sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

CRÍTICA: FROZEN II


Frozen foi um filme que me surpreendeu. Não era só mais uma animação da Disney com músicas chicletes e uma técnica impecável, era também um filme que se propunha a quebrar as fórmulas das histórias de princesa em uma narrativa lapidada e polida com cuidado o suficiente para que se tornasse um clássico recém-nascido. Do momento em que a primeira cópia rodou para o público, a aventura congelante estrelada pelas irmãs Elsa e Anna estava fadada a se tornar icônica. Dito isso, Frozen II é um filme que também me surpreende, pois indo na contramão do primeiro, ele jamais almeja alcançar nenhum desses méritos.

CRÍTICA: STAR WARS - A ASCENSÃO SKYWALKER


Os Últimos Jedi, episódio anterior das aventuras de Star Wars, encerra com a imagem de uma criança olhando para as estrelas. Forçado a trabalhar nos estábulos de um cassino frequentado apenas pela elite super-rica da galáxia tão tão distante, a mesma nata social que paga e lucra com todas as guerras estelares que dão título a esta amada saga, esse menino demonstra uma leve habilidade com a Força ao fazer uma vassoura levitar até sua mão. E ali, empunhando o cabo como se fosse um sabre de luz enquanto assiste à Millennium Falcon desaparecer no céu noturno como uma estrela cadente, tripulada por protagonistas de todos os sexos, raças e formatos, essa criança simboliza a esperança tão martelada pelo universo de Star Wars desde seu primeiro filme.

Pois, como fica definido pela jornada de Rey até ali (Daisy Ridley), a Força não está atrelada à linhagem de sangue de famílias poderosas e nem é de domínio exclusivo de um culto milenar de guerreiros como os jedi. Fica definido a partir daquele momento que a Força e o poder de mudar a galáxia está nas mãos de qualquer um que ainda tenha esperança.

Ou, pelo menos, essa era a ideia antes de A Ascensão Skywalker ocupar seus 142 minutos sendo a única coisa que nenhum desses filmes jamais foi: covarde.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

CRÍTICA: ENTRE FACAS E SEGREDOS


Como instigar o espectador com uma fórmula de suspense que já era batida na época dos livros da Agatha Christie? Afinal, Entre Facas e Segredos se apresenta como um mistério de assassinato raíz, trazendo todos os elementos clássicos do adorado subgênero “Quem Matou?” (em inglês apelidado de whodunnit), que normalmente envolve um grupo peculiar de suspeitos num cenário sombrio e, no meio disso tudo, um cadáver. De Odete Roitman (Vale Tudo) à Laura Palmer (Twin Peaks), já foram tantas as vítimas e assassinos improváveis, sejam em obras literárias, teatrais ou audiovisuais, que pouco espaço sobrou para a criatividade nesse estilo de trama. Mas eis o plot twist aqui: Rian Johnson.

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

CRÍTICA: ZUMBILÂNDIA - ATIRE DUAS VEZES


Lançado há uma década, Zumbilândia era um filme praticamente sem história que deveria ter sido esquecido no vasto balaio das produções de zumbis lançadas anualmente desde que Madrugada dos Mortos ressuscitou esse subgênero lá pelo início dos anos 2000. E teria, não fosse por um detalhe: o roteiro tinha pelo menos uma ideia muito divertida. Sim, as regras de sobrevivência de Columbus (Jesse Eisenberg) se revelaram um insuspeito fio-guia narrativo por despertar no espectador a curiosidade pelo modo como seriam colocadas em prática - e no geral, a imbecilidade com que os carismáticos personagens lidavam com o pós-apocalipse se traduzia em pura diversão.

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

CRÍTICA: CORINGA



Tem algo de muito satisfatório no momento em que Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) se ergue, enfim, como o Coringa, com seu terno colorido, o sorriso macabro e toda a parafernália que fez do palhaço do crime um dos vilões mais celebrados da cultura popular. E não importa o quão sanguinário, brutal ou insano é o nosso protagonista, pois, a partir do instante em que o título surge imenso e amarelo cobrindo toda a tela com o nome do antagonista mais famoso do Batman, o filme cria uma expectativa em cima da decadência moral desse personagem, e o único desfecho satisfatório é vê-la se concretizando. Tal qual Taxi Driver, Scarface ou Breaking Bad antes dele, Coringa trabalha em cima de uma catarse condenável: são histórias que nos fazem querer ver o pior daquelas pessoas.

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

CRÍTICA: BACURAU


Uma forasteira extravagante chega numa cidadezinha do interior do nordeste e pergunta:

Quem nasce em Bacurau, é o quê?

E nesse momento, uma criança, revestida da aura de inocência e sinceridade que as crianças normalmente têm, responde na lata:

É gente!

A Bacurau imaginada por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles é uma vila fictícia assolada por um mistério inquietante: sua localização sumiu do mapa. Quem virá, portanto, socorrer esse povo do sertão quando uma ameaça cerca o vilarejo? Pois se engana quem acha que essa gente de Bacurau ficaria esperando por ajuda milagrosa vinda “dos estrangeiro”. Afinal, esse povo, que usa a igreja no centro da cidade como depósito, não parece do tipo que espera por intervenção divina. O coração pulsante dessa comunidade é outro prédio, um que, ironicamente, os forasteiros decidem recorrentemente ignorar: o museu que guarda a História de Bacurau.

