domingo, 22 de fevereiro de 2015
APOSTAS - OSCAR 2015
Então Boyhood era o favorito indiscutível, até que Birdman chegou e acabou com a festa de doze anos de Richard Linklater. Sou apaixonado por ambos os trabalhos, mas com os prêmios se dividindo aqui e ali entre as duas produções, fica difícil prever quem vai levar esse ano... Vamos então a lista completa dos meus achismos? Como sempre, não esqueça de deixar nos comentários os seus próprios palpites!
MELHOR FILME:
QUEM DEVERIA GANHAR: Garota Exemplar... que infelizmente é o segundo filme consecutivo de David Fincher que a Academia esnoba. Neste caso, Birdman ou Boyhood, os favoritos, me deixariam muito feliz já que são, sem dúvidas e disparados, os melhores da lista.
QUEM VAI GANHAR NA REAL: Birdman. Esta é uma aposta difícil, o favorito mesmo é Boyhood. Mas por ser o mais recente e ter acumulado mais prêmios dos sindicatos - os importantes, como o PGA, DGA e o SAG - minha aposta vai para o filme de Iñárritu ao invés do de Linklater.
UMA BOA SURPRESA SERIA: O Grande Hotel Budapeste, mais um belo e divertidíssimo filme de Wes Anderson, e com certeza um dos melhores exemplares do ano passado.
SE GANHAR MANDO "SE FODER!": A Teoria de Tudo. Filme convencional e covarde que tem como maior mérito a performance de Eddie Redmayne.
MELHOR DIRETOR:
QUEM DEVERIA GANHAR: Por motivos óbvios, Alejandro G. Iñárritu ou Richard Linklater. Mais uma vez, entretanto, destaco David Fincher, que nem na lista está, mas que se estivesse, seria o meu favorito.
QUEM VAI GANHAR NA REAL: Filme e Diretor normalmente são dobradinhas, mas se levarmos em conta os últimos dois anos, em que os prêmios se dividiram (Gravidade e 12 Anos de Escravidão, As Aventuras de Pi e Argo), temos que pensar se a Academia vai continuar sua nova tradição ou retornas às antigas. Dito isso, Iñárritu ganhou o DGA, MAS, talvez esteja aqui a oportunidade dos votantes se fazerem justos e premiar um diretor excepcional, cuja obra, Boyhood, realmente é um trabalho excepcional. Portanto meu voto fica com Richard Linklater.
UMA BOA SURPRESA SERIA: Wes Anderson, por seu fantástico O Grande Hotel Budapeste, cujo sucesso deve-se e muito ao seu trabalho de direção.
SE GANHAR MANDO "SE FODER!": Morten Tyldum, por O Jogo da Imitação. Trabalho convencional em um filme que é apenas bom. Não merece, não perto de seus colegas, pelo menos.
MELHOR ATOR:
QUEM DEVERIA GANHAR: No caso, "quem deveria estar indicado", e esse alguém é Jake Gyllenhaal por O Abutre. Mas dentre os indicados, escolheria Michael Keaton, claro, por mais que goste dos outros também.
QUEM VAI GANHAR NA REAL: Parece impossível tirar a estatueta das mãos de Eddie Redmayne, por A Teoria de Tudo, esta é a minha aposta oficial e se correta será muito merecido. Mas o desempenho do ator em O Destino de Júpiter, nos cinemas, tem sido taxado de caricato, e por fora corre Michael Keaton, por Birdman. Uma polarização entre os dois pode acabar favorecendo Bradley Cooper, por Sniper Americano.
UMA BOA SURPRESA SERIA: Cooper, por que não? Se bem que, entre os indicados, se fosse para premiar alguém que não os dois favoritos, eu escolheria Steve Carell, por Foxcatcher.
SE GANHAR MANDO "SE FODER!": Gosto muito de todos os indicados, logo, ninguém vai se foder...
MELHOR ATRIZ:
QUEM DEVERIA GANHAR: Rosamund Pike, por Garota Exemplar. Ponto.
QUEM VAI GANHAR NA REAL: Julianne Moore, por Para Sempre Alice. Uma das apostas mais fáceis da noite é uma velha queridinha da Academia, que já perdeu a estatueta algumas vezes antes. Não é o seu melhor filme mas ela está muito bem, como de costume, e será uma boa oportunidade de reconhecer a ótima atriz que ela é.
UMA BOA SURPRESA SERIA: Marion Cotillard, por Dois Dias, Uma Noite.
