De certa forma então, Um Homem Entre Gigantes se assemelha
muito ao recente Spotlight: SegredosRevelados, em que um time de jornalistas tenta provar que existiam casos recorrentes
de pedofilia dentro da Igreja Católica, que por sua vez tentava acobertá-los. E é sem
surpresa alguma que o primeiro apelo dos representantes dessas instituições em
ambos os filmes sejam bastante parecidos, apenas derivações de: “Nossa
instituição faz tanto bem, investe na sociedade local e ajuda os pobres,
denunciar algo tão horrível iria prejudicar esse trabalho, que tipo de pessoa é
você para querer atrapalhar um esforço tão admirável?”. Como se todo o bem exercido
justificasse os seus terríveis efeitos colaterais, e pior, como se todo o bem
exercido fosse, de fato, o objetivo primário dessas verdadeiras corporações,
que como qualquer empresa visa apenas manter-se lucrativa e poderosa.
Porém, se o vencedor do Oscar 2016 de
Melhor Filme abordava sua trama com objetividade e a imprescindível
imparcialidade jornalística, entendendo muito bem que a matéria e o conteúdo
dela tinham maior importância do que a vida e as crenças pessoais dos seus
autores, aqui isso não acontece. O longa estrelado por Will Smith até tenta
fazer algo no gênero, o que seria o ideal, ainda mais por se tratar
primeiramente de uma descoberta científica, mas equivocadamente parece tão
interessado em descortinar o caso do CTE (nome dado por Omalu ao trauma
cerebral), quanto a vida pessoal e as crenças do Doutor Bennet, correndo de um
lado para o outro sem conseguir ser eficiente em nenhum deles.
O que é perigoso para a
credibilidade do próprio filme, pois, como o protagonista deixa claro em alguns
momentos, foi a idealização do “sonho americano” que o levou a vir para a
América, e sua rotina, pessoal e profissional (leia-se: seus métodos) revelam
uma forte crença religiosa, o que é bastante ajustável aos valores
estadunidenses. Ou seja, a impressão com que se fica da obra é: um africano,
cujo maior sonho era ser americano (ele realmente DIZ isso no filme), consegue,
através do modo ocidental, branco e católico de ser, fazer uma grande
descoberta na medicina. É a imagem mais forte que temos ao longo de toda a
duração de Um Homem Entre Gigantes,
que, sim, tenta inserir momentos em que Smith fala sobre a sua desilusão com o sistema
político daquele país, ou se recusa a assistir televisão (um dos costumes que melhor definem o estereótipo americano), e mesmo quando lista suas
impressionantes formações e especializações. Porém, são episódios passageiros
que são engolidos por outras falas que denunciam sua profunda religiosidade (sempre
incompatível com o pensamento científico) e até mesmo outras que voltam a
afirmar sua persistência no american
dream, levando a um desfecho que diz algo como: “Temos ainda grandes
problemas para resolver, mas esse é o modo com que nos tornamos americanos”.
Enquanto isso, o que deveria ser o
único e principal foco do roteiro se dilui. É como se o filme tentasse
justificar o fato de os Estados Unidos continuar permitindo a existência de um
esporte que causa danos cerebrais fatais cientificamente comprovados, através
da “inspiração” que o país supostamente gera em outras nações pelo mundo, sendo
a obra em si, desse ponto de vista, nada diferente da NFL ou da Igreja Católica
em Spotlight: Segredos Revelados. “Somos
tão bons, fazemos tanto bem! Jovens jogadores de football morrendo em uma arena
para divertir o público, como gladiadores, são apenas um efeito colateral
inconveniente, por favor, não prestem muita atenção nisso”.
Mas isso é uma impressão geral
que fica da condução problemática do projeto, que por outro lado, conta com uma
performance adequada de Will Smith, que consegue superar a caricatura do
sotaque e entregar um personagem que realmente soa fragilizado e ainda ingênuo,
sendo ajudado também pelo centro moral representado por Albert Brooks, e pelo design de produção, que, novamente, seguindo a mesma
lógica de Spotlight, coloca seu herói
em ambientes escuros e humildes, o que contrasta com aqueles habitados pelos “vilões”,
opulentos, abertos e bem iluminados. São, porém, apenas raros momentos corretos
em um filme que desentende o próprio potencial de relevância e se perde
tentando agradar gregos e troianos. Ou, melhor, americanos e americanos.
NOTA: 5/10
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