E munidos com o conhecimento dessa História, os cidadãos desse lugar esquecido pelo resto do mundo se revoltam como brasileiros - não como brasileiros por ofício, daqueles que ainda enxergam esse pedaço de terra como colônia, como quintal de gringo. Não, se revoltam como brasileiros filhos desta nação, sem vergonha da sua trajetória, mesmo que humilde, mesmo que segregada, mesmo que, no passado, escravizada.

Então Bacurau não é um filme com uma “crítica social foda”, não é, tampouco, um retrato do nosso Brasil. Bacurau é um ato violento e catártico de revolta, um grito de afirmação que vem sendo sufocado na garganta daqueles que são brasileiros com orgulho, e que têm presenciado sua nação sendo mutilada todos os dias pelos covardes vira-latas que se vendem para a bandeira que tiver mais estrelas - não por acaso, os mesmos que negam a nossa História.

Pois é, não são necessários os rodeios para chegar no nome de Jair Bolsonaro. Porém, é sintomático perceber que, apesar de a produção ter encerrado suas filmagens no começo de 2018, Bacurau já conseguia prever o momento sombrio a que chegaríamos dentro de mais ou menos um ano - qualquer um com bom senso conseguia. Então, quando vemos uma criança tombar morta no filme de Mendonça e Dornelles, é impossível, hoje, não lembrar que do lado de fora da sala de cinema os familiares de Ágatha Félix, que tinha apenas 8 anos de idade, estão enterrando o corpo de uma menina que tinha toda uma vida pela frente. O motivo? Uma ação policial fruto da política de extermínio nas favelas perpetrada pelo governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, que se elegeu no encalço do discurso fascista de Bolsonaro. Não muito diferente do intento por trás dos vilões desse longa-metragem.

É curioso, porque, quando lançou Aquarius no Festival de Cannes em 2016, o cineasta Kleber Mendonça Filho, Sônia Braga e o resto da equipe daquele projeto se manifestaram num dos tapetes vermelhos mais visados do mundo sobre o golpe de estado que, à época, estava sendo cometido contra a presidenta Dilma Rousseff - e hoje admitido até mesmo pelo golpista mor, Michel Temer. Afinal, o filme estava alinhado às sutis trapaças parlamentares que eram perpetradas nos bastidores do governo naquele ano, pois ilustrava os desníveis sociais e os jogos de poderes com metáforas elegantes, descortinando na rotina da protagonista Clara (Braga) um sistema político viciado e falido que implorava por uma mudança de atitude, especialmente vinda da classe média, acomodada em um espaço confortável entre as injustiças e o abuso de influência. Essa mudança nunca chegou, ao menos, não em tempo. O que chegou foi Bacurau, que no Brasil de 2019, já não encontra mais espaço para ser sutil ou elegante sobre o que tem a dizer.

Parafraseando um certo grupo de heróis por aí: não conseguindo proteger o Brasil, a classe artística agora parece disposta a vingá-lo.

Inspirados num cinema de inquietude, Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles se referenciam aberta e declaradamente no cineasta John Carpenter, que empresta seu nome à escola de Bacurau, João Carpinteiro. Além disso, a faixa Night, composta pelo próprio Carpenter e jamais utilizada antes, é colocada em prática para ilustrar os processos de luto da pequena comunidade. Como nos filmes do diretor, responsável por Enigma do Outro Mundo, Fuga de Nova York e Assalto ao 13º Distrito, há uma força maléfica se apoderando e encurralando um grupo de protagonistas que têm tudo para perder essa briga.

Aliás, é parte da genialidade de Bacurau (e vou empregar o termo “genial” aqui sem medo algum de estar exagerando) que o filme se utilize dos preconceitos do espectador para criar tensão e, depois, a catarse tão almejada. Quem mergulha na primeira hora do longa-metragem dificilmente consegue prever aonde aquilo tudo vai dar, e isso se deve, em parte, ao estereótipo bem cimentado na cultura popular do nordestino humilde e aculturado. A imagem que temos do povo do sertão é de uma população pobre, faminta e sedenta por água e por uma existência digna. É o Velho Oeste brasileiro, onde impera a lei do mais bem armado e onde não há espaço para as sofisticações políticas de histórias mais urbanas.

Quem tentar se manter fiel a esse estereótipo, vai descobrir que Bacurau tem outros planos para a sua trama. E conforme vamos chegando ao violento e satisfatório desfecho dessa maluquice concebida por Mendonça e Dornelles, olhamos em retrospecto para o filme e percebemos que a placa de entrada para a cidadezinha, antes tão convidativa, agora soa mais como uma ameaça (“Se for, vá na paz”), tal como os insistentes convites para que os forasteiros conheçam o museu histórico do vilarejo (“Cês não vão conhecer o museu não? É esse aqui ó”). Não por acaso, os diretores usam uma câmera com o ângulo oblíquo (os famosos Dutch Angles, sempre indicando algo fora do comum) para retratar a primeira vez que um personagem entra no prédio do museu, alardeando que a partir daqui, a perspectiva que tínhamos desse povoado vai mudar drasticamente.

