Tentando recriar o sucesso Disney/Marvel
que resultou na franquia Os Vingadores,
a Warner/DC colocou sobre os ombros dessa nova produção não apenas a
responsabilidade de dar continuidade a história do Superman, mas também a de
configurar o cenário para o surgimento da sua própria equipe de supers, a Liga
da Justiça. Entretanto, se Zack Snyder era bem sucedido com uma trama que era focada no
protagonista em O Homem de Aço, já
que, apesar de ser um cineasta visualmente muito interessante, sempre demonstrou que é tematicamente imaturo e sempre
dependente de roteiros que compensem essa sua clara falta de densidade, aqui em
Batman vs Superman ele sede sob o
peso de tantos personagens e intenções (narrativas e comerciais), cometendo em
apenas um filme todos os tropeços que a Disney/Marvel pode distribuir em vários
deles. Assim, embora funcione (e o saldo final é estranhamente positivo), o
longa-metragem alcança isso aos trancos, fomentando e abandonando discussões
interessantes, tentando encaixar e dar importância a personagens que por vezes
parecem deslocados ou até perdidos em cena, enquanto ainda aposta em muletas
narrativas para desenvolver figuras que, de outra forma, se estabeleceriam sem
precisar delas, gerando tanta confusão que um ritmo e até mesmo o objetivo do
antagonista são quase impossíveis de serem identificados.
O que não seria possível dizer
com o promissor início do filme, que aproveita a trágica e famosa cena da morte
do casal Wayne para servir de plano de fundo dos créditos iniciais, momento em
que Snyder já demonstra seu apuro visual para criar belíssimas e orgânicas
composições de quadro. Mantendo o nível, emenda-se a essa uma sequência que
explora o ponto de vista de Bruce Wayne (Ben Affleck) sobre a luta do clímax em
O Homem de Aço, o que serve para corrigir
uma falha do longa anterior, que parecia ignorar a enorme perda de vidas
humanas na apocalíptica batalha entre o General Zod (Michael Shannon) e
Superman (Henry Cavill). Deste modo, o filme usa o personagem de Affleck para
criar vínculos com as vítimas do incidente, e dedica boa parte do seu primeiro
ato e meio a discussão do impacto do super ser em um mundo que, para ele, é
como se fosse feito de papelão.
A trama então gira em torno
basicamente de 3 figuras, ainda que, como discuto adiante, tente abraçar sem
sucesso muitas mais. Enquanto Wayne, velho e endurecido pelo tempo de atuação
como Batman, parece cada vez mais inescrupuloso com seus métodos e convencido
de que aniquilar o Homem de Aço é a única forma segura de se prevenir contra
futuros desastres, o próprio Superman enfrenta seus dilemas pessoais, por um
lado sendo contestado publicamente pela senadora Finch (Holly Hunter) acerca da
sua liberdade de ação através do julgamento próprio, e por outro, experimentando
um distanciamento crescente da espécie da qual sempre quis se sentir parte,
justamente, talvez, por se esforçar tanto para salvá-la. Por trás das cortinas,
porém, outro excêntrico ricaço, Lex Luthor (Jesse Eisenberg), maquina para
colocar esses dois guerreiros tão distintos um contra o outro, ao passo que,
paralelamente, desenvolve um plano B envolvendo os restos da batalha em
Metrópolis.
Já seria uma tarefa extremamente
difícil desenvolver e costurar os arcos de tantos personagens, ainda assim, Chris
Terrio e David S. Goyer (que já virou figura carimbada em adaptações da DC)
tentam dar “tarefas” para Lois Lane (Amy Adams) e Diana Prince (Gal Gadot), que
mal é introduzida e dificilmente poderia se dizer que ganha mais do que uma
aparição glorificada como heroína, já que seu aprofundamento é nulo, surgindo
mais como um cartaz ambulante de “Filme da Mulher Maravilha em breve!”, do que
sequer como elemento da trama. Em Lane, por outro lado, é investida uma boa
parcela de texto enfocando sua investigação em torno de um estranho incidente
no deserto, que o tempo inteiro parece apontar para algo que todo mundo já
sacou desde o início: Lex Luthor é o vilão desse filme (dãã). E chegam a ser
vergonhosas as decisões de Goyer e Terrio em relação à personagem durante o
clímax, quando então ela é reduzida a pessoa mais tapada do universo DC ao se
livrar de um objeto importante sem razão alguma, apenas para perceber um minuto
mais tarde que ele era essencial para a vitória do seu amado. Da mesma forma,
os pesadelos de Bruce Wayne acrescentam um tanto desnecessário na inchada
duração (151 minutos), já que Affleck faz mais do que um trabalho competente
compondo o bilionário como um homem cujo olhar passou a carregar com a idade uma
frieza inexpugnável, sugerindo com eficácia as suas perturbações
internas e, portanto, tornando dispensável que elas fossem ilustradas em tela,
o que, além de tudo, ainda quebra gravemente o ritmo do filme toda a vez.
