenar um. Em suma, tal qual a reportagem do The Boston Globe, o filme de Tom McCarthy é um exemplo de bom jornalismo, e de um que é relevante. Assim como, enquanto denúncia, serve também para incentivar o debate e a crítica a uma instituição que tem ao seu lado como melhor recurso, a convenção social de ser incriticável.



NOTA: 9/10

   

Um comentário:

  1. Sua resenha é muito boa! Eu achei muito completa. En também gostei deste filme. A verdade Spotlight me surpreendeu. Mais que filme de drama, é um filme de suspense, todo o tempo tem a sua atenção e você fica preso no sofá. Super interessante e com um grande elenco! Este filme é um dos trabalhos na Michael Keaton filmografia que eu mais gosto até agora. É algo muito diferente ao que estávamos acostumados a ver. Vale muito à pena, é um dos melhores do seu gênero. Além, tem pontos extras por ser uma historia criativa. Se vocês são amantes do trabalho do ator este é um filme que não devem deixar de ver.

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