E muda. Olhando-se de trás para frente, percebemos que a gente de Bacurau, ao contrário do que reza a lenda popular sobre os nordestinos, recusa o assistencialismo barato de um prefeito em busca de votos, não se vendem por qualquer doação e se organizam de maneira extremamente comunitária na hora de dividir os bens. Além disso, sem perder os traços culturais da fala ou mesmo a humildade de suas casas e das suas vestimentas, os habitantes não deixam de ser sofisticados e perspicazes. E se certos estrangeiros tentam disfarçar um drone como um disco voador, achando que assim vão assustar os habitantes de Bacurau, o tolo disfarce é logo desmascarado sem muita titubeação por Damiano (Carlos Francisco), que não demora a entender o que se passa, contrariando a expressão popular “eu não durmo de tanga”, uma vez que ele claramente tem alguma ancestralidade dos povos originários do Brasil, ao menos culturalmente - o personagem é adepto do naturalismo (anda sem roupas em suas terras), do cultivo e da preservação de plantas e ervas em suas terras, e além disso, seu barraco se assemelha a uma oca, feita com paredes de barro e telhado de palha.

É essa iconicidade que aproxima ainda mais Bacurau de um sentimento de revolta contra um colonialismo moderno - sim, a nudez de Damiano pode soar engraçada, mas a naturalidade com que é tratada ao lado da casa de barro funcionam como símbolos escancarados da temática. Aliás, o diálogo estabelecido entre os eventos do filme com a atualidade do país tornam o letreiro que abre a projeção e situa o espectador “alguns anos no futuro”, mais num lamento do que num recurso com função narrativa.

Aliás, Mendonça e Dornelles dominam completamente a relação espectador e narrativa dos segundos iniciais ao poderoso take final. Através do desconforto e da estranheza, os realizadores nos levam da vastidão estrelada do espaço sideral para um mergulho na órbita terrestre, chegando num nordeste inóspito onde um caminhão pipa cruzando o cerrado surge atropelando caixões caídos na estrada.

Recheado dessas imagens inquietantes, Bacurau mantém o espectador instigado muito antes de estabelecer sequer sobre o que é a trama. E prova de que os diretores e roteiristas têm tamanha segurança sobre esse poder, é que eles se dão ao luxo de revelar o “assunto” do filme somente com mais de uma hora de duração. E isso não quer dizer que “nada acontece” na primeira hora de projeção. De jeito nenhum, pois Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles usam esse tempo para apresentar os personagens habitantes do lugarejo e, desse modo, apresentar a sua protagonista: a própria Bacurau.

Sim, eu sei que é um clichê dizer que tal lugar é o protagonista de tal história. Até porque isso nem sempre é verdade, não passando de uma muleta de texto para expressar um sentimento passado pelo filme/livro/seriado etc. Mas aqui é bem verdade que a pequena, desconfiada e irritadiça Bacurau é mesmo uma personagem cuja personalidade é composta pelas diversas características representadas com cada uma das figuras de lá - e aqui é até irônico reparar na semelhança em inglês (justo o inglês, que tem papel importante na trama) entre as palavras “característica” e “personagem”, characteristic e character respectivamente.

Portanto, os diretores se preocupam apenas em sugerir quem são os personagens que compõem Bacurau. Ficam-se mais indagações sobre eles do que definições. Por exemplo, qual a relação que tinha Domingas (Braga) com a falecida Carmelita (Lia de Itamaracá)? Pacote (Thomas Aquino) é um justiceiro ou um matador de aluguel? E Lunga (Silvero Pereira), que trajetória o levou de um promissor escritor para ser um guerrilheiro contra facções coronelistas no sertão? Ao invés de incomodar, esses mistérios se tornam parte do charme do longa-metragem, pois sugerem habilmente uma rede complexa de acontecimentos, arcos de vida e personalidades que encobrem o vilarejo com um véu de sofisticação muito apropriado, já que termina de quebrar por completo a preconceituosa concepção de que essa comunidade é menos digna de ser preservada do que qualquer outra grande cidade incrustada por acontecimentos relevantes e intervenções artísticas e culturais.

Ou seja, é um recurso que humaniza um tipo de lugar e povo que, por estereótipo, é desumanizado por tradição.

E em última análise, é esse esforço que nos coloca ao lado daquelas pessoas e nos insere naquela comunidade. A partir de certo ponto, e esse ponto é difícil de ser definido, passamos a fazer parte de Bacurau, sentir a sua dor, vibrar as suas vitórias. E no final, quando alguém pergunta, frente a um ato de extrema violência, se “o Lunga exagerou?”, respondemos, mesmo que de coração, em uníssono com a personagem de Teresa (Barbara Colen): “não”.

Nota: 10/10





segunda-feira, 8 de julho de 2019

CRÍTICA: HOMEM-ARANHA: LONGE DE CASA


Ainda absorvendo o desfecho dramático concretizado em Vingadores: Ultimato, me consolei na constatação de que não tinha outro tom para amarrar os mais de dez anos do universo Marvel nos cinemas, senão aquele que foi trazido pelos irmãos Russo para a última reunião desses super-heróis. Cheio de reverência e pesar, o filme-evento liderado por Tony Stark e seus camaradas de capa, escudo e martelo (por aí vai) foi repleto de ação e energia, mas também de gentileza e sensibilidade, honrando assim todos os personagens que acompanhamos por quase uma década. Portanto, é com felicidade (e rindo bastante) que pude constatar Homem-Aranha: Longe de Casa jogando toda essa solenidade pela janela quando, já nos primeiros 3 ou 5 minutos de projeção, resolve recapitular as perdas e o massacre perpetrados por Thanos de maneira absolutamente irreverente e debochada, assim declarando que a narrativa faria jus à personalidade inocente e juvenil do seu protagonista.