SE GANHAR MANDO "SE FODER!": Gosto de todas as indicadas também, mas admito que, embora não fosse mandar ninguém se foder, ficaria decepcionado se Felicity Jones acabasse com a estatueta na mão.
MELHOR ATOR COADJUVANTE:
QUEM DEVERIA GANHAR: Edward Norton ou J.K. Simmons. Mas prefiro o Norton.
QUEM VAI GANHAR NA REAL: J.K. Simmons.
UMA BOA SURPRESA SERIA: Mark Ruffallo está brilhante, como de costume, em Foxcatcher.
SE GANHAR MANDO "SE FODER!": Não há má opção, todos me deixariam contente se vencessem.
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE:
QUEM DEVERIA GANHAR: Patricia Arquette, com certeza, embora eu seja apaixonado pelos trabalhos de Emma Stone e Laura Dern.
QUEM VAI GANHAR NA REAL: Patricia Arquette, por Boyhood.
UMA BOA SURPRESA SERIA: Não vai haver, mas Stone e Dern me fariam feliz.
SE GANHAR MANDO "SE FODER!": Keira Knightley, que não faz nada demais em O Jogo da Imitação.
MELHOR ROTEIRO ORIGINAL:
QUEM DEVERIA GANHAR: Birdman. Não! O Grande Hotel Budapeste... Tá, pera, O Abutre... Ai, mas Birdman tem um texto tão bom...
QUEM VAI GANHAR NA REAL: O Grande Hotel Budapeste.
UMA BOA SURPRESA SERIA: Birdman ou O Abutre.
SE GANHAR MANDO "SE FODER!": São todos ótimos roteiros... Mas qual é, tem que ser um dos três ali...
MELHOR ROTEIRO ADAPTADO:
QUEM DEVERIA GANHAR: Whiplash.
QUEM VAI GANHAR NA REAL: O Jogo da Imitação é a minha aposta oficial, mas nada certa. Se ganhar é para compensar todos os outros prêmios que não vai levar, os outros favoritos seriam Whiplash e A Teoria de Tudo, mas ambos serão, com toda a certeza, lembrados nas categorias de Melhor Ator Coadjuvante e Melhor Ator, respectivamente.
SE GANHAR MANDO "SE FODER!": A Teoria de Tudo.
MELHOR FILME ESTRANGEIRO:
QUEM DEVERIA GANHAR: Gosto muito de Relatos Selvagens, mas de Ida também.
QUEM VAI GANHAR NA REAL: Ida.
UMA BOA SURPRESA SERIA: Relatos Selvagens.
SE GANHAR MANDO "SE FODER!": Não sou especialmente fã de Leviatã.
MELHOR FILME DE ANIMAÇÃO:
QUEM DEVERIA GANHAR: Operação Big Hero.
QUEM VAI GANHAR: Como Treinar Seu Dragão 2.
UMA BOA SURPRESA SERIA: Operação Big Hero.
SE GANHAR MANDO "SE FODER!": Os Boxtrolls, que apesar de visualmente belo, é tolo.
MELHOR DOCUMENTÁRIO LONGA-METRAGEM:
QUEM DEVERIA GANHAR: Não consegui ver todos, mas dentre os que vi, Virunga e Citizenfour são demais.
QUEM VAI GANHAR: Citizenfour.
MELHOR FOTOGRAFIA:
QUEM DEVERIA GANHAR: Birdman.
QUEM VAI GANHAR NA REAL: Birdman.
UMA BOA SURPRESA SERIA: Se não for Birdman, não será uma boa surpresa.
SE GANHAR MANDO "SE FODER!": Dã, qualquer um que não Birdman.
MELHOR MONTAGEM:
QUEM DEVERIA GANHAR: Boyhood... Se estivesse indicado, poderia ser Birdman também.
QUEM VAI GANHAR NA REAL: Boyhood.
UMA BOA SURPRESA SERIA: Gente, Whiplash tem uma montagem fantástica, mas... Boyhood.
SE GANHAR MANDO "SE FODER!": O que faz O Jogo da Imitação aqui?
MELHOR MIXAGEM DE SOM:
QUEM DEVERIA GANHAR: Birdman.
QUEM VAI GANHAR NA REAL: Sniper Americano.
UMA BOA SURPRESA SERIA: Ai ai... Birdman, né... bem que esta surpresa podia acontecer.
