Com Amor, Simon não é um filme inteligente, complexo ou profundo, não tem um roteiro astuto ou uma direção sofisticada. É uma produção feita nos moldes mais batidos dos high school movies desde que eles se desdobraram das obras que John Hughes popularizou na década de 1980. Há mais de trinta anos que Curtindo a Vida Adoidado e Clube dos Cinco acumulam primos como 10 Coisas que Eu Odeio em Você, Meninas Malvadas e As Vantagens de ser Invisível. E esses são apenas alguns dos títulos que se destacaram em meio às dezenas de projetos similares lançados todos os anos, cheios de moral sobre amor, amizade e família - e o dilema de ser jovem e se descobrir mortal.
Chega a dar aquele déjà vu quando os créditos iniciais aqui já surgem embalados por uma musiquinha animada de elevador (daquelas que já enjoaram os jogadores de The Sims) enquanto o tal do Simon (Nick Robinson) vai narrando sua rotina como um adolescente no Ensino Médio. É possível prever ali, com uma hora e meia de antecedência, que o garoto vai se apaixonar, vai magoar seus amigos e depois encontrar uma maneira de conseguir seu perdão, saindo de cabeça erguida e com novas lições aprendidas.
Então por que raios precisamos de mais um filme saído dessa forminha de gelo?
Porque Com Amor, Simon é um filme sobre um adolescente gay saindo do armário, e isso faz toda a diferença.
Não estou dizendo que essa é uma temática inovadora. Pffff… nem perto disso. Indivíduos se descobrindo gays e flertando com seus primeiros desejos e atrações é provavelmente a pauta mais dissecada pelo Cinema LGBTQ - procurem por curtas sobre gays nos Youtube e nos Vimeo da vida e vão encontrar uma enxurrada de historinhas mais ou menos idênticas sobre o tema. Algumas fizeram tanto sucesso que viraram longas (caso de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho), formato que também já discorreu fartamente sobre a tal “saída do armário”, vide o delicado brasileiro Beira-Mar, ou até mesmo o vencedor do Oscar de Melhor Filme no ano passado, Moonlight. Filmes que, aliás, são infinitamente superiores a este Com Amor, Simon, que apesar disso, encontra justamente em sua “clichêzisse” uma justificativa para existir - afinal, Clichê é apenas outro modo de descrever algo que já funcionou.
O que acontece é: ainda que se façam muitos filmes bem mais sofisticados e ambiciosos sobre o assunto, também é verdade que esses títulos normalmente se limitam ao público de festivais, à aba “filmes LGBTQ” da Netflix ou aqueles raros espectadores que preterem o novo blockbuster da Marvel para assistir um projeto independente ou uma produção local. A homossexualidade (na verdade, qualquer orientação sexual ou identidade de gênero que não a cisgênero heterossexual) dificilmente encontra espaço em mídias de grande alcance ou em obras com uma linguagem mais acessível. Aí entra Com Amor, Simon, que adota esse formato de “filme família” sobre um garoto branco de classe média e seus dramas escolares e românticos do desabrochar sexual, além dos inerentes conflitos familiares - nada que vá chocar a família tradicional brasileira se estiver passando no meio da tarde de domingo na TV aberta.
E esse é o diferencial, né? Porque além disso, Com Amor, Simon é um filme que funciona. Sim, é tudo previsível e feito dentro das regrinhas que a gente já conhece, mas é um clichê bem executado. Da fotografia lavada sem identidade à trilha meio genérica, passando ainda pelos personagens carismáticos e as piadinhas esperadas, os elementos estão todos equilibrados no ponto certo para serem digeridos pelo maior público possível. Nick Robinson é um tanto inexpressivo, mas até isso ajuda, já que Simon é um garoto por vezes introspectivo, mas isso é compensado pelos colegas de elenco, em especial Jennifer Garner e Josh Duhamel que vivem os pais do protagonista - esse último, trazendo consigo seu currículo de personagens machões, já constrói a persona de um pai meio homofóbico e que, portanto, inspira tensão pelo segredo de Simon.
Óbvio que, assim sendo, Com Amor, Simon tem falhas enormes de representatividade - é mais uma história sobre um menino caucasiano que vive confortavelmente num bairro tranquilo, onde as garotas só sabem falar sobre os meninos que as cercam etc. Mas nem é um projeto que tenta ser tão político assim, é apenas ingênuo. De fato, trata-se de um filme tão inocente e bem intencionado que, por mais que não represente grande coisa como obra, acaba agregando valor por contribuir com a naturalização de uma temática que se construiu na marginalização cultural. Sem dúvidas que perto de todo o repertório, maturidade e vanguardismo que o Cinema LGBTQ já adquiriu em todas essas décadas, Com Amor, Simon é quase como uma criança de três anos se vangloriando do seu desenho de giz de cera sob o teto da Capela Sistina de Michelangelo - mas que ainda assim é fofinha o suficiente para chamar atenção para o teor de seus rabiscos.
Nota: 7/10
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