quinta-feira, 10 de maio de 2018

CRÍTICA: A NOITE DO JOGO


Às vezes as comédias parecem mais engraçadas do que realmente são. Você pode gargalhar o tempo todo, mas em retrospecto, perceber que não viu um grande filme. E tudo bem, porque não há problema algum em querer apenas divertir (e se divertir) - Cinema, como Arte que é, pode tentar expressar drama, horror e, porque não, o puro entretenimento. A Noite do Jogo se encaixa nesta última categoria.


Max (Jason Bateman) e Annie (Rachel McAdams) formam um casal apaixonado por jogos e competições. É tradição juntar os amigos em casa, com lanchinhos e bebidas para virar a noite em cima de um tabuleiro. Até a chegada de Brooks (Kyle Chandler), irmão bem-sucedido de Max que convida a turma toda para uma noite de jogos um pouco mais realista. Porém, começa a ficar difícil diferenciar o que é parte do plano de Brooks e o que é perigo de verdade, bem no estilo de Vidas em Jogo, de David Fincher - cuja obra também surge em outras referências.


O cenário é propício - tramas ambientadas durante a noite já facilitam o trabalho do espectador na suspensão de descrença (estamos falando aqui daquelas noções semióticas de que, durante o dia, as autoridades e a sociedade estão “acordadas” e, portanto, a realidade é mais palpável). Durante a noite não, há uma expectativa maior de que coisas inusitadas e fantasiosas aconteçam. E o filme não se poupa nesse sentido, forçando um grande número de situações implausíveis. Mas tudo casa muito bem com a abordagem.


Os diretores Jonathan Goldstein e John Francis Daley (dois dos SEIS roteiristas de Homem-Aranha: de Volta ao Lar), adotam uma gramática visual que visa a agilidade e o ritmo. Obviamente inspirados no estilo de Edgar Wright, tentam extrair comicidade de momentos simples (como uma compra na farmácia) resumindo-os através de colagens dramáticas de planos detalhe dessas ações corriqueiras. Da mesma forma, a montagem investe em raccords (quando um plano tem continuidade visual no próximo) e elipses para impulsionar o ritmo da narrativa. Além disso, Daley e Goldstein também fazem um uso interessante do efeito de miniaturização (que se obtém quando se filma um plano aéreo ou geral com um desfoque especial nas lentes) ao sugerir que a cidade é um grande tabuleiro e, os personagens, as peças. Ainda que, um dos pontos altos de sua direção seja o plano sequência durante um “pega-pega” no terceiro ato.


Apesar disso, os diretores ainda precisam amadurecer um pouco mais, antes de igualarem seu trabalho a filmes como Scott Pilgrim ou Em Ritmo de Fuga. Um problema é a insistência do roteiro de Mark Perez de inserir piadinhas a todo instante, o que não dá respiro ao espectador - é claro, fica a sensação de que sorrimos o filme inteiro (o que pode ser verdade), mas são mais raras as vezes em que se ri do que está em tela. O que acontece, de fato, quando Daley e Goldstein estendem algumas piadas, criando momentos hilários justamente pelo absurdo de irem tão a fundo num momento cômico - como se fossem pequenas esquetes que surgem durante o longa. E nesse quesito, a cena da bala é o ápice de humor do projeto.


Vem para auxiliar nisso tudo a trilha de Cliff Martinez, usando os mesmos instrumentos eletrônicos que pontuam sua habitual colaboração com o cineasta Nicolas Winding Refn, com quem já se tornou especialista em evocar essa atmosfera noturna neon. Mas quem melhor mantém o filme equilibrado são mesmo Jason Bateman e Rachel McAdams, que conseguem dosar o timing cômico de forma, inclusive, a driblar algumas das piadinhas ruins do roteiro de Perez - quase todas envolvendo alguma referência à cultura pop soam forçadas. Escoltados por algumas boas participações especiais, eles ainda ganham a coadjuvância do ótimo Jesse Plemons, que está virando um especialista em viver personagens que sugerem uma mistura estranha de carisma, desconforto e ameaça.


Para pontuar, o filme costura algumas rimas visuais e sonoras (músicas do Queen) que denotam que o projeto, por mais descontraído que seja, leva seu pequeno universo e personagens bastante a sério - A Noite do Jogo acredita que eles vão funcionar e conquistar o público. O que não deixa de ser verdade, e a autoconfiança por si só já é um pequeno mérito da produção, que chega mesmo (no melhor estilo Marvel Studios) a colocar uma cena durante e outra depois dos créditos finais - cuja primeira parte é outra (boa) piada.

Nota: 8/10



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