Retomando os eventos alguns meses após o final de Ultimato, a trama joga Peter Parker (Tom Holland) de volta na vida escolar 5 anos depois de ter desaparecido da face da Terra, algo que ocorreu à maioria de seus amigos e colegas também. Agora chamado de “blip”, esse intervalo de tempo que existiu entre os que foram estalados por Thanos e os que ficaram para trás envelhecendo normalmente ainda é um problema em processo de resolução, o que pode ser notado pela existência de ONGs como aquela que é liderada pela tia May (Marisa Tomei), que arrecada fundos para ajudar na reinserção social dos “blipados”. É nesse contexto que o jovem herói decide se desapegar do uniforme de Aranha para tirar umas merecidas férias na Europa, numa excursão de colégio. Um plano, claro, frustrado pelo surgimento de um perigo imediato que só poderá ser resolvido por um herói-Vingador.

sexta-feira, 28 de junho de 2019

CRÍTICA: TOY STORY 4


Parecia que a jornada dos brinquedos do Andy tinha ganho um ponto final perfeito em Toy Story 3. O desfecho daquele filme não apenas honrou o arco percorrido por Woody, Buzz, Jessie e os demais personagens desse universo, como também serviu de afago para o público ao prometer que, mesmo com crianças diferentes, eles estariam sempre juntos protagonizando as mais criativas brincadeiras, seja num quarto de paredes azuis ou num jardim por aí.


Ora, como fomos inocentes.


Ao refletir sobre temas complexos como a busca pela consciência de quem somos nós (Buzz), o reconhecimento de nossas capacidades individuais (Buzz e Woody), sobre lealdade, dedicação, abandono (Jessie) e até mesmo sobre medos primordiais como o de ser substituído (Woody e Lotso) e a aceitação da morte como parte da vida (todos os brinquedos ao final de Toy Story 3), as três relíquias produzidas pela Pixar anteriormente eram filmes tematicamente tão complexos e adultos, quanto eram coloridos e engraçados. 


Portanto, com a dura tarefa de sair da sombra dos seus antecessores e ainda justificar a própria existência, Toy Story 4 surpreende por encontrar temas ainda mais complicados e doloridos para explorar, ao mesmo tempo em que concede a esses personagens tão queridos um final que não sabíamos que eles precisavam. E embora não seja tão “redondinho” quanto os demais, o quarto capítulo faz com que a franquia, em retrospecto, pareça inacabada sem esse destino maduro que reservou para Woody e sua turma, enriquecendo ainda mais suas jornadas ao confrontá-los com o desafio de encontrar independência, amor próprio e a coragem para fazer sacrifícios não só por quem eles amam, mas principalmente por si mesmos.

sexta-feira, 7 de junho de 2019

CRÍTICA: X-MEN: FÊNIX NEGRA


Ao subir dos créditos de X-Men: Fênix Negra, não pude evitar uma certa melancolia devido ao que tinha acabado de assistir. Mas apesar de este ser oficialmente o capítulo final da saga iniciada em X-Men (2000), eu não estava triste por me despedir do universo e dos personagens que acompanhei nos últimos 19 anos num total de sete filmes da equipe mutante, mais os três protagonizados pelo Wolverine, os dois do Deadpool e ainda o excepcional seriado Legion. Sempre carregados de um pesado subtexto político sobre preconceito, minorias sociais e a auto-aceitação, os filmes da saga X-Men abriram o mercado para a onda dos super-heróis que tomaria a cultura popular nas duas décadas seguintes, nas quais os longas que se concentravam na turma do professor Xavier jamais se entregaram à mesmice ou perderam de vista tramas e personagens inteligentes - eu gosto, inclusive, dos rechaçados O Confronto Final e Apocalipse. Minha melancolia, portanto, surgiu por constatar que X-Men: Fênix Negra não se trata de um final, mas de uma sobrevida. A despedida que os mutantes mereciam, infelizmente, chegou e passou há pelos menos dois filmes atrás.

terça-feira, 7 de maio de 2019

CRÍTICA: NÓS


Com certeza um dos filmes mais instigantes que estrearam este ano, Nós, novo longa-metragem de Joradan Peele, chegou aos cinemas. Repleto de um simbolismos e dono de uma narrativa que conquista a estranheza do público sem que este precise descifrar as suas metáforas, a nova empreitada de horror do diretor de Corra! enerva pela tensão e ainda levanta questionamentos e aponta dedos feios para a História dos Estados Unidos, mas de forma geral, também para todas as nossas histórias. Comentei sobre os recursos narrativos utilizados pelo projeto e ainda sobre as minhas interpretações no vídeo abaixo:


terça-feira, 30 de abril de 2019

GAME OF THRONES S08E03


GAME OF Whathefuckishappeningrighthere


Não decepcionante, mas longe de ser tão épico quanto gostaria, o terceiro episódio dessa reta final de Game of Thrones foi um erro estético que oscilou entre momentos empolgantes e outros aborrecidamente anti-climáticos. Se Arya protagonizou todos as melhores cenas deste capítulo, foi porque parecia a única pessoa agindo como se estivesse de fato naquela batalha, correndo risco de vida e sendo obrigada a tomar decisões desesperadas e inteligentes - ao contrário dos demais, que apenas pareciam ser exatamente o que são: personagens de uma série de TV sendo assistidos por milhões. Em algum ponto, Game of Thrones abandonou a força que retirava da imprevisibilidade dos seus eventos, e se tornou previsível justamente por continuar seguindo uma diretriz da qual o público não é mais refém, mas sim o próprio seriado. Nessa ânsia por chocar, por exemplo, o roteiro enfia duas mortes relevantes no meio de um momento de tensão crescente, fazendo-as soarem como distrações e, ainda pior, banalizando a despedida daqueles personagens, cujas saídas de cena tem pouco ou nenhum peso graças à falta de timing da estrutura do episódio - ficamos naquela: “tá, morre logo que eu quero ver o que vai acontecer agora”.


