segunda-feira, 29 de agosto de 2011

PLANETA DOS MACACOS - A ORIGEM

    

     Em 1968, cinemas em todo o mundo exibiram pela primeira vez o ator Charlton Heston gritar em uma praia deserta para as ruínas da estatua da liberdade. Esta era uma das maiores plot twist (o famoso final surpreendente) de toda a história do cinema. Eis que, muitos anos depois, chega aos cinemas Planeta dos Macacos: A origem, tentando contar os fatos que levaram aos acontecimentos do filme clássico. E mesmo não estando destinado a se tornar um marco como seu antecessor, o filme é com certeza uma agradável surpresa em meio aos blockbusters, não caindo na armadilha de deixar solta no set, toda a macacada (perdão do trocadilho).



     O filme começa com a captura de "Olhos brilhantes", uma chimpanzé que irá para o laboratório onde trabalha Will Rodman (James Franco), que testa nos animais uma vacina com potencial de curar o Alzheimer. E quando a macaca resolve surtar bem no dia da apresentação do medicamento, Will descobre que a mesma deu luz a um filhote, que o jovem cientista logo adota. O primata cresce e se torna um membro da família, demonstrando sempre uma aptidão muito maior do qualquer outro de sua espécie, fazendo Will acreditar que ele herdou os genes modificados da mãe. Enquanto isso, ele continua testando em segredo, no seu próprio pai, Charles (John Lithgow), a vacina, que se mostra eficaz contra a doença. Mas depois de um incidente envolvendo o chimpanzé, que recebe o nome de Caesar (Andy Serkis), o animal vai parar em um abrigo onde passa a sofrer preso em uma pequena jaula e com os maus tratos que recebe do jovem tratador de animais, Dodge (Tom Felton). 


     O Roteiro de Amanda Silver e Rick Jaffa logo tira James Franco e coloca Caesar como o protagonista, o que torna a proposta do filme ainda mais arriscada. Afinal, um filme cuja proposta inicial é contar os eventos que levaram os macacos a dominar o planeta, já tem muitos motivos para se preocupar sem ter que, ainda por cima, garantir que seu protagonista seja convincente. E a Weta -Empresa responsável por inúmeros vencedores do Oscar de efeitos especiais- está mais uma vez de parabéns! A última coisa com que nos preocupamos durante o filme, é se o chimpanzé é de verdade ou não, pois em certos momentos é de se duvidar que o animal seja feito por animação. Assim como todos os outros macacos que vemos durante o filme, igualmente convincentes. Ponto para a empresa que conseguiu dar não só vida a macacada, mas também alma, já que seus olhares (sempre um ponto fraco de qualquer animação) possuem vida e nunca parecem artificiais. 


     Mas Caesar não foi criado do nada. Assim como aconteceu ao Gollum de O Senhor dos Anéis, ao King Kong e aos Navi de Avatar, o macaco foi criado em cima da captação dos movimentos corporais e faciais de um ator. E não para menos, foi escolhido para o papel, Andy Serkis, que deu vida a Gollum e ao Gorila gigante também, sendo ele a escolha mais óbvia para interpretar Caesar, não só por já estar acostumado a usar a roupa especial para CGI ou por já ter interpretado um macaco antes com esta mesma roupa, mas por que o ator simplesmente tem um talento natural, que é o principal motivo de o chimpanzé  realmente nos convencer a comprá-lo como nosso herói. Sendo assim, Serkis é de longe o destaque do elenco.


     Até porque, pouco sobra para James Franco fazer com seu Will, que mesmo não recebendo especial desenvolvimento, acaba por se tornar um personagem agradável nas mãos do ator. Seu relacionamento com o pai é com certeza o ponto alto de seu personagem que sofre ao tentar lidar com a doença do mesmo, interpretado de forma tocante e com química por John Lithgow, o que torna a relação dos dois eficiente e crível, sendo o melhor da ala humana do filme Já que a coitada da Freida Pinto, que interpreta o desnecessário interesse romântico de Will, Caroline, pouco tem a fazer e menos ainda o que dizer, deixando a atriz "parada" em tela durante várias cenas. 