Um sentimento que é agravado pela
constante falta de foco da trama, que numa hora parece querer discutir as consequências
políticas da existência do Superman, e noutra jogar pra frente a trama que vai
colocar ele e Batman um contra o outro. Ainda mais adiante, se dispõe a apresentar
elementos que adiantam caminho para a Liga da Justiça, e por fim, parece se
interessar apenas em criar cenas de ação confusas, que assim o são por causa da fotografia escura, dos cortes rápidos e de um cenário sem referências de localização que não sejam os múltiplos focos de incêndio. Aliás, o clímax todo poderia
ser considerado o maior erro do filme, e é óbvia e, por isso mesmo, patética a tentativa
de Snyder e companhia de amenizarem uma nova sequência de destruições
desproporcionais - que poderia caracterizar um novo gênero, o Fetichismo Catástrofe,
e Roland Emmerich seria um praticante assíduo! - buscando tranquilizar o espectador através de diversos personagens que não
cansam de informar que os locais destroçados pelas lutas são desabitados e
logo, não resultam em vítimas para serem sentidas no próximo filme. Assim, surgem diálogos que expõe coisas como: “estão a uma altura em que uma explosão
não teria casualidades”, ou “essa ilha é deserta” e ainda “o porto de Gotham
é abandonado”.
Embora com tantas falhas, existem,
entretanto, bons momentos nessa última parte, como a prometida luta do título,
o surgimento da Mulher Maravilha em ação (sob uma trilha inspirada do sempre
ótimo Hans Zimmer) e a união de três figuras improváveis contra um vilão sem
precedentes – cof cof, quis dizer “sem precedentes”, com as aspas, já que
Apocalipse é tudo, menos original, surgindo como um monstro concebido sem
imaginação e cuja maior ameaça que oferece é ser grande e forte, um daqueles
detalhes que erram por serem fiéis ao material de origem. O que encontra um
contra-ponto interessante na figura de Lex Luthor, que Jesse Eisenberg afasta
das versões das HQs ao conceber o vilão como um sociopata enérgico e
caricatural, o que não é nenhum crime, mesmo com todas as suas muletas de
atuação, mas que simplesmente diverge da visão que o próprio filme parece ter
do personagem, o que pode ser notado na trilha de Zimmer, que abandona os tons
melancólicos ou urgentes do resto da duração para investir em um tema mais
descontraído para o algoz, o que causa uma
estranheza cômica, sugerindo mais a pegada que exibira nas composições que fez
para Rango, por exemplo, exemplar de animação deslocadamente divertido. Para piorar, os
objetivos do antagonista jamais ficam claros. Por que ele queria colocar Batman
contra o Superman? Se era para expor o Homem de Aço, por que criar Apocalipse? E
se Apocalipse era a “apólice de seguro” dele contra uma retaliação de Clark
Kent, como ele pretendia se livrar do monstrengo depois? Porque, do jeito que
está, parece que Lex se beneficiou muito mais com seus planos dando errado do
que teria se eles tivessem sido bem-sucedidos.
Então, o ponto forte acaba sendo
mesmo o Bruce e o Clark de Affleck e Cavill. E quando chega o esperado embate,
até mesmo Snyder parece se concentrar mais e dar atenção especial a cada plano,
algo que ele parece disperso demais no resto da duração para conseguir, criando
cenas de ação que raramente são compreensíveis ou interessantes de se assistir –
o que é uma pena tendo em vista que já comentei sobre o apuro visual que o
cineasta normalmente exibe. Porém, a tal luta é intensa, bem orquestrada e
demonstra muito bem o poderio que cada uma das partes têm, e é um resultado
catártico para dois arcos bastante magnéticos. As jornadas individuais dos dois
heróis, aliás, são infinitamente mais imersivas do que o todo que os rodeia, já que,
embora intensa, a discussão no capitólio e na mídia sobre o Superman (em
referência ao Cavaleiro das Trevas de
Frank Miller) se perdem quando parecem que vão engrenar, e o “plano” (de novo,
existe um?) de Lex serve apenas para que o projeto concretize um acontecimento
que perde todo o peso já no momento em que acontece, uma vez que sabemos que nem
o filme ou o estúdio responsável por ele irão assumi-lo de fato, o que só é
comprovado pelo plano final de Batman vs
Superman. Uma produção que, perde tanto tempo em alguns recursos e
economiza tanto em outras possibilidades promissoras que chega a ser difícil
encontrar razões para citar as participações de Diane Lane, Laurence
Fishburne (alívio cômico), Holly Hunter (correta) e Jeremy Irons, ainda que
esse último se beneficie de sua persona para interpretar o icônico mordomo
Alfred. No apanhado final, não é um filme que chateia ou incomoda, seus acertos
garantem que sobreviva a análise, mas tampouco sai dela como o grande filme que
quase chega a ser.
NOTA: 7/10
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