sexta-feira, 30 de setembro de 2016

O LAR DAS CRIANÇAS PECULIARES


É triste perceber que os méritos dos filmes de Tim Burton têm cada vez menos a ver com o fato de serem dirigidos por Tim Burton. Vindo do medíocre e completamente inexpressivo Grandes Olhos (que pelo resultado final, poderia ter sido feito por qualquer um), o distinto realizador encontra aqui outra história que discorre sobre suas temáticas favoritas, a mistura de morbidez e bom humor e o deslocamento de figuras centrais em um mundo sombrio e caricato. Porém, se por um lado Burton parece perseguir protagonistas que se encaixem nesses quesitos, por outro, é com tristeza que o vemos se tornar cada vez mais burocrático ao dirigir suas tramas.


Adaptado do livro homônimo de Ransom Riggs, O Lar das Crianças Peculiares centra-se em Jake (Asa Butterfield), o típico “herói” de um filme do responsável por Edward Mãos-de-Tesoura: um jovem pálido e de modos diferentes, vítima de deboches por sua timidez, e que guarda sua sensibilidade para assuntos pessoais, como no caso, para com a relação com o avô, Abe (Terence Stamp). Desde que era pequeno, o idoso lhe conta histórias sobre um orfanato em uma ilha distante, onde moram crianças com dons especiais sob os cuidados de uma tal Srta. Peregrine (Eva Green). Depois que Abe é atacado e morto de forma estranha, Jake decide ir em busca do tal lugar, e descobre que seu avô sempre dissera a verdade. Entretanto, as crianças estão em perigo por causa de monstros sanguinários que se alimentam dos olhos dos chamados “peculiares”.

Partindo então de uma premissa criativamente macabra, e que ainda acarreta viagens no tempo como um recurso da trama, o roteiro é extremamente eficaz em manter o espectador interessado nos novos conceitos apresentados a cada cena. E é realmente notável como a roteirista Jane Goldman (que tem em seu invejável currículo os textos de Stardust, Kick-Ass, X-Men: Primeira Classe e Kingsman) prefere distribuir as descobertas ao longo da trama, ao invés de amontoa-las todas no primeiro ato, mantendo uma constante tensão e tom de suspense. Mesmo Burton tem seus acertos nesse aspecto, e sua familiaridade para criar imagens assustadoras e, paralelamente, cômicas, acabam gerando pontos chave de magnetismo, como aquele em torno de um cadáver sem olhos, outra envolvendo uma luta entre dois “brinquedos” (realizada com um saudoso e competente stop motion), e ainda toda uma sequência dentro de um navio naufragado.

Na maior parte do tempo, entretanto, o cineasta parece mais atrapalhar do que ajudar os nomes competentes de que se cerca. Basta notar, por exemplo, como a condução esquemática de Burton prejudica o trabalho do ótimo diretor de fotografia Bruno Delbonnel (responsável pelas primorosas fotografias de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, Harry Potter e o Enigma do Príncipe e Inside Llewyn Davis), que por sua vez consegue apenas eventualmente imprimir em tela a sua fantástica dosagem de luzes difusas, sombras profundas e cores fantasmagóricas. Enquanto isso, Colleen Atwood, habitual colaboradora do realizador, cria figurinos que tanto se referenciam no gênero do horror (note especialmente as roupas dos gêmeos), quanto nas características de seus dons – e novamente, Burton parece incapaz de criar um quadro que nos permita apreciar a combinação do delicado vestido azul de Emma (Ella Purnell) com os grotescos sapatos feitos de chumbo que a impedem de sair flutuando.

Responsável ainda por desperdiçar uma ideia inusitada de clímax em aborrecidas e problemáticas cenas de ação, o diretor não consegue nem mesmo manter uma coerência interna – se no primeiro ato aposta em planos centralizados que pulam abrupta e comicamente entre um take e outro, gerando estranheza e humor, mais adiante deixa esse e qualquer outro recurso narrativo de lado sem nenhuma boa razão. Sempre irregular na condução de seus atores, Burton também falha ao extrair de Asa Butterfield (que aparentemente congelou em Hugo Cabret) o carisma necessário para sustentar a trajetória de Jake (o que já tinha ocorrido em Alice no País das Maravilhas), que por consequência, acaba dependendo do magnetismo exercido por figuras como a enérgica Srta. Peregrine de Eva Green ou o cartunesco vilão Barron de Samuel L. Jackson.

Muito mais então por causa da criatividade de suas ideias, do que pelo famoso nome que ocupa a sua cadeira de direção, O Lar das Crianças Peculiares sobrevive como um passatempo divertido. E apesar de possuir alguns toques macabros pessoais de Tim Burton, o filme falha justamente naquilo que já foi um dos maiores atributos desse cineasta: ser, ele mesmo, peculiar.



NOTA: 6/10


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