segunda-feira, 5 de março de 2018

OSCAR 90 ANOS: A CAMINHADA TRÔPEGA RUMO À DIVERSIDADE

Por Corra!, Jordan Peele se tornou o primeiro roteirista negro a receber o prêmio de Melhor Roteiro Original, categoria na qual também era inédita a vitória de um filme de horror. A Forma da Água, esse filme de fantasia que (como já foi martelado em todos os textos sobre o projeto) coloca um conjunto de minorias contra a força do homem branco e conservador, se juntou ao hall dos vencedores de Melhor Filme (sem confusões dessa vez), enquanto Guillermo del Toro marcou a quarta vez em cinco anos que um realizador mexicano vence o Oscar de Melhor Direção - e falando no país vizinho dos EUA, Viva, ao som de um sonoro "representatividade importa!" venceu como Melhor Longa de Animação e Canção Original (por uma música que fala sobre memória e sobre o resgate do que o passado tem a nos ensinar). Mas não sem alguém apontar que, para o pequeno Miguel, protagonista da produção da Pixar, era mais fácil entrar no mundo dos mortos do que nos Estados Unidos, já que lá não tinha um muro. Ainda na América Latina, o Chile bateu a Palma de Ouro de 2017 e um reincidente na categoria, saindo campeão em Melhor Filme Estrangeiro com Uma Mulher Fantástica, um filme protagonizado por um mulher transexual vivida pela atriz Daniela Vega, que subiu ao palco apresentar a canção Mystery of Love, que embala o adorável Me Chame Pelo seu Nome, cinema LGBTQ que "ousa" ser leve e romântico, sem abordar temas pesados recorrentes da temática - e que por isso, saiu erguendo a estatueta de Roteiro Adaptado.

Jimmy Kimmel, como apresentador, foi correto ao evitar as esperadas piadas com seu pseudo-rival Matt Damon (que criticou o movimento Time is Up, contra o assédio sexual), e também emplacou uma das tiradas mais certeiras ao relembrar um tempo em que filmes de super-heróis não tinham representatividade e protagonismo feminino ou negro - mais exatamente, em março do ano passado. Kimmel também se absteve bastante da apresentação em si, o que deu bastante espaço para as muitas mulheres chamadas ao palco para colocar os pontos nos i's. E nesse aspecto, Frances McDormand e toda a sua excentricidade representou o ápice da noite quando venceu em Melhor Atriz, colocando o pequeno homenzinho dourado de canto e afagando sua cabeça (num gesto simbólico poderoso), pedindo então para que todas as mulheres indicadas levantassem para receber uma salva de palmas. E não abandonou o palco antes de dizer duas palavrinhas que inquietaram a plateia e fizeram muitos espectadores correrem para o Google: "inclusion rider". A cláusula de inclusão é um recurso que artistas poderosos em Hollywood podem pedir para serem colocadas nos seus contratos, e nelas eles podem demandar que, por exemplo, pelo menos 50% da equipe de um filme seja de pessoas negras ou de mulheres.

Aliás, sem deixar de homenagear o passado nessa comemoração histórica de 90 anos, a Academia se mostrou mais interessada em olhar para o futuro, e trouxe uma montagem celebrando a nova onda diversificada de Hollywood, num vídeo protagonizado por nomes como Ava DuVernay (Selma e A 13ª Emenda), Lee Daniels (Preciosa) e a indicada a Melhor Direção Greta Gerwig (Lady Bird). E mesmo quando não teve grande representatividade, a edição desse ano reparou algumas injustiças, como, por exemplo, premiar o veterano Roger Deakins por Blade Runner 2049 em sua 14ª indicação a Melhor Fotografia - o homem é o melhor DF vivo.

Em meio a tanto "vanguardismo", a cerimônia foi interrompida inexplicavelmente por uma homenagem aos militares estadunidenses e suas "investidas pela liberdade" (palavras deles) no mundo - estariam falando do Vietnã ou do Iraque, será? Sem contar que, tudo muito bonito, mas ainda saímos sem nenhum ator negro premiado em nenhuma das quatro categorias. Além disso, Gary Oldman se tornou um vencedor controverso em meio à campanha do Me Too. Ninguém nega que trata-se de um veterano de talento único e com uma carreira invejável, mas que tem no passado acusações de violência doméstica. Ok. Sejamos justos, ele foi absolvido delas e muitos testemunharam a seu favor - mas isso significa que Oldman realmente é inocente ou apenas que é mais um exemplo de como a palavra dos homens se sobressai a das mulheres em Hollywood? Na dúvida, era melhor ter premiado o jovem Timothée Chalamet, segundo favorito que, caso vencesse, seria o mais jovem campeão da categoria - e Guillermo del Toro dedicou sua vitória a nova geração de artistas ein. E se não fosse pra ele, o ótimo Daniel Kaluuya estava logo ali do lado, e esses dois se beneficiariam bem mais do reconhecimento do que o já gabaritado Gary Oldman.

Entre esses altos e baixos, foi uma cerimônia mais contida, ciente do luto (substantivo e verbo) instaurado naquele ambiente - todas as canções falavam de alguma forma sobre racismo, imigração, memória, amor e sobre abraçar o diferente, e todas foram aplaudidas de acordo. Mesmo as piadinhas que intercalaram a cerimônia (vide a boa ideia do Jet Ski), não dispersaram a atenção - e como seria possível? Armie Hammer distribuindo lanches com um canhão de cachorros-quentes não é uma imagem que se vê todos os dias.


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