MELHOR EDIÇÃO DE SOM:
QUEM DEVERIA GANHAR: Interestelar.
QUEM VAI GANHAR NA REAL: Sniper Americano. Embora exista uma diferença bem grande entre Mixagem e Edição, a Academia adora juntar tudo como se fosse uma categoria só. Não por acaso os indicados são quase sempre os mesmos.
UMA SURPRESA SERIA: Whiplash.
SE GANHAR MANDO "SE FODER!": O Hobbit - A Batalha dos Cinco Exércitos. O trabalho de edição de sons nos últimos dois filmes foi péssimo, resume-se a muito barulho.
MELHOR DESIGN DE PRODUÇÃO:
QUEM DEVERIA GANHAR: O Grande Hotel Budapeste.
QUEM VAI GANHAR NA REAL: O Grande Hotel Budapeste.
UMA BOA SURPRESA SERIA: Interestelar.
SE GANHAR MANDO "SE FODER!": Caminhos da Floresta... Nhé...
MELHOR FIGURINO:
QUEM DEVERIA GANHAR: O Grande Hotel Budapeste.
QUEM VAI GANHAR NA REAL: O Grande Hotel Budapeste, embora reconheça que Sr. Turner possa levar esta estatueta. O filme está indicado em diversas categorias técnicas, mostrando que no mínimo a Academia tem um carinho pelo projeto, e assim como aconteceu com Anna Karenina em 2013, um dos Oscars técnicos pode ser o seu jeitinho de dizer "lembramos de você". Além do mais, a Indicada por Sr. Turner é Jacqueline Durran, a mesma que foi premiada com o Oscar solitário de Anna Karenina. Mas minha aposta oficial é Milena Canonero, por O Grande Hotel Budapeste, além de veterana, a diretora de arte já venceu e foi indicada outras muitas vezes e não dá as caras na premiação há anos. E claro, trata-se de um trabalho espetacular.
UMA BOA SURPRESA SERIA: Malévola.
MELHOR MAQUIAGEM:
QUEM DEVERIA GANHAR: Guardiões da Galáxia.
QUEM VAI GANHAR NA REAL: O Grande Hotel Budapeste, por que os membros da Academia vão pensar que tudo em Guardiões da Galáxia foi feito por computação gráfica.
UMA BOA SURPRESA SERIA: Guardiões da Galáxia.
MELHOR EFEITOS VISUAIS:
QUEM DEVERIA GANHAR: Guardiões da Galáxia ou Interestelar. O primeiro por usar e abusar da computação gráfica sem jamais passar vergonha, e o segundo justamente por se conter o máximo possível nesse quesito e ainda assim apresentar uma obra visualmente estonteante.
QUEM VAI GANHAR NA REAL: Interestelar. A Academia já premiou Nolan antes na categoria, e como o filme não deve ganhar mais nada...
UMA BOA SURPRESA SERIA: Planeta dos Macacos - O Confronto.
MELHOR ANIMAÇÃO CURTA-METRAGEM:
QUEM VAI GANHAR: The Bigger Picture
QUEM NÃO DEVERIA: O Banquete, que é muito bobinho.
MELHOR FILME CURTA-METRAGEM:
QUEM VAI GANHAR: The Phone Call.
MELHOR DOCUMENTÁRIO CURTA-METRAGEM:
QUEM VAI GANHAR: Joanna.
MELHOR TRILHA SONORA:
QUEM DEVERIA GANHAR: Hans Zimmer, por Interestelar. Não só seu trabalho é espetacular, como também o compositor não recebe um Oscar desde O Rei Leão (!).
QUEM VAI GANHAR NA REAL: Acho que A Teoria de Tudo, embora não descarte Alexandre Desplat... por O Grande Hotel Budapeste né. Mas fico com A Teoria de Tudo.
UMA SURPRESA SERIA: Zimmer...
SE GANHAR MANDO "SE FODER!": A Teoria de Tudo, não gosto da trilha do filme, logo... VAI SE FODER!
MELHOR CANÇÃO ORIGINAL:
QUEM DEVERIA GANHAR: Everything is Awesome de Uma Aventura Lego.
QUEM VAI GANHAR NA REAL: Glory, de Selma.
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015
CINQUENTA TONS DE CINZA
Então o filme não é ruim... me
processem, xinguem muito nos comentários, não leiam os meus argumentos, batam o
pé, tampem os ouvidos, bufem e saiam dizendo: “aquele cara entende é nada de
cinema... e nem de sexo”. Talvez seja verdade, vá saber – você quer? A verdade
é que eu não sei o quão bom ou o quão ruim pode ser o livro escrito por E.L.