Aliás, não só por isso, mas a despedida de alguns personagens se dá de forma abrupta e sem grandes fechamentos. E eu entendo, a série quis retomar um pouco da ideia de “realismo” que era tão latente nas primeiras temporadas, quando os acontecimentos não pareciam dramaticamente adequados, mas por outro lado, eram muito verossímeis. Entretanto, algumas das figuras a quem damos adeus eram justamente aquelas que carregavam pontas soltas de outras tramas abertas e nunca fechadas em temporadas anteriores. Ou seja, não fosse o suficiente serem tirados do seriado de forma insossa, a saída dessas pessoas ainda soa como um recurso preguiçoso da série para cortar fora de vez essas pontas, ao invés de se dar ao trabalho de amarrá-las.

E nos poucos eventos dramáticos que realmente funcionam, GoT volta com seu probleminha mais preocupante das últimas levas de episódios: a espetacularização da morte e da violência. Veja, há uma diferença entre representar a morte em momentos catárticos e tratá-la como um espetáculo que tem fim em si mesmo. GoT recorrentemente tem esquecido que a despedida de personagens tem ou deveria ter peso para os outros personagens, que são ou deveriam ser momentos melancólicos para o público também. Deveríamos vibrar pela derrota de um vilão, pela vitória mesmo que em sacrifício de um herói, mas não deveríamos ter como regozijo a morte em si desses personagens - é uma mensagem no mínimo problemática.

Para finalizar, as escolhas estéticas do episódio sabotaram a ideia central do próprio: mostrar o caos e a escala da batalha de Winterfell. Sim, ficou bem claro que a produção queria passar para o espectador o modo como os personagens estavam se sentindo, ou seja, perdidos, confusos, sem saber o que estava acontecendo, sem saber quem estava vivo ou não, sem conseguir enxergar direito etc. Mas eu sou espectador, não sou personagem, eu só vou entender como os personagens se sentem se eu entender CADÊ os personagens, não é? Escuro, repleto de planos fechados, tremidos e colados uns nos outros sem qualquer sombra de intenção de estabelecer quem está onde em relação ao quê, a visualidade desse episódio foi terrível mesmo em cópias de ótima qualidade. Se a batalha de Winterfell ocorreu, eu não vi, não entendi e, consequentemente, não senti nada em relação a ela. No início de tudo, GoT se baseava no status quo, num plano virtual de poderes e naqueles que ousavam tensiona-lo através de ações específicas que deformavam o espectro político. Era esse o charme da série, os joguetes palacianos reféns das personalidades mais ou menos honrosas das figuras que ali habitavam. O espetáculo deveria ficar em segundo plano e não ser o astro principal aqui, quem sabe agora, do modo como as coisas ficaram configuradas para esses três derradeiros episódios, o seriado não se redima buscando um pouco mais de inteligência e menos show of - e, quem sabe, se possível, um pouquinho mais de luz nessa fotografia. Quero poder ENXERGAR o final da série.

CRÍTICA: CAPITÃ MARVEL


O filme de número 21 da Marvel chegou aos cinemas. Depois de uma década de lançamentos, Capitã Marvel finalmente traz uma mulher à frente de um projeto do MCU. Passado nos anos 1990, o longa promete romper um pouco com a cronologia dos filmes anteriores, em preparação para a chegada de Vingadores: Ultimato, produção que deverá amarrar todas as pontas abertas nos últimos 10 anos de super-heróis. Brie Larson se sai bem no papel da heroína? Qual sua dinâmica com Samuel L. Jackson? O que o roteiro acrescenta a este universo? As cenas de ação funcionam? Isso tudo em um pouco mais eu falei no vídeo-crítica que você pode assistir logo abaixo:


Alguma opinião diferente sobre Capitã Marvel? Deixa aí nos comentários da postagem ou lá no canal do YouTube!

segunda-feira, 1 de abril de 2019

ANÁLISE FILME "NÓS" - AS VEIAS ABERTAS DA MEMÓRIA


Tentando não dar spoiler nenhum, mas de maneira que faça sentido para quem já assistiu ao filme, tentei escrever minha livre interpretação do filme de Jordan Peele e estrelado pela Lupita Nyong'o, Nós.


Quando desce pela toca do coelho branco, ou quando atravessa o espelho, Alice encontra num mundo escondido versões deturpadas e caricaturais das pessoas que conhecia na superfície. A obra de Lewis Carroll sempre carregou consigo a alusão de um mergulho no próprio inconsciente, nos desejos e medos profundos, nas insanidades retraídas da negação. Como indivíduos ou como sociedade, não podemos apenas mascarar os erros cometidos, dar a eles uma nova demão de tinta e dizer “pronto, está resolvido”. Não basta apenas admitir que se errou no passado, pois admitir sem reparar não é reconhecer o erro - e erros que você não consegue reconhecer, sempre voltam a aparecer no caminho, e como você não sabe como se parecem, volta a cometê-los.