     E com certeza a exploração de personagens secundários não é a especialidade dos roteiristas, que dão a Tyler Labine que interpreta o tratador de animais do laboratório, Robert Franklin, aparições especiais só quando este é necessário para explicar algo na trama, assim como Brian Cox, que passa despercebido com seu John Landon, responsável pelo abrigo onde Caesar é posto. Assim resta ao Draco Malf... Ops! Tom Felton tentar fazer algo com seu razoavelmente bem usado Dodge, que não difere em quase nada do personagem do ator na saga do bruxinho. E é uma pena que os mesmos roteiristas se vejam tão sem imaginação para inventarem o motivo da raiva dos macacos, que acaba caindo no estereótipo do oprimido que se vira contra seu opressor, que aqui é claramente representado pelo personagem de Felton. Há também um vizinho chato com quem tudo acontece, que mais adiante tem alguma importância, mas que durante todo o resto é desperdiçado numa fracassada tentativa de criar um alívio cômico. 


     Mas se o roteiro falha, a direção de Rupert Wyatt ao menos é acertada, não se destacando em momento algum, mas ainda assim, contando a história de maneira correta sem investir em nada fora do comum, deixando que a história e seu incrível protagonista sejam os astros principais. E isso só soma pontos quando se vê que a montagem é igualmente boa, dando um ritmo tenso e urgente ao filme. Pena é que a trilha de Patrick Doyle (Aqui estranhamente longe dos habituais violinos) sirva apenas de pano de fundo, não tendo nada de memorável. 


     Mas, para os fãs do filme original que se tornou um clássico da ficção científica, o filme pode ter algo mais a oferecer, já que os que ficarem ligados na telona, perceberão em muitas cenas, referências claras. Não só homenagens como no momento em que vemos Caesar montar uma maquete da estátua da liberdade ou no filme com Charlton Heston que está passando em uma Tv em dado momento, mas também elementos da trama do longa original, como a nave com destino a Marte que aparece de relance em uma notícia. Assim como o nome da macaca "Olhos Brilhantes". Portanto, o filme torna-se uma experiência muito mais agradável quando se pode ficar procurando por estes Easter Eggs durante a projeção. E ponto para o filme que não cai na habitual armadilha de deixar que o próprio se torne dependente destas referências, tendo uma trama nova a contar e que se sustenta por si só.


     Visualmente belo, divertido de se acompanhar e bem atuado na medida do possível, é uma pena que haja alguma falta de inspiração neste longa, que apesar de manter um ritmo impecável durante a maior parte de sua duração, resolve logo após o bem dirigido clímax na ponte de São Francisco, terminar de forma abrupta e decepcionante, deixando um gostinho de quero mais que na verdade podia ter sido saciado ali mesmo.

P.S. Tem uma cena durante os créditos, fique para conferir e entender um pouco mais.


NOTA: 7/10       

NOVO VISUAL

     Oi, se você está lendo isso então já deu uma olhada no novo visual do blog, certo? Pois então, decidi mudar os ares sombrios que o mesmo andava e colocar algo mais convidativo. E desde já lhes apresento Burt, este carinha ai segurando a câmera, que será o personagem mascote do blog. Burt é um personagem de minha criação, um cinéfilo incurável sempre em busca de uma boa história para contar, e ele apartir de hoje será a cara do "Classe de Cinema". Se você aprova o novo visual e proposta do Blog ou não, comente ai em baixo justificando, para que eu possa sempre estar melhorando o funcionamento deste espaço.


Obrigado pela atenção! Yuri.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

LANTERNA VERDE





    Verde é a força de vontade, a determinação e a coragem, é a força que conduz nosso herói. Amarelo é a força do medo, da covardia e da maldade que levam o vilão. E por fim, vermelho é força da vergonha, da impaciência e do sono que acometem o espectador durante as quase duas horas de Lanterna verde.