James a partir de uma fan fic de Crepúsculo (minha situação tá piorando,
eu tenho consciência disso), porque não o li, e não preciso (!) – livro é livro e filme é filme, ambos têm de
funcionar independentemente, um dia ainda tatuo isso pra não ter mais que repetir.
Porém, como longa-metragem, Cinquenta
Tons de Cinza é... sim, bom, e de dentro de seu próprio contexto, maduro –
pronto, lá se vai a minha reputação rodopiando com a água da descarga. Se
estiver realmente interessado(a) em saber se enlouqueci ou se por um acaso quiser
mesmo entender porque achei isso, (suspiro) segue o que é provavelmente o
último dos meus textos a ter algum acesso.
sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015
SELMA
Escritos sobre as imagens do
filme, surgem ocasionalmente trechos dos registros reais e oficiais da
vigilância governamental feita em cima de Martin Luther King (David Oyelowo) e
das pessoas envolvidas com o seu movimento, mais especificamente, aqueles
referentes ao caso da cidade Selma, que dá título ao projeto, e onde King usou a
população negra oprimida como fonte de catarse para alavancar o seu pedido junto
ao presidente Johnson (Tom Wilkinson) por mudanças na constituição eleitoral.
Usando palavras como “agitadora”, “crioulos” e “incita” para descrever Coretta
King (Carmen Ejogo), os pacíficos manifestantes e o discurso do protagonista em
uma igreja, respectivamente, esses registros denunciam com clareza a segregação
que ainda estava impregnada no próprio sistema do governo dos EUA em 1965, mesmo que
seu presidente já desde a primeira cena encha a boca para dizer que esse é um
problema já superado. E essa é a parte menos revoltante de Selma, que mais
tarde chega a trazer imagens de arquivo do verdadeiro protesto sobre que fala,
aterrorizando minutos depois ao revelar que várias pessoas foram mortas e
gravemente agredidas durante ele. Mais aterrorizante ainda, porém, é pensar que
estas filmagens foram feitas há apenas cinquenta anos... E tem gente, no
Brasil, que, assim como achava Johnson, pensa que o racismo e a segregação ficaram
nesse passado obscuro, posicionando-se contra programas como o de cotas raciais
e os demais de conscientização, como se as centenas de anos de escravidão,
humilhação e restrição de direitos fossem ser curados em apenas meio século.
quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015
O DESTINO DE JÚPITER
É bom eu deixar claro que mesmo Speed Racer é uma obra fantástica e incompreendida,
e A Viagem, um drama sensível e
orquestrado com maestria. Seria muito fácil atacar o novo filme dos irmãos
Wachowski, tem sido assim com a sua filmografia e isso desde Matrix. Aqui em O Destino de Júpiter, a ausência de uma ameaça que paire sobre os
protagonistas, em parte por causa de um vilão ausente, a estrutura convencional
e o reaproveitamento pobre de ideias já exploradas antes por Andy e Lana em
seus filmes anteriores, poderiam ser fermentadas a ponto de fazer um péssimo
retrato do longa-metragem. Que, apesar disso, é carismático, empolgante e
visualmente fantástico o suficiente para suprimir esses óbvios problemas.
segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015
BIRDMAN OU (A INESPERADA VIRTUDE DA IGNORÂNCIA)
Em anos passados o ator Riggan (Michael Keaton) foi uma
estrela de Hollywood por interpretar um popular super-herói chamado Birdman.
Quando o conhecemos, porém, ele medita no camarim de um teatro que está prestes
a receber uma peça escrita, dirigida e estrelada por ele, a fim de ser
reconhecido como um ator sério. Ele tem, inclusive, pendurado no seu espelho um
bilhete com os dizeres "uma coisa é uma coisa e não o que é dito
dela". Mas, seria esse mantra uma verdade ou apenas uma máxima em que
Riggan deseja acreditar? De certa forma, Birdman
ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) - e a partir daqui, só Birdman, ok? - se empenha em responder a
essa pergunta, habilmente colocando em xeque a validade de um conceito
deslocado e purista de "arte" (com "a" minúsculo) que ainda hoje tenta manter a ideia de que o
conhecimento erudito é apenas aquele ao alcance de uma elite social.