Tais quais as vitórias, os erros também são parte de quem somos Nós. Fugir dos erros é, em retrospecto, fugir de si mesmo. Tanto o indivíduo quanto o país que apenas admite seu passado, mas não o repara e não reconhece os erros nele, está fadado a vivê-lo de novo. Quanto mais foge, quanto mais nega, mais profundos, densos e insanos se tornam os seus erros, fermentando sob a superfície. Um caldo grosso e violento feito de Nós mesmos, pronto para esguichar para fora da pele ao menor sinal de ruptura, vermelho como sangue.

Mas reparar e reconhecer um erro não é deixá-lo definir quem você ou Nós somos. Muito pelo contrário, é se libertar dele. Como pessoa ou como país, você se volta para dentro, desce até onde escondeu o problema e o enfrenta. O único modo de olhar para um erro e reconhecê-lo, mais do que isso, o único modo de olhar para um erro e não enxergar mais o próprio rosto nele, é encarando-o nos olhos. Clichê? Sim, mas hoje um clichê necessário. Somente assim, cortamos o cordão umbilical criado pela negação e pela fuga entre o erro e nós mesmos, eficiente como o fechar ágil e afiado de uma tesoura de costura.

De outro modo, qualquer pequeno corte faz sangrar um filete grosso desse sangue pressurizado sob a pele. Qualquer porta que se abre, faz o passado saltar para fora, violento, se estendendo de costa à costa numa corrente de erros, todos de mãos dadas, como se fossem as veias cheias de sangue inocente não reconhecido, não reparado.

A História tece a sua teia irregular, mas repleta de padrões, como as patinhas habilidosas de uma aranha, cujo número que as enumera, o oito, também simboliza o infinito. Um infinito de padrões repetidos, uma Dona Aranha subindo pela parede, derrubada pela chuva forte e voltando a subir, de novo, e de novo e de novo. Um assovio ecoando no escuro. Aqui, o indivíduo, a realidade política atual e um filme de terror convergem. Os genocídios do passado, os erros não sanados, os monstros no subsolo e os terrores do agora, de repente, se parecem demais com ninguém mais ninguém menos do que apenas Nós.

segunda-feira, 18 de março de 2019

Célico #0 - Eu não queria gravar vídeos


É isso aí, quem me acompanha aqui há algum tempo, sabe que o que eu gosto de fazer é escrever sobre cinema. Porém, ao contrário do que indicam o resultado das nossas eleições, aparentemente vivemos no Século XXI e as pessoas gostam de vídeos. Então eu vou fazer alguns deles TAMBÉM.

E esse TAMBÉM é para marcar que eu vou continuar escrevendo aqui, não importa o quê.


Enquanto isso, fica a chamadinha aí para o canal, assinem lá e curtam a página do Facebook, os textos vão começar a ser postados lá também.   

domingo, 24 de fevereiro de 2019

APOSTAS OSCAR 2019

Diferente do que eu fiz nos outros anos, neste eu dividi a postagem do Oscar em duas partes. Aqui ficaram apenas as apostas, minhas explicações e apontamentos eu transformei num Guia de Apostas Oscar 2019, que você pode ler clicando aí.

Dito isso, gostaria de lembrar que, humildemente, meu número de acertos a cada edição do Oscar costuma ser bem alto. Minhas surpresas são surpresas para todo mundo. Lembrando que, em vermelho, são as minhas apostas, e em azul, os filmes que podem acabar levando. Então, sem mais delongas, seguem os meus pitacos deste ano:

sábado, 23 de fevereiro de 2019

GUIA DE APOSTAS OSCAR 2019


Um guia para apostar no Oscar 2019



Você gosta de apostar em quem vai vencer o Oscar só pra se divertir? Ou tá querendo participar de um bolão? Pois aqui está um guia para isso.

Acontece que eu adoro apostar nos vencedores do Oscar todos os anos. E modéstia à parte, tenho um bom número de acertos a cada edição. Minhas surpresas costumam ser surpresas para todo mundo. Agora, eu não sou nenhum x-men com poderes místicos não, o que eu faço é observar as notícias, os indicados e sua repercussão na mídia, em outras premiações e o contexto de cada concorrente. Ou seja, eu dou meus pitacos depois de estudar muuuito a situação da indústria. Então, começando este ano, resolvi dividir esse compilado aqui para que outras pessoas possam brincar também. Espero que gostem e, se for útil, compartilha que o tio agradece.


Aqui você pode conferir todas as minhas apostas para o Oscar 2019, só clicar.



Como utilizar o guia?


Seguinte, pra ficar mais organizado, eu dividi as coisas aqui entre Premiações, Mídia, Méritos e Outras Considerações, e isso sobre CADA UM dos indicados - eu sou um anjo, eu sei, obrigado. Premiações. Para fins de avaliação: As premiações que mais pesam para a Academia são as dos sindicatos, o PGA (produtores, pesam na categoria Melhor Filme), DGA (diretores), SAG (atores), WGA (roteiristas), ACE (montadores), ASC (fotógrafos), CDGA (figurinistas), MUAHSG (maquiadores e cabeleireiros), ADG (diretores de arte) e VES (animadores gráficos) - até a data dessa postagem o sindicato dos sonoplastas (MPSE) ainda não tinha entregue o seu prêmio. Depois vem as grandes premiações gerais, como o BAFTA (o Oscar britânico), o Critics Choice, o Independent Spirit e por último o Globo de Ouro, o que menos pesa nas decisões porque realmente não é levado a sério por lá - porém, como tem membros da Academia que podem ser alheios a isso, influencia, nem que seja contra o indicado. Daí, por fim, há os festivais. Em primeiro Cannes, daí Veneza, Toronto e, quem sabe, Sundance. Mídia é o que outros veículos estão favoritando. Oscar é uma corrida publicitária, é preciso ser falado e falado do jeito certo, e ninguém melhor para medir esse termômetro do que a mídia local de Hollywood, por isso aqui entram as apostas de veículos de lá. Méritos. Por mais estranho que seja, é aqui que eu vou comentar os méritos dos indicados, se aquilo pelo que eles estão concorrendo realmente tem peso para ganhar e o porquê. E aqui tem um diferencial, sempre que eu inserir esta variável, é porque eu mesmo assisti ao filme (assisti praticamente todos) e fiz uma avaliação de estilo, impacto e assuntos. Já em Outras Considerações, quando existirem, eu vou falar de polêmicas, jogadas de marketing e demais fatores que podem influenciar na decisão da Academia. Prontos? Vamos lá!

