segunda-feira, 27 de agosto de 2018

CRÍTICA: BENZINHO


Uma mãe e seus filhos brincam sob o lençol vermelho translúcido que banha os personagens em tons quentes. O plano remete ao interior de um útero, salientando o desejo da protagonista, Irene (Karine Telles), de trazer suas crianças de volta a um cenário em que ainda podia controlar o destino das mesmas, quando tinha como protegê-las e abriga-las com o próprio corpo - encargos tão atribuídos à mãe, e sobre os quais ela se vê cada vez mais impotente conforme se aproxima a data da viagem do filho mais velho à Alemanha, onde vai jogar handebol.

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

CRÍTICA: SLENDER MAN - PESADELO SEM ROSTO



O mito do Slender Man foi um dos virais mais famosos da internet na década passada. A lenda urbana fala de um espírito maligno representado por um homem magro, alto e sem rosto que, recorrentemente, está associado à abdução de jovens. O personagem se tornou um meme de horror e gerou uma porção absurda de montagens fotográficas, de vídeos falsos, jogos e, agora, esse longa-metragem chatíssimo. E embora o filme colecione uma lista caprichosa de problemas, o pior deles é bem simples: o projeto confunde criar atmosfera com enrolação.

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

UMA MÁ IDEIA CHAMADA: OSCAR DE FILME POPULAR


“E o Oscar de Melhor Filme Popular vai para…” vai ser o mais novo jargão proferido na próxima cerimônia de entrega do Oscar em 2019.


Para quem não sabe, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (responsável pela premiação) anunciou esses dias que agora o evento contará com uma nova categoria: Filme Popular. Isso é, será criada uma categoria específica para prestigiar os filmes de grande orçamento e/ou arrecadação.


Afinal, embora costumem figurar nas categorias “técnicas”, tanto o público quanto os estúdios mais influentes de Hollywood sempre sentiram falta de reconhecimento por parte da Academia para os filmes de gênero e blockbusters. Expoentes da ação, comédia, fantasia e terror, por exemplo, não costumam disputar ou vencer como Melhor Roteiro, Filme, Direção, Ator, Atriz etc. É preciso um sucesso retumbante de público, a aclamação fervorosa e quase unânime da crítica e ainda o apoio da comunidade hollywoodiana para que um Mad Max: Estrada da Fúria, por exemplo, chegue com favoritismo no dia da premiação - e vamos lembrar que, ainda assim, o longa de George Miller não venceu nas categorias principais.


E isso não é de todo incompreensível. O Cinema de Gênero tem um público cativo justamente por pisar em terreno seguro, ou seja, costuma se utilizar de uma série de muletas e recursos testados e aprovados através dos anos para alcançar a maior parcela possível de espectadores - o que os torna muito interessantes para os estúdios e produtores, que por sua vez investem pesado em projetos do tipo. E quanto mais alto o investimento em um filme, mais os produtores costumam exigir que esse filme se atenha à cartilha do seu gênero.


Portanto, existe um estigma de que o Cinema de Gênero é mais previsível, clichê, raso, menos político e mais entretenimento do que Arte - e não é. Mas por isso os membros da Academia tendem a menosprezá-lo.


Além disso, o Oscar só é o Oscar porque possui validação do público e da comunidade cinematográfica mundial. Você não ouve na rua alguém dizer “Ah mas esse filme ganhou até um BAFTA e um Spirit Awards” ou “Você viu aquele filme que levou 3 Globos de Ouro?”. Independente do mérito (ou falta de) das outras premiações, o Oscar ainda é um troféu importante porque a cada nova edição faz história. Tem peso e influência macro. Porém, a Academia vem perdendo prestígio e audiência cada vez mais justamente por ignorar obras de apelo popular, e a criação da nova categoria vem, antes de tudo, para angariar mais telespectadores (principalmente os mais jovens) para a exibição anual da cerimônia.


Então, a ideia de criar um Oscar para o Melhor Filme Popular parece boa, certo?


Mas não é bem assim.


