quinta-feira, 28 de setembro de 2017

KINGSMAN: O CÍRCULO DOURADO


O cineasta Matthew Vaughn despontou na última década com uma estética curiosa. Ainda que tenha conduzido produções de baixo e alto orçamento, insistiu em ambos os casos nos truques de montagem, em planos chamativos (e econômicos), e na construção cuidadosa de cenas para construir seus personagens e suas relações. Estratégias como essas estão normalmente associadas a projetos que tanto buscam um apelo junto ao público, quanto precisam burlar o uso de efeitos visuais e demais gastos com cenários, locações etc. Porém, o que era necessidade, Vaughn transformou em estilismo, assinando filmes cujos grafismos e trucagens narrativas tornavam o todo ainda mais interessante, e mesmo seu multimilionário X-Men: Primeira Classe (provavelmente o melhor dos filmes X-Men) preferia o impacto extraído da simplicidade de uma montagem paralela, repleta de cortinas e multitelas (algo que qualquer um com acesso ao Movie Maker poderia fazer em casa), do que a pirotecnia de batalhas épicas construídas em CGI. Foi assim que deu luz também aos divertidos Nem Tudo é o Que Parece, Stardust: O Mistério da Estrela, Kick-Ass: Quebrando Tudo (excepcional) e ao predecessor do longa em debate aqui, Kingsman: Serviço Secreto.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

MÃE!


Um dos aspectos mais fascinantes do Cinema é o modo com que sua linguagem consegue impor ao espectador os mais variados sentimentos, sensações e ideias, sem que este tenha de concordar ou sequer entender o conteúdo de uma de suas obras. Para relembrar as palavras do mestre Roger Ebert, nunca repetidas o suficiente: “...não importa sobre O QUE é um filme, mas COMO ele é sobre o que ele é”. A gramática audiovisual de um longa pode, sozinha, conduzir o público por uma gama de emoções, que não necessariamente devem ser agradáveis a este - aliás, muito pelo contrário, nos tirar da zona de conforto e inquietar-nos é um dos recursos mais tradicionais que a Arte tem de nos levar à reflexão. No caso de Mãe!, somos acompanhados do início ao fim pela angústia, pela claustrofobia e pelo medo de que algo terrível acontecerá a seguir, mesmo que nem sempre compreendamos o que é - por si só, essas são constatações que já comprovam o domínio narrativo exercido pelo cineasta Darren Aronofsky. E o resultado disso torna quase garantido o debate subsequente sobre os significados de seu filme, pois tal eficiência em causar desconforto pode ser abraçada ou rejeitada por nós do lado de cá, mas é quase certa a impossibilidade de se manter indiferente quanto ao que vimos e ouvimos em tela.

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

O JANTAR



Sabe aquela máxima “o livro é sempre melhor do que o filme”? Balela. Essa falácia se baseia na lógica de que um texto, por ter mais espaço de descrição, é mais rico e aprofundado que um produto audiovisual, normalmente limitado pelo tempo. Errado. A linguagem cinemática possui tantos recursos quanto a literatura. Pensem na fotografia, na trilha, na montagem, no desenho de som, na direção de arte, no figurino, na maquiagem, no roteiro, na montagem, nos atores. São tantas combinações possíveis desses elementos, que é perfeitamente plausível que um filme, com apenas um plano, conte mais ao espectador do que um livro faria. Dito isso, é triste quando, apesar de dominar a narrativa audiovisual, um filme se mostra incrédulo sobre o seu potencial. Tomemos como exemplo este O Jantar, que gira em torno de quatro pessoas se encontrando em um restaurante refinado para discutir o comportamento de seus filhos.

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

UMA MULHER FANTÁSTICA


Antes de começar, preciso divagar um pouco, e entenderei se quiser pular para o terceiro parágrafo deste texto, que é quando começo, de fato, a falar do filme em questão.
Decidiu começar por aqui? Ótimo, pois bem: já percebeu como o cotidiano tem uma linguagem? Os ambientes que você frequenta falam uma língua fluentemente todos os dias, é por isso que sabemos instintivamente que tem algo diferente acontecendo quando o trânsito tá mais lento, ou o tempo meio estranho, ou as pessoas num humor ou ritmo atípicos. A quebra dessa linguagem, entretanto, é como a invenção de uma nova palavra. Se um carro invade uma calçada e mata alguém, por exemplo, isso rompe o monólogo do dia a dia, é um evento. Porém, logo depois disso o fato extraordinário torna-se precedente e entra para o repertório de coisas que acontecem. Assim, se acidentes de carro ocorrem outra vez, essas fatalidades ganham familiaridade na rotina de um espaço, e passam a fazer parte da linguagem do cotidiano. Em outras palavras, nos acostumamos com elas, e com os assaltos, e com os escândalos de corrupção, e com aquele cachorro que sempre late quando você passa na frente daquela casa na sua rua, e por aí vai. Essa linguagem absorve quase qualquer coisa… Desde que ela esteja prevista nos padrões sociais vigentes do que é aceitável. Aviões jogados contra prédios em Nova York, nesse caso, é uma palavra difícil de ser aprendida nessa língua. Aparentemente, pessoas transexuais também. E não faço a comparação à toa, pois se a nossa sociedade contemporânea tem a mesma dificuldade para aceitar um atentado com centenas de mortos e um indivíduo que se identifica com um gênero diferente daquele em que nasceu, é porque, no fundo, ela ainda considera ambas as coisas uma tragédia de proporções equivalentes.


Portanto:     
Quando você se diferencia dos padrões sociais vigentes, se torna um calombo no tecido do cotidiano. Talvez você tenha a sorte de ninguém tentar desfazer o amassado à força, mas as pessoas ainda assim vão tropeçar em você, e talvez nenhuma delas vá assumir o erro e dizer: “É, talvez eu devesse ter levantado os pés, perdão”. O mais provável é que te culpem pelo incidente. Porém, o que, em geral seus amigos e familiares não entendem, é que essas pequenas violências são tão destrutivas quanto aquelas mais diretas e premeditadas - falo de crimes de homofobia, misoginia e racismo, sim. E é essa dinâmica no dia a dia de Marina, uma mulher transexual, que o filme Uma Mulher Fantástica ilustra de forma tão dolorosa através do olhar delicado que lança sobre sua protagonista - e boa parte de sua força reside na interpretação forte e inteligente da atriz (também transexual) Daniela Vega.

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

IT: A COISA


Em um universo onde as crianças não podem contar com adultos ausentes enquanto lidam com valentões e a descoberta dos valores de amor e companheirismo, um grupo de colegas de escola, montados em suas bicicletas e armados de lanternas e walkie-talkies, tem de enfrentar um monstro que, no fundo, é quase tão assustador quanto esse processo de amadurecimento. Isso, claro, ao som da melhor seleta de canções pop da época. Essa embalagem de filmes de fantasia e terror da Hollywood dos anos 1980 gerou mesmo obras atemporais como Conta Comigo, Os Goonies, Gremlins, Garotos Perdidos, e E.T. - O Extra Terrestre, e hoje surge como uma estética cultuada e emulada à risca em projetos como Super 8 e Stranger Things. It: A Coisa não é diferente, e apesar de atado ao gênero de horror, é um longa muito mais preocupado com a elaboração de uma atmosfera sombria e ameaçadora que abrace seus carismáticos e jovens protagonistas, do que em causar sustos pontuais.  E se esses existem, é por mera convenção, como se o projeto os utilizasse por obrigatoriedade, já que, de outra forma, desenvolver o hepteto de personagens principais parece ser seu objetivo primário - e um que é alcançado de forma encantadora.