quinta-feira, 3 de março de 2016

UM HOMEM ENTRE GIGANTES


Em 2002, ao fazer a autópsia de um ex-jogador de football americano, o Doutor Bennet Omalu, um nigeriano que mudara-se para os Estados Unidos em busca de melhores recursos e maiores oportunidades, descobre que o corpo apresenta um cérebro sem quaisquer indicações visíveis da causa da demência e problemas cognitivos que precederam a morte súbita do esportista. Financiando a própria pesquisa, Omalu descobriu que havia no tecido cerebral um acúmulo de proteínas similares a do Alzheimer, e mais tarde, que esse fenômeno era causado pelo impacto da cabeça dos jogadores dentro dos capacetes de football. Ao publicar o estudo, o estrangeiro foi imediatamente rechaçado pela poderosa NFL (National Football League), e passou a ser odiado por quase todos os fãs do esporte pelo mundo durante o processo de tentar provar que a instituição estava encobrindo um problema crônico que já acontecia há muito tempo, e que continua a existir ainda hoje.

De certa forma então, Um Homem Entre Gigantes se assemelha muito ao recente Spotlight: SegredosRevelados, em que um time de jornalistas tenta provar que existiam casos recorrentes de pedofilia dentro da Igreja Católica, que por sua vez tentava acobertá-los. E é sem surpresa alguma que o primeiro apelo dos representantes dessas instituições em ambos os filmes sejam bastante parecidos, apenas derivações de: “Nossa instituição faz tanto bem, investe na sociedade local e ajuda os pobres, denunciar algo tão horrível iria prejudicar esse trabalho, que tipo de pessoa é você para querer atrapalhar um esforço tão admirável?”. Como se todo o bem exercido justificasse os seus terríveis efeitos colaterais, e pior, como se todo o bem exercido fosse, de fato, o objetivo primário dessas verdadeiras corporações, que como qualquer empresa visa apenas manter-se lucrativa e poderosa.

Porém, se o vencedor do Oscar 2016 de Melhor Filme abordava sua trama com objetividade e a imprescindível imparcialidade jornalística, entendendo muito bem que a matéria e o conteúdo dela tinham maior importância do que a vida e as crenças pessoais dos seus autores, aqui isso não acontece. O longa estrelado por Will Smith até tenta fazer algo no gênero, o que seria o ideal, ainda mais por se tratar primeiramente de uma descoberta científica, mas equivocadamente parece tão interessado em descortinar o caso do CTE (nome dado por Omalu ao trauma cerebral), quanto a vida pessoal e as crenças do Doutor Bennet, correndo de um lado para o outro sem conseguir ser eficiente em nenhum deles.

O que é perigoso para a credibilidade do próprio filme, pois, como o protagonista deixa claro em alguns momentos, foi a idealização do “sonho americano” que o levou a vir para a América, e sua rotina, pessoal e profissional (leia-se: seus métodos) revelam uma forte crença religiosa, o que é bastante ajustável aos valores estadunidenses. Ou seja, a impressão com que se fica da obra é: um africano, cujo maior sonho era ser americano (ele realmente DIZ isso no filme), consegue, através do modo ocidental, branco e católico de ser, fazer uma grande descoberta na medicina. É a imagem mais forte que temos ao longo de toda a duração de Um Homem Entre Gigantes, que, sim, tenta inserir momentos em que Smith fala sobre a sua desilusão com o sistema político daquele país, ou se recusa a assistir televisão (um dos costumes que melhor definem o estereótipo americano), e mesmo quando lista suas impressionantes formações e especializações. Porém, são episódios passageiros que são engolidos por outras falas que denunciam sua profunda religiosidade (sempre incompatível com o pensamento científico) e até mesmo outras que voltam a afirmar sua persistência no american dream, levando a um desfecho que diz algo como: “Temos ainda grandes problemas para resolver, mas esse é o modo com que nos tornamos americanos”.

Enquanto isso, o que deveria ser o único e principal foco do roteiro se dilui. É como se o filme tentasse justificar o fato de os Estados Unidos continuar permitindo a existência de um esporte que causa danos cerebrais fatais cientificamente comprovados, através da “inspiração” que o país supostamente gera em outras nações pelo mundo, sendo a obra em si, desse ponto de vista, nada diferente da NFL ou da Igreja Católica em Spotlight: Segredos Revelados. “Somos tão bons, fazemos tanto bem! Jovens jogadores de football morrendo em uma arena para divertir o público, como gladiadores, são apenas um efeito colateral inconveniente, por favor, não prestem muita atenção nisso”.

Mas isso é uma impressão geral que fica da condução problemática do projeto, que por outro lado, conta com uma performance adequada de Will Smith, que consegue superar a caricatura do sotaque e entregar um personagem que realmente soa fragilizado e ainda ingênuo, sendo ajudado também pelo centro moral representado por Albert Brooks, e pelo design de produção, que, novamente, seguindo a mesma lógica de Spotlight, coloca seu herói em ambientes escuros e humildes, o que contrasta com aqueles habitados pelos “vilões”, opulentos, abertos e bem iluminados. São, porém, apenas raros momentos corretos em um filme que desentende o próprio potencial de relevância e se perde tentando agradar gregos e troianos. Ou, melhor, americanos e americanos.


NOTA: 5/10  


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