     Sem enrolar de mais, o filme já nos apresenta a tal força verde que guia os guardiões do universo, a Tropa, conhecidos individualmente como os lanternas verdes, que usam desta força canalizada através de seus anéis, para criar qualquer coisa que conseguirem imaginar. Também nos apresenta o pior inimigo deles, Parallax, guiado pela força amarela do medo, que se libertou e está atrás de vingança. É quando um destes guardiões é fatalmente ferido pelo grande vilão e vem cair na Terra (Dããããã!). Seu anel então tem que escolher alguém para substituí-lo, e para a grande surpresa da população intergaláctica, num planeta habitado massivamente por humanos, o anel escolhe... Um humano! E o Chooing One da vez é Hal Jordan (Ryan Reynolds), um piloto de aviões de teste irresponsável e metido que agora vai ter que confrontar seus traumas e suas responsabilidades, tendo em vista que Parallax está prestes a ficar poderoso o bastante para dominar o universo. Mas para poder fazer isso, Jordan contará com um treinamento de guardião no planeta Oa, onde Sinestro (Mark Strong) lidera a Tropa. Isso tudo enquanto tenta se sair bem em sua vida pessoal, onde cobiça a bela Carol Ferris (Blake Lively) e é pressionado pelo patrão Carl Ferris (Jay Sanders). Sem contar que, por cima de tudo, ainda tem que lidar com Hector Hammond (Peter Sarsgaard) que contaminado pela força amarela, acaba se tornando um poderoso inimigo.


     O filme não perde tempo em mastigar a plot para o espectador, e depois se reserva a martelar na cabeça do mesmo os defeitos e as qualidades do protagonista. Então, depois da centésima vez que ouvimos algum personagem ressaltar o quão Jordan é irresponsável ainda que corajoso, é que alguma coisa realmente começa a acontecer. E a culpa disso pode ser posta no roteiro escrito por mãos de mais, sempre um mau sinal em qualquer tipo de produção, quanto mais em um blockbuster. O que acaba é que temos um script sem inspiração e muito batido, que com certeza contou com a preguiça de seus autores para ser elaborado, pois quase todos os personagens do filme são muito mal desenvolvidos (salvo o de Sarsgaard) e não parecem seguir nenhum objetivo que não seja o da Warner de encher os bolsos com a grana extra do 3D.


     Ryan Reynolds até que faz uma força, e acaba que seu carisma habitual mantém o personagem até o fim. Porém, seu Hal Jordan tem a profundidade de uma tábua cheia de água já que o ator não sabe dar (e falando a verdade, nem tem chances de dar) ao protagonista tridimensionalidade alguma! Tudo bem que o arco dramático do personagem seja sofrível, chegando ao ridículo de quase condená-lo a morte por causa de uma lembrança traumática que lhe vem à cabeça em um momento decisivo -saída "brilhante" do roteiro para dar ao personagem uma fraqueza que depois é completamente esquecida. O que sobra pra Blake Lively é pior, já que sua personagem parece ser guiada pelas motivações mais contraditórias possíveis, e mesmo com a chegada do final do filme, não entendi se a garota gostava ou não de herói! E isso não se deve só ao roteiro, pois Lively é expressiva como uma Bella (Sim, é essa Bella que vocês estão pensando mesmo), não convencendo em momento algum como atriz, quem dirá como ser humano!