Há uma vertente, na
verdade uma sequela, de entendimento do que é Arte, e que vem desde a época em
que saber ler para ter acesso as grandes obras, ir ao teatro, à ópera, ou
aprender a tocar algum instrumento eram atividades culturais a que só a burguesia tinha acesso. Esse pensamento rejeita o que compõe a cultura popular porque isso
estaria relacionado ao que a população menos erudita gosta, consequentemente,
àquilo que não seria feito com qualidade ou conteúdo. O que uma vez pode ter
sido uma realidade (embora não uma verdade) hoje é antiquado e defendido
apenas por pessoas que ainda tentam usar a sua erudição como forma de afirmação
de superioridade. Mal sabem que não só soam patéticas como também se privam de
uma gama fascinante de produção artística e estéticas que abrangem do mais caro blockbuster
até o mais experimental dos filmes universitários.
Birdman chega perto de se assumir como parte deste grupo detestável
surpreendentemente ao atacar uma personagem que o representa (uma crítica de teatro), já que ao mesmo
tempo em que discorda de suas ideias, o
projeto também quase acaba vestindo uma carapuça pretensiosa ainda pior, parecendo se considerar bom demais e, portanto, acima de qualquer análise. Mas quando resolve defender a tal resenhista teatral, vivida com o desprezo correto por Lindsay
Duncan, que o longa-metragem dirigido por Alejandro G. Iñárritu se assume como uma alfinetada cínica na grande indústria hollywoodiana - uma alfinetada divertidamente hipócrita, que a reconhece como forma de expressão e, por que não, de Arte sim.
O triste é que
figuras como Tabitha (a personagem de Duncan) não se restringem a existir
apenas na ficção, e diariamente disseminam tolos pré-conceitos que impedem uma
maior democratização da Arte - isolando ainda
mais obras que por apresentarem temas mais pesados, abordagens menos
convencionais e ou linguagens experimentais ou incomuns, já são naturalmente
segregadas pelo grande público. Um modus operandi que é injusto com qualquer
filme. Afinal quem diria, por exemplo, que depois de anos se provando um
péssimo diretor, Michael Bay iria entregar um longa tão divertido e
inteligentemente autocrítico como Sem
Dor, Sem Ganho? Então se estamos passíveis de sermos surpreendidos em qualquer área, mesmo quando as expectativas apontam para outro lado, é apenas justo que estejamos abertos a qualquer produção. E já que estamos falando de uma obra tão metalinguística,
que chega a incluir o baterista da trilha sonora mais de uma vez nos cenários diegéticos,
deixe-me usar Birdman como
estudo do próprio caso: quem conhece o trabalho de Alejandro G. Iñárritu de seus densos trabalhos anteriores, como 21 Gramas, Babel e Biutiful, sabe que esteticamente em nada lembram esse projeto aqui. De fato, estou inclinado a afirmar que este é, na
verdade, um filme de Emmanuel Lubezki, o diretor de fotografia da produção e um
dos melhores profissionais da sua área.
Todo o
longa-metragem sendo um longuíssimo plano sequência (sem cortes) – linguagem
apropriada que conversa com a natureza contínua e igualmente sem cortes do
teatro, que é, afinal, o lugar que abriga toda a ação aqui – é apenas natural
que tenha sido Lubezki o designado para a complicada tarefa de filmar Birdman, tendo em vista seus
impressionantes feitos anteriores com a mesma linguagem em sequência vista em Filhos da Esperança e Gravidade (pelo qual venceu o Oscar no
ano passado) – os dois sob a batuta do cineasta Alfonso Cuarón. Fora isso, é
óbvio como Lubezki incorpora também uma iluminação e enquadramentos que juntos
formam composições de quadro absorvidas diretamente de suas colaborações com
Terrence Malick. De fato, não há quase nada de Iñárritu no longa-metragem. O
próprio humor inerente à produção se distancia dos roteiros densos e
melodramáticos de seus filmes prévios – e tenha em vista que ele é um dos
autores do texto aqui. Um humor que é menos calcado em piadas preparadas e
estruturadas na trama desde o copião original, do que na interpretação que um
elenco afiadíssimo dá a ele.