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

CRÍTICA: VICE


Cuidado: este é um texto de Esquerda, estejam avisados.


Tem gente que ainda fica chocada e se revolta quando descobre que os seus filmes favoritos carregam consigo uma ideologia. Todos os filmes carregam, pois são Arte, e Arte não existe no vácuo. Durante as eleições de 2018, por exemplo, teve fã de Star Wars entrando em parafuso quando descobriu o viés bem à Esquerda da saga. Afinal, como posso gostar de algo se eu discordo da sua ideologia, filosofia ou visão de mundo? Acontece que essa é uma das mais fascinantes nuances da Arte, você não precisa concordar com o que ela diz ou sequer entendê-la para apreciar os seus resultados. Dito isso, para quem se considera de Direita, vai ser difícil gostar de Vice.

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

CRÍTICA: CREED II


Certamente que o principal músculo envolvido no sucesso das mais de quatro décadas da série de filmes Rocky, é o do coração. Sempre mais preocupados em desenvolver as lutas enfrentadas pelo boxeador do lado de fora do ringue, os longas protagonizados por Balboa jamais usaram do espetáculo de violência como um atrativo sádico por si mesmo, procurando explorar a psique do lutador título na tentativa de compreender suas relações e porque, afinal, é apenas entre as quatro cordas que consegue se expressar. Não estou dizendo que seus filmes sempre conseguiram entregar esse esforço da maneira excepcional que se vê em Rocky, Um Lutador (1976) e Rocky Balboa (2006), houve os trôpegos Rocky II (1979) e Rocky V (1990), além dos quase intragáveis Rocky III (1982) e Rocky IV (1985). O que me traz até este Creed II, cuja eficiência é tão notável que, ao resgatar elementos centrais do desastroso filme de 85, quase o faz parecer um bom prelúdio.

Sequência de Creed: Nascido Para Lutar (2015), o longa volta a ainda refrescante ideia de trazer o antigo protagonista e ex-personagem título da série como um coadjuvante, agora cedendo lugar no centro do palco (ou seria do ringue?) a Adonis (Michael B. Jordan), filho de seu rival e melhor-amigo, Apollo Creed. E se antes essa relação era um mero elo para ligar Adonis ao seu mentor, Rocky (Sylvester Stallone), agora ela se torna ainda mais relevante quando o lutador Ivan Drago (Dolph Lundgren) retorna à Filadélfia, mais de 30 anos depois dos tristes eventos de Rocky IV, e desafia o jovem Creed a enfrentar o seu filho, Viktor Drago (Florian Munteanu). Frente ao peso simbólico desta luta em particular, as relações de Adonis com seu amigo e treinador ficam abaladas, uma situação agravada quando o pugilista descobre que precisa lidar com novos desdobramentos de seu relacionamento com a cantora Bianca (Tessa Thompson).


Diferente do longa anterior, Creed II não conta com Ryan Coogler na cadeira de direção, uma vez que o cineasta foi dirigir Michael B. Jordan em Pantera Negra. Despontando nos últimos anos através do excelente e revoltante Fruitvale Station, e seguindo no currículo com Creed e daí para o já popular herói da Marvel na terra de Wakanda, Coogler se alavancou demonstrando, sim, um ímpeto por representatividade negra nas telonas, mas para além disso, provou ser capaz de sensibilidade e apuro audiovisual, algo que marcou bastante o outro filme. Agora quem assume o projeto é o desconhecido Steven Caple Jr., passando longe dos floreios do seu antecessor. Competente e, mais do que isso, promissor, Caple ainda assim emana uma certa crueza que Coogler já havia vencido em Creed, e quando digo isso, não é ao plano sequência da primeira luta de Adonis ou à corrida/homenagem do mesmo pelas ruas da Filadélfia a que quero remeter.

Tenho mais em mente momentos como aquele em o protagonista assiste a projeção de uma das lutas do pai, Apollo, ou aquele ainda que traz ele e seu mentor, Rocky, à beira das escadarias adotadas como palco tantos anos antes pelo velho lutador.

Mas se falta a Caple um pouquinho mais da ousadia que tinha o seu colega, ainda assim é inegável que o novato consegue criar momentos que oscilam com segurança entre o delicado e o divertido, como um sensível pedido de casamento ou um jantar que resulta numa notícia inesperada, sem contar que o realizador se sai particularmente bem quando quer sugerir perigo, estabelecendo a tensão apenas por revelar a presença de um personagem colocando-o sentado de costas para a câmera, ou, como faz noutro instante, por mergulhar em sombras o que era para ser uma mesa de jantar vitoriosa. Além disso, Caple é habilidoso ao compor alguns planos e enquadramentos, e gosto especialmente de como ele introduz Rocky na trama, não só encoberto pela escuridão, como também refletido de longe num espelho, quase como se o vulto que vemos fosse parte da consciência de Adonis.

