sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

JOY: O NOME DO SUCESSO


David O. Russell é um bom diretor, embora seu filme mais conhecido seja também o mais fraco que já produziu, O Lado Bom da Vida. O mesmíssimo filme, aliás, costuma ser o motivo por trás dos detratores de Jennifer Lawrence, que muito pelo contrário do que dizem, é uma atriz competente. Isso, claro, não perdoa de maneira alguma a Academia por 1) ter reconhecido com um Oscar uma intérprete tão promissora quanto Lawrence por um papel pouco memorável em um filme que é na maior parte do tempo medíocre; e 2) por ter deixado de premiar Emmanuelle Riva naquele ano, que está brilhante em Amor. Explico tudo isso antes porque muita gente já espera por Joy: O Nome do Sucesso com pedras na mão. Aqui conhecemos a história real de Joy Mangano (Lawrence), que inventou um esfregão muito prático e tornou-se famosa como vendedora em canais de compras na televisão.


Ok, é verdade que ela não seria a atriz ideal para o papel. Estamos falando de uma mãe de dois filhos, divorciada há muitos anos e que já sustenta toda a sua família, incluindo o ex-marido, a mãe e agora também o pai. Mas tenho de defendê-la, ainda que Jennifer pareça mudar constantemente de tom em sua performance – para não dizer de personalidade -, já que isso  deve-se ao roteiro. “Bom, então o roteiro é ruim?”. Não, em primeira análise pode parecer desinteressante e truncado, algo do que biografias – e Joy trata-se de uma – sofrem recorrentemente, principalmente ao tratar de tantos momentos diferentes para a personagem e que realmente exigiriam interpretações distintas de seja lá quem fosse a atriz no lugar de Lawrence, e o único ponto negativo que ressalto no texto (escrito pelo próprio O. Russell), é que ele não dá espaço para as transições, não deixando que sua protagonista convença o púbico de que passou de uma mãe desesperada a uma inventora inquieta, e daí para uma aspirante a empresária e finalmente para uma detetive astuta capaz de se infiltrar em uma fábrica e descobrir planos malévolos convenientemente expostos. Ainda que, individualmente, a atriz se saia muito bem em cada um deles.

Não que esses eventos isolados sejam ruins, mesmo quando dramáticos ou convenientes demais, afinal, ao abrir seu filme com a cena de uma telenovela, David O. Russell já deixa claro que o seu objetivo será tratar a narrativa do filme como a de uma. Assim, não hesita em investir em uma sequência artificial de pesadelo que parece desenhar para o espectador os sentimentos da personagem título, por exemplo. Porém, sua abordagem não seria justificada se não fossem suas intenções com ela, já que novelas, por convenção, se tornaram um símbolo de alienação feminina, e usar dessa linguagem para contar a história de uma que perseverou e atingiu o sucesso, seria no mínimo estranho e potencialmente ofensivo. Entretanto, o filme já abre dizendo tratar-se de uma história real sobre mulheres ousadas, invertendo assim o que costuma acontecer nesses programas, mostrando através da mesma abordagem narrativa, um conto que dessa vez não trata de personagens femininas irreais, como as que magnetizam a mãe de Joy, fadadas a repetirem-se nas mesmas tramas de traição e infelicidade de novo e de novo e de novo. Não, dessa vez a protagonista vai fazer algo diferente, o marido aproveitador vai se revelar uma pessoa boa, e mesmo o pai opressor e a irmã invejosa se mostrarão dispostos a serem amigáveis, sem falar na madrasta rica e malvada, que será de grande ajuda. E tem grande significado, sobre a libertação desses estereótipos, o plano que traz três gerações diferentes de mulheres hipnotizadas pela telenovela - uma história que dura enquanto tiver público, mas que nunca muda - já que ao menos uma daquelas espectadoras irá se distanciar desses padrões perpetrados por esses produtos televisivos.

E é notável que os personagens masculinos vividos por Bradley Cooper, Robert De Niro e Edgar Ramírez se mostrem não só figuras fragilizadas, mas muitas vezes tratadas como objetos. “Eu vim devolvê-lo, não quero mais”, diz uma das namoradas de Rudy, pai da protagonista, como se falasse de uma compra mal-sucedida, tratamento que os homens poderão achar estranho e desconfortável, mas que infelizmente já é muito familiar às mulheres. Uma ideia que fica ainda mais interessante quando notamos que os intérpretes masculinos tendem a fugir do que seriam as intenções reais dos diálogos escritos por O. Russell, que os tornariam as figuras vilanescas ou dominadoras que costumam povoar as tais novelas. Desse modo, Cooper, depois de dizer que uma de suas vendedoras é a sua número um, logo após dirigir o mesmo elogio a um outro vendedor, parece menos um babaca mentiroso do que um chefe disposto a deixar todos felizes com os seus próprios trabalhos. Enquanto De Niro, em um momento particularmente desagradável para a Joy, tenta acalmar a filha sendo extremamente condescendente e revelando uma visão alarmante sobre ela – e por tabela, sobre as mulheres em geral - mas de uma maneira melancólica e culpada, como se realmente acreditasse que aquilo fosse consolá-la.

E o fato de que o filme, que claramente se posiciona como pró-feminista, tratar de uma mulher que fez fortuna vendendo esfregões (símbolos de subserviência das mulheres como donas de casa) não lhe serve como demérito. Primeiro porque a idéia do esfregão prático vem justamente de uma necessidade de Joy de livrar-se daquelas tarefas, e é flagrante que cheguemos a ver um homem tentando usá-lo mais de uma vez e fracassando. E segundo, porque não se trata de machismo mostrar algo que realmente aconteceu a uma mulher, desde que, claro, não se romantize o fato como algo ideal, e O. Russell faz questão de encenar todas as dificuldades encenadas pela protagonista – ainda que quase venha a se sabotar inserindo uma narração da avó de Joy, que não acrescenta nada ao filme, e na verdade, quase destrói todas as suas boas intenções.


NOTA: 6/10


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