1) Ao invés de levar prestígio para o Cinema de Gênero, a Academia corre o risco de segregá-lo ainda mais. Basicamente o que os votantes estarão dizendo é que “Blockbuster Tal” ou “Sucesso de Público X” não é tão digno de prêmio quanto… Bom, quanto esses outros tantos filmes que sempre concorrem - e não me entendam errado, embora muitos títulos magníficos sejam esquecidos todos os anos, quase sempre trata-se de uma seleção boa no geral. Ou seja, a Academia vai continuar indicando e premiando os filmes pelos mesmos parâmetros de sempre, só que agora um Mad Max: Estrada da Fúria, se já tinha poucas chances antes, a partir de 2019, jamais vai conseguir ser reconhecido como Melhor Filme do ano - mesmo que mereça.


A categoria Filme Popular vai virar o equivalente de um tapinha nas costas, ou pior, de um “muito bem, continue assim!”. E o que é mais prejudicial, os filmes vencedores nessa categoria, ficarão marcados como obras menos “Arte” do que os outros, ou seja, obras que não devem ser levadas tão a sério quanto as outras. E daí surgem mais duas sub-complicações:


a) O conceito antiquado de “Filme de Arte”, que já é irritantemente difundido por aí, só vai ser endossado ainda mais, pois, se a Academia e toda sua autoridade faz essa distinção, porque todo mundo não deveria fazer? Ou seja, vai se popularizar a noção totalmente equivocada de que um filme caro, de gênero ou que faz bastante dinheiro por ser atrativo de alguma forma, não é Arte, é entretenimento. Ora, o que há de errado em Arte ser um entretenimento também? Qual o problema em gerar lucro? A Última Ceia foi um quadro pago, o teto da Capela Sistina também, assim como a fonte da Piazza Navona e a maior parte das composições de Mozart. Mas ninguém diz que Amadeus, da Vinci, Michelangelo ou Bernini não foram artistas. Gente, o Mecenato não estava assim tão distante da prática de financiamento de grandes produções hoje - mas a Academia obviamente enxerga que o que é feito para o “povão” não pode ser tão profundo e complexo de um ponto de vista artístico, estilístico, narrativo ou linguístico.


Claro que estamos falando de Cinema, que é uma Arte muito mais “jovem” em comparação com às artes plásticas, a música, o teatro ou a literatura, por exemplo. É natural que ainda seja tão contestado, diminuído e que se experimente e erre tanto no seu processo de amadurecimento tanto como Arte quanto junto à opinião pública. E justamente por isso, uma entidade de tamanha autoridade validar um conceito tão antiquado não vai ajudar em nada.


b) Uma vez que os filmes fiquem divididos entre Arte e Entretenimento, filmes que ganhem como entretenimento vão ser levados menos a sério do que os outros. Aliás, se vencedores na categoria Filme Popular, esses filmes vão praticamente receber uma indicação oficial para que não sejam vistos como obras importantes e relevantes. Agora imaginem que possíveis candidatos à nova categoria são filmes como Star Wars: Os Últimos Jedi (alta representatividade feminina e protagonistas negros, latinos e orientais), Mulher-Maravilha (heroína mulher), Pantera Negra (representatividade negra) e o já citado Mad Max (temas anti-machistas), Estrelas Além do Tempo (que aborda o preconceito racial e de gênero). Entende o problema?


2) “Ah mas já existem outras subdivisões da categoria Melhor Filme, como Documentário, Animação e Estrangeiro e isso não diminui ninguém...”. Esse argumento não cola, porque Documentário e Animação representam técnicas, modos de produção e contratos específicos com o espectador que são muito diferentes do típico cinema de ficção tradicional em carne e osso, e por isso merecem um reconhecimento próprio - já para justificar a categoria de Filme Estrangeiro é ainda mais fácil, pois trata-se de uma “cota”, se a briga já é feia entre filmes hollywoodianos, imagina para os coitados dos forasteiros.


Além disso, todos os filmes oscarizáveis dessas categorias também podem concorrer como Melhor Filme - elas não são excludentes. Up: Altas Aventuras e Toy Story 3 concorrem tanto como Animação como Melhor Filme, por exemplo. Assim como Amor concorreu como Filme Estrangeiro e na categoria principal também. É difícil, justamente porque possuem já um espaço próprio dentro a premiação, e olha que esses filmes têm mais prestígio frente à Academia do que os blockbusters e o Cinema de Gênero como um todo.