Voltando a ser escrito por Sylvester Stallone, indicado ao Oscar de roteiro pelo filme original de 1976, e que tinha participado apenas em frente às câmeras no longa de 2015, Creed II resgata um pouco da estrutura de Rocky IV, algo que o próprio Rocky já trata de alertar em algum ponto do primeiro ato, relembrando que, depois da brutal derrota de Apollo nos EUA, ele teve de ir pessoalmente até a (então) União Soviética (agora, claro, a Rússia) para vingar o amigo. Com isso, já dá pra prever que arco Adonis irá percorrer aqui. Entretanto, como apontei lá em cima, esse universo sempre manteve as lutas mais como um pano de fundo, apesar de servirem como “respiros de ação” em meio à montagem, além de catalisar pontualmente para o espectador os conflitos dos protagonistas. Ou seja, o que interessa não é que luta vai ser perdida ou até qual outra ela vai levar, e se isso é previsível ou não, mas sim os desdobramentos que ligam um combate ao outro - ainda que, quando estes são o foco de alguma sequência, os efeitos sonoros e as ótimas coreografias acabam dando conta de demonstrar a eficiência dos golpes e o perigo envolvidos para os desafiantes.

E se uma das falhas mais aberrantes do filme de 1985 era a maneira como pintava de forma caricatural o vilão interpretado por Dolph Lundgren, aqui é justamente essa desumanização que acaba tornando o aprofundamento dos antagonistas tão interessante. Vivido quase que de forma muda por Florian Munteanu, Viktor, por exemplo, é apresentado como uma besta desenfreada, uma máquina de combate implacável e sem sentimentos. Porém, a decisão de Caple de abrir a projeção apresentando a dura rotina de treinamento do pugilista ao lado do pai, sugere para o espectador uma ligação emocional complexa entre o jovem e seu progenitor. Aliás, aquilo que o roteiro nos permite vislumbrar do lado dos “vilões”, vai aos poucos construindo uma relação da qual podemos inferir quase um todo: a amargura de Ivan, que provavelmente criou o filho enchendo a cabeça do menino com histórias sobre humilhação e revanche, e a sua gradual (e surpreendente) percepção de que um sentimento de ódio e repulsa não é o que deseja para o seu garoto.

Do outro lado, Michael B. Jordan demonstra um Adonis já mais maduro e menos explosivo, ainda que tão genioso quanto aquele que nos foi apresentado antes. Capaz de conferir ferocidade na postura da mesma forma como convence o espectador de sua doçura, Jordan estabelece uma dinâmica afinada com Tessa Thompson, com quem divide diálogos ainda mais azeitados do que aqueles que troca com Sylvester Stallone, ao contrário do que seria esperado. Thompson, inclusive, ganha uma personagem que poderia muito bem ser apenas a “namorada do herói”, mas muito ao contrário disso, sempre demonstra possuir sonhos e objetivos próprios, algo que a atriz é hábil ao demarcar como a carreira e os próprios demônios são algo de tanta importância para Bianca quanto o seu relacionamento com Adonis - e achei econômico e eficaz o modo como o texto configura um enfrentamento entre o protagonista e um publicitário nos camarotes de um show da moça, demonstrando que o namorado é um fã tão assíduo do trabalho dela, quanto acontece quando é ele que está em cima de um ringue. E se não por mais nada, esse detalhe ao menos denota uma parceria harmoniosa regendo o casal.

Já Stallone volta sempre com frescor a um personagem que, justamente por conhecer tão bem, ele poderia interpretar de olhos fechados. Mas não, o ator não cansa de investir nos maneirismos de Rocky e seu modo de se mexer, com os ombros balançando como se ainda estivesse lutando, assim como a sua tendência a manter os pés dando passinhos pra lá e pra cá. Além disso, o modo simplório como constrói suas frases continua inferindo uma inocência encantadora ao personagem, ainda que jamais denote ingenuidade - e o ator consegue passar a sua carga de sabedoria através de um quase onipresente olhar melancólico e dos modos rotineiros com que parece interagir com tudo, como se nada pudesse surpreendê-lo - até mesmo as duras acusações de seu pupilo, em dado momento, são recebidas com uma expressão de tristeza, sim, mas uma tristeza que parece ser familiar a ele. E de alguma forma faz muito sentido que, mesmo ao final da segunda década do Século XXI, Rocky ainda seja um adepto das agendinhas telefônicas de bolso.

Embalado ainda pela trilha empolgante de Ludwig Göransson, que novamente mistura e traz ainda mais marcado o tema icônico de Bill Conti em meio às suas próprias composições, Creed II é um projeto tão repleto de personagens carismáticos que o sentimento ao final, como aconteceu no desfecho do longa de 2015, é de querer vê-los de novo o mais rápido possível. E não de maneira formulaica e gananciosa, apenas para tirar uns troco, mas, como tem acontecido nessa nova fase do universo Rocky até aqui, com história sobre personagens que não apenas enfrentam uma luta de cada vez, mas que também aprendem com os hematomas do passado e voltam mais evoluídos, mais complexos e familiares. Espero ver outra vez Adonis, Bianca e, embora improvável, por que não um pouco mais de Ivan e Viktor Drago.

Nota: 8/10