Um dos problemas que afligem
animações produzidas por grandes estúdios é o seu compreensível medo de serem
muito sombrias ou pesadas para crianças, muitas vezes sacrificando a densidade
e profundidade de suas histórias em piadas bobas e roteiros que buscam
simplificar demasiadamente suas tramas, confundindo neste caso os jovens
espectadores com seres mentalmente incapazes de compreendê-las. Nesse quesito,
após um longa empolgante e carismático, era admirável que Como Treinar o seu Dragão fosse ousado o suficiente para amputar um
membro de seu protagonista, transgredindo um mandamento essencial de produções
do gênero: jamais alterar permanentemente seus personagens principais, seja em
design ou personalidade. Woody pode perder um braço em Toy Story 2, mas eventualmente ele o recupera. Elsa pode ser
excessivamente dura em sua decisão de manter a irmã distante em Frozen, mas acaba percebendo seu erro.
Soluço não, perde a perna definitivamente, em uma bela e trágica rima visual do
que havia causado ao próprio amigo dragão, Banguela. Bonito e justo, não? Uma
bela lição a se passar de maneira inteligente para crianças, e que o público
mais “vivido” poderia curtir pela maturidade. Pois esta continuação parece
perceber a força do que fora feito anteriormente e infelizmente extrapola no
uso deste artifício a ponto de deixá-lo banal – amputações se tornaram algo
comum entre homens e dragões - ainda que volte a acertar na trama que novamente
se mostra divertida e carismática, ousando outra vez no mesmo ponto, só que de
outra maneira; agora seus personagens estão mais velhos, e o filme não tenta
esconder isso em suas concepções.
Alguns anos depois dos eventos do
longa anterior, Soluço (Jay Baruchel), com a ajuda alada de Banguela,
encontra-se na missão de mapear o mundo fora de seu vilarejo, que por sua vez,
agora encontra-se convivendo amigavelmente com os dragões que antes temiam. Até
mesmo Stoick (Gerard Butler) tem a sua própria montaria draconiana, e não
envergonha-se mais das trapalhadas do filho, pelo contrário, deseja fazê-lo líder da comunidade futuramente em seu lugar. Algo que o nosso protagonista rejeita
terminantemente, sendo forçado porém, a assumir certas responsabilidades quando
a preciosa convivência que lutou tanto para criar é ameaçada pelo despótico
Drago (Djimon Hounsou), um vilão amargurado e ferrenho na tarefa de criar um
exército de dragões com que possa subjulgar os demais reinos Vikings.
Voltando para a cadeira de
direção – pela primeira vez sozinho e longe de seu colega Chris Sanders, que
preferiu dirigir o eficiente Os Croods
- Dean DeBlois, que já ocupou o mesmo cargo admiravelmente no ótimo Lilo & Stitch e no antecessor deste
projeto, já começa acertando no visual de seus personagens, que fazem jus aos
anos ganhos e se mostram não mais crianças, mas adolescentes e pré-adultos
corpulentos e de feições mais sérias. Jogada arriscada que poderia e ainda pode
custar o cativo de centenas de pequenos espectadores que esperam reencontrar o
doce Soluço de volta em sua forma original. Aliás, em questões de concepções
visuais, Dragão 2 é um espetáculo; distante
da bela simplicidade que compunha o primeiro filme, aqui uma fortaleza de gelo e
embarcações elaboradas fazem parte do belíssimo design de produção, que ainda
por cima é fotografado com tonalidades de luz muito bem trabalhadas nos degrades
luminosos que denunciam o óbvio envolvimento como consultor do sempre genial
Roger Deakins. Em certo momento, sua participação é praticamente homenageada
quando o nosso herói é visto em um cenário escuro e cinzento, mas em contraste
contra uma fogueira ao fundo, tal qual a ideia por trás do clímax de 007: Operação Skyfall. Além disso, todo
esse deslumbre visual é palco para boas sequências de ação embaladas pela
presente e ótima trilha de John Powell.
Uma pena então que, apesar de
trazer de novo para a pauta o assunto de preservação dos animais e o desastroso
contato desses com o homem que insiste em escravizá-los, o projeto aborde o
tema de maneira repetida ao mostrar como um dragão aqui teve uma perna amputada
ou uma asa comprometida, enquanto um humano ali não tem um braço ou coisa assim,
tornando as amputações dos próprios Soluço e Banguela muito menos relevantes do
que antes pareciam ser. Mas esta banalização do tema de certa forma é
compensada pelo crescimento exponencial da gama de novos dragões que vemos
desfilar em tela, todos de design interessante e inventivo. E mesmo que o filme
nada diga sobre isso, é possível perceber apenas pelas suas diferenças
corpóreas que tratam-se de animais adaptados para diferentes ambientes, e os grandes
e gordos de bocas largas que transformam-se em eficientes fogueiras quando
necessário, são claramente pertencentes ao clima frio do extremo norte, por
exemplo. Enquanto o gigantesco Alfa que cospe gelo, ganha feições sérias,
porém, sábias, condizendo com a sua posição de líder de uma resistência.
Mesmo Banguela, cujo desenho foi
pensado para ser uma mistura interessantíssima de beleza e perigo, ganha novas
características físicas e psicológicas – chega-se a referenciar Godzilla com uma dessas novas adições - que
o tornam bem mais do que apenas um bicho legal de se ver protagonizando uma
cena de ação, mas um personagem completo. Algo de que o vilão Drago não pode se
gabar, uma vez que suas motivações são mal apresentadas e até desinteressantes,
comuns. Pelo menos Stoick, que também ganha traços mais envelhecidos, volta a
ter destaque como o pai de Soluço, algo que felizmente se mostra necessário
para a resolução da trama, inclusive ganhando um inesperado par romântico que,
enfim, sem revelar spoilers – ainda que o trailer o faça – além de sensibilizar
o espectador em sua causa, também possuí vestimentas inventivas. E tal como o
resto do filme, essas deslumbram os olhos, ao passo em se colocam à frente de
uma produção que se não é melhor que a primeira investida naquele universo, é
no mínimo de igual nível.
NOTA: 8/10
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