Já a categoria Filme Popular parte de uma premissa por si excludente, e mesmo que esteja previsto no regulamento que possa concorrer junto aos outros ao maior troféu da noite, na prática o que vai acontecer é que esse Cinema vai ser afastado de uma seleção que a Academia considera mais elitizada. Com isso nós voltamos, portanto, inúmeras décadas no que diz respeito aos conceitos ultrapassados de alta e baixa cultura.


Quer um desenho mais prático da situação? Pantera Negra, que era um nome forte para concorrer nessa próxima edição do Oscar, mesmo tendo estreado lááá atrás na temporada, agora JAMAIS terá chances de concorrer como Melhor Filme. Vai ser um dos favoritos nessa nova Melhor Filme Popular, sem dúvidas, mas não digno do prêmio máximo.


3) E isso leva a um outro problema, que vai ter desdobramentos futuros. Conforme filmes forem sendo rotulados como “populares”, os estúdios e produtores terão mais argumentos para investir na cartilha dos gêneros. E ao invés de serem palco para inovação e popularização de vanguardismos, os cinema “popular” vai é realmente virar o que muita gente ACHA que ele é: clichê, previsível… Apenas entretenimento, e entretenimento raso. Com menos autoralidade, tudo o que o cinema hollywoodiano evoluiu nos últimos 70 anos vai dar uns três passos pra trás - hoje o cinema autoral e criativo é muito “popular”, mas conforme o popular for aquilo que rende mais dinheiro, o autoral e criativo tendem a voltar a representar um cinema mais de nicho, com os autores, cineastas e demais artistas que compõem a equipe técnica de um filme, voltando a ter BEM menos prestígio do que os que pagam pelo empreendimento. Esqueçam orçamentos milionários e liberdades criativas para os Quentin Tarantinos, Edgar Wrights, Guillermo del Toros, Christopher Nolans e Dennis Villeneuves.


4) E por fim, afinal, a Academia ainda não definiu/anunciou como vai fazer a distinção entre Melhor Filme e Filme Popular, e nem se haverá uma diferença nos processos de indicação e votação dos mesmos. O mais provável é que seja pelo rendimento nas bilheterias. Levando em conta tudo o que já falei até aqui, se for o caso, peguei só dos últimos anos alguns filmes que poderiam ter sido enquadrados como Filme Popular, sem jamais chegar perto da categoria principal: Dunkirk, A Forma da Água, A Chegada, La La Land, Estrelas Além do Tempo, Mad Max, O Lobo de Wall Street, Gravidade, Django Livre, A Origem, Toy Story 3 e Distrito 9. São todos filme entre excelentes e novos-clássicos que jamais teriam recebido o destaque histórico de terem concorrido ou ganho o Oscar de Melhor Filme.


E ainda mais uma provocação: como se classificariam esses filmes através do rendimento? Seria uma comparação entre investimento e retorno? Seria só baseado em retorno? Como fica o caso de um Cisne Negro, que custou pouco e lucrou muito? Ou um Blade Runner 2049, que custou muito e lucrou pouco?


Ainda é cedo para dizer que vai ser assim e vai ser assado, mas por todos esses motivos listados acima, não me parece uma boa ideia.


P.S.: Ah, além de tudo, a Academia também anunciou que várias das categorias “técnicas” (as aspas são porque essas categorias são tão artísticas quanto as outras) não serão mais transmitidas ao vivo, como toda a cerimônia. A partir da próxima edição, algumas delas serão entregues durante os comerciais e mostradas mais tarde já editadas. Isso visa diminuir o tempo de duração da transmissão, e o problema é óbvio: o menosprezo relegado a esses artistas. O que, aliás, contribui ainda mais com o que eu falei ali em cima, sobre tirar o prestígio e a autoridade dos profissionais e artistas e dar ainda mais aos produtores e estúdios. Pensando bem, essas mudanças da Academia me parecem agora como a versão hollywoodiana da Reforma Trabalhista.