quinta-feira, 19 de junho de 2014

COMO TREINAR O SEU DRAGÃO 2




Um dos problemas que afligem animações produzidas por grandes estúdios é o seu compreensível medo de serem muito sombrias ou pesadas para crianças, muitas vezes sacrificando a densidade e profundidade de suas histórias em piadas bobas e roteiros que buscam simplificar demasiadamente suas tramas, confundindo neste caso os jovens espectadores com seres mentalmente incapazes de compreendê-las. Nesse quesito, após um longa empolgante e carismático, era admirável que Como Treinar o seu Dragão fosse ousado o suficiente para amputar um membro de seu protagonista, transgredindo um mandamento essencial de produções do gênero: jamais alterar permanentemente seus personagens principais, seja em design ou personalidade. Woody pode perder um braço em Toy Story 2, mas eventualmente ele o recupera. Elsa pode ser excessivamente dura em sua decisão de manter a irmã distante em Frozen, mas acaba percebendo seu erro. Soluço não, perde a perna definitivamente, em uma bela e trágica rima visual do que havia causado ao próprio amigo dragão, Banguela. Bonito e justo, não? Uma bela lição a se passar de maneira inteligente para crianças, e que o público mais “vivido” poderia curtir pela maturidade. Pois esta continuação parece perceber a força do que fora feito anteriormente e infelizmente extrapola no uso deste artifício a ponto de deixá-lo banal – amputações se tornaram algo comum entre homens e dragões - ainda que volte a acertar na trama que novamente se mostra divertida e carismática, ousando outra vez no mesmo ponto, só que de outra maneira; agora seus personagens estão mais velhos, e o filme não tenta esconder isso em suas concepções.


Alguns anos depois dos eventos do longa anterior, Soluço (Jay Baruchel), com a ajuda alada de Banguela, encontra-se na missão de mapear o mundo fora de seu vilarejo, que por sua vez, agora encontra-se convivendo amigavelmente com os dragões que antes temiam. Até mesmo Stoick (Gerard Butler) tem a sua própria montaria draconiana, e não envergonha-se mais das trapalhadas do filho, pelo contrário, deseja fazê-lo líder da comunidade futuramente em seu lugar. Algo que o nosso protagonista rejeita terminantemente, sendo forçado porém, a assumir certas responsabilidades quando a preciosa convivência que lutou tanto para criar é ameaçada pelo despótico Drago (Djimon Hounsou), um vilão amargurado e ferrenho na tarefa de criar um exército de dragões com que possa subjulgar os demais reinos Vikings.


Voltando para a cadeira de direção – pela primeira vez sozinho e longe de seu colega Chris Sanders, que preferiu dirigir o eficiente Os Croods - Dean DeBlois, que já ocupou o mesmo cargo admiravelmente no ótimo Lilo & Stitch e no antecessor deste projeto, já começa acertando no visual de seus personagens, que fazem jus aos anos ganhos e se mostram não mais crianças, mas adolescentes e pré-adultos corpulentos e de feições mais sérias. Jogada arriscada que poderia e ainda pode custar o cativo de centenas de pequenos espectadores que esperam reencontrar o doce Soluço de volta em sua forma original. Aliás, em questões de concepções visuais, Dragão 2 é um espetáculo; distante da bela simplicidade que compunha o primeiro filme, aqui uma fortaleza de gelo e embarcações elaboradas fazem parte do belíssimo design de produção, que ainda por cima é fotografado com tonalidades de luz muito bem trabalhadas nos degrades luminosos que denunciam o óbvio envolvimento como consultor do sempre genial Roger Deakins. Em certo momento, sua participação é praticamente homenageada quando o nosso herói é visto em um cenário escuro e cinzento, mas em contraste contra uma fogueira ao fundo, tal qual a ideia por trás do clímax de 007: Operação Skyfall. Além disso, todo esse deslumbre visual é palco para boas sequências de ação embaladas pela presente e ótima trilha de John Powell.


Uma pena então que, apesar de trazer de novo para a pauta o assunto de preservação dos animais e o desastroso contato desses com o homem que insiste em escravizá-los, o projeto aborde o tema de maneira repetida ao mostrar como um dragão aqui teve uma perna amputada ou uma asa comprometida, enquanto um humano ali não tem um braço ou coisa assim, tornando as amputações dos próprios Soluço e Banguela muito menos relevantes do que antes pareciam ser. Mas esta banalização do tema de certa forma é compensada pelo crescimento exponencial da gama de novos dragões que vemos desfilar em tela, todos de design interessante e inventivo. E mesmo que o filme nada diga sobre isso, é possível perceber apenas pelas suas diferenças corpóreas que tratam-se de animais adaptados para diferentes ambientes, e os grandes e gordos de bocas largas que transformam-se em eficientes fogueiras quando necessário, são claramente pertencentes ao clima frio do extremo norte, por exemplo. Enquanto o gigantesco Alfa que cospe gelo, ganha feições sérias, porém, sábias, condizendo com a sua posição de líder de uma resistência.



Mesmo Banguela, cujo desenho foi pensado para ser uma mistura interessantíssima de beleza e perigo, ganha novas características físicas e psicológicas – chega-se a referenciar Godzilla com uma dessas novas adições - que o tornam bem mais do que apenas um bicho legal de se ver protagonizando uma cena de ação, mas um personagem completo. Algo de que o vilão Drago não pode se gabar, uma vez que suas motivações são mal apresentadas e até desinteressantes, comuns. Pelo menos Stoick, que também ganha traços mais envelhecidos, volta a ter destaque como o pai de Soluço, algo que felizmente se mostra necessário para a resolução da trama, inclusive ganhando um inesperado par romântico que, enfim, sem revelar spoilers – ainda que o trailer o faça – além de sensibilizar o espectador em sua causa, também possuí vestimentas inventivas. E tal como o resto do filme, essas deslumbram os olhos, ao passo em se colocam à frente de uma produção que se não é melhor que a primeira investida naquele universo, é no mínimo de igual nível.


NOTA: 8/10




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