A começar por
Michael Keaton, fazendo as vezes de si mesmo. O Birdman de Riggan é o Batman de
Keaton. Roteirista, diretor, produtor e estrela de sua peça, não é surpresa que
o protagonista, vindo da vida luxuosa em Hollywood, sinta-se como um ser
superior incompreendido, o que é ilustrado com sua suposta capacidade de telecinese
e, mais tarde, com superpoderes, que ele parece administrar timidamente como se
fosse dotado de um conhecimento revolucionário que as pessoas a sua volta ainda
não estariam prontas para receber. Cabisbaixo nesses instantes e neurótico nos
bastidores da sua produção, Keaton humaniza seu personagem através de uma
vulnerabilidade que se denuncia aqui e ali em momentos como aquele em que,
confrontado pela filha (Emma Stone, genial nesta cena também), fica sem
resposta e acaba cedendo a uma tragada da maconha pela qual estivera xingando
ela minutos antes por esconder dele. Comove também quando relembra emocionado
com a ex-esposa um incidente durante seu casamento que lhe trazem lágrimas aos
olhos logo antes de sua apoteótica entrada final no palco. De certa forma, Birdman seria a versão bem humorada de Cisne Negro.
E se lá no filme de
Darren Aronofsky, Natalie Portman tinha Mila Kunis como um ótimo contraponto de
cena, aqui Keaton encontra o seu em um Edward Norton que, chegando de mancinho
com a presença de seu Mike, primeiramente apenas um ator extrovertido, aos
poucos começa a se revelar uma figura impagável com seus modos metodistas de
atuação; “eu nunca finjo nada no palco” diz ele depois de ter uma ereção
incidental no meio de uma das cenas da apresentação, o tipo de coisa que deixa
Riggan cada vez mais furioso com o seu colega, e nesse ponto, é curioso que
seja nos diálogos que troca com Sam (Stone) – com quem o nosso protagonista
vive seu outro maior atrito - que ele encontre os únicos momentos em que o
flagramos lúcido... E sim, “eu arrancaria os seus olhos e os colocaria no meu
próprio crânio para poder ver as ruas como quando tinha a sua idade” é a parte
lúcida do personagem.
Enquanto isso Naomi
Watts, Zach Galifianakis e Andrea Riseborough divertem nas interações de
transição com o trio principal, servindo não só como cortinas dramáticas para
que a história possa andar, mas desenvolvendo os personagens com quem
contracenam, também fortificando a ideia afirmada por Sam de que há um mundo
afora esse da peça de seu pai, e que nele as pessoas estão vivendo, querendo
coisas e querendo ser alguém. Algo de que qualquer um de nós faz
irremediavelmente parte, eu escrevendo esta crítica, inclusive. Um discurso que
envolve a aceitação das novas formas de mídia, o que é irônico de se apontar
para Riggan uma vez que para se provar um profissional sério ele escolheu
deliberadamente uma “mídia” que precede o cinema, do qual ele fazia parte, não
deixando de ser um retrocesso, ou no mínimo, uma visão conservadora do que é “algo
sério”. Então é mais do que apropriado que o longa encerre com um plano de
Stone, admirada por estar presenciando enfim de forma literal o alçar de voo de
seu pai – e mesmo que o conteúdo da cena em si não seja mostrado, nós sabemos o
que é, e fascina que o cinema como forma de arte se permita ocasionalmente sair
de suas curtas rédeas e tomar esse tipo de liberdade dramática. É o Tiranossauro-rex
que salva o dia no fim de Jurassic Park, é a chuva de sapos em Magnólia, é a
aranha gigante escondida no quarto em O
Homem Duplicado. São acontecimentos literais na trama cujo simbolismo
implícito que possam ter importa menos do que o efeito que causam no espectador,
que ou rejeita o elemento por não ser coerente com o resto do projeto, ou o aceita
e, portanto, a arte em si como um meio de expressão livre. Uma liberdade que deveríamos
nos dar enquanto artistas e enquanto consumidores de suas obras para que, mais
importante do que não sermos esquecidos depois de vistos, jamais esqueçamos do que
vimos.
O que me faz
repensar e admitir: eu estava errado, há algo sim de Iñárritu em como o roteiro
instiga a esses questionamentos sociais/culturais/existencialistas...
Interessante, muito interessante.
P.S. justamente por
se tratar de um filme supostamente sem cortes, mas que é óbvio que envolveram
vários disfarçados aqui e ali, é que é uma vergonha que a Academia não tenha
reconhecido o filme com ao menos uma indicação a Melhor Montagem, que tamanha
a qualidade do trabalho dos montadores Douglas Crise e Stephen Mirrione deve
ter passado batido para os votantes.
Nota: 10/10
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