     Não vale dar crédito algum aos personagens de Tim Robins e de Angela Bassett, que entram e saem da trama sem terem feito mais que colocar seus nomes junto aos outros do elenco. Assim resta a Mark Strong e Peter Sarsgaard salvarem o dia, sem usar anel algum, só a força sei-lá-que-cor do talento mesmo. A escolha de Strong para o papel do Lanterna Sinestro, em si já é um Spoiler pra quem conhece a carreira do ator, mas enfim, o que vale é que sua performance está cativante. Seja na voz ou no discurso característico, ou nos movimentos dotados de extrema postura, Strong deixa seu personagem fluir novamente através de sua atuação, que de maneira  nenhuma é atrapalhada pela bela maquiagem que cobre seu rosto. Uma pena é constatar que Sinestro seja tão mal usado em cena, onde o personagem fica restringido a falar ou para uma multidão de Lanternas ou para os sábios que governam Oa. Assim, o único que se salva em todo o filme é Sarsgaard que ganha não só o melhor personagem, mas o destaque do elenco também, já que o ator consegue colocar em Hector o ar sombrio que o vilão precisava. Sua performance primeiramente investe na postura torta, no andar tímido, nos olhares estreitos e na fala soturna, só para mais tarde então, investir nas poses e na voz carregada de rancor. O personagem infelizmente ganha um desfecho inapropriado gerando até mesmo um anticlímax, desperdiçando o que poderia ter sido um ótimo vilão.


     James Newton Howard com absoluta certeza esqueceu de compor a trilha do filme, pois ao final da projeção, o público não consegue resgatar um acorde que seja na memória. E pra completar os efeitos visuais são extremamente irregulares. Quando no planeta Oa ou em alguma outra parte do universo onde o filme esteja se passando, até que eles se adaptam, mas só porque estão interagindo com outros efeitos. Já quando eles tem que estar lado a lado com objetos de cena ou dentro de cenários, soam alarmantemente falsos para uma produção desta escala, com exceção da roupa de Jordan que realmente é bem feita e convence. Mesmo os objetos gerados pelo anel do herói, ainda que verossímeis, são mal utilizados em quase todo o filme (o roteiro ataca outra vez!).


     Assim sendo. Mal escrito, quase que totalmente mal interpretado por seu elenco, tecnicamente irregular, e ainda possuindo uma montagem sem ritmo algum que não consegue nem transpor de forma convincente uma simples elipse na trama, Lanterna Verde acaba como mais um caça níqueis dar pior espécie, não ficando muito na frente de Transformers 3, por exemplo.

P.S. Há uma cena durante os créditos "surpreendente".

NOTA 3/10   

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

UM PAPO SOBRE "LANTERNA VERDE" com o CABINE CELULAR

     Na última sexta-feira assisti ao filme Lanterna Verde, sobre o qual escreverei em muito breve aqui no blog. Enquanto isso fiquem com uma prévia da minha opinião neste vídeo do canal Cabine Celular do Youtube comandado pelo crítico Maurício Saldanha (@mausaldanha) do qual eu e o @PT4O participamos como convidados!


quinta-feira, 18 de agosto de 2011

A ATENÇÃO QUE UM FILME MERECE

    
     Recentemente estreou no Brasil o filme A Árvore da Vida, de Terrence Malick. Na sexta feira de estréia, com muita expectativa eu fui assisti-lo, sabendo de que se tratava de um filme do diretor e conhecendo seu estilo. Não me decepcionei, pois o filme é ótimo, é dez. Porem, uns dias depois, leio no jornal a coluna do David Coimbra, colunista há anos do jornal Zero Hora, que falava sobre nada mais nada menos que o filme em questão. E falava mal. Embora eu tenha ficado irritado pelo fato do autor do artigo ser alguém que óbviamente desconhece de cinema, e pelo seu "tom", ter visto o filme já esperando que fosse algo ruim, deixei passar. Afinal, como o texto é fraco e sem embasamento, logo não me importava a opinião de uma pessoa que não só não entendia nada do assunto, mas que também não estava afim de ver o filme quando o fez. Mas os problemas estavam apenas começando. 
     Ao discutir com outras pessoas -não só sobre este filme, mas sobre Melancolia do Lars Von Trier também- descobri que muitas delas não apreciaram os filmes como eu, o que não foi surpresa. Mas ao deparar com os argumentos de algumas delas, meu pensamento retomou imediatamente o texto horrível de Coimbra. 
     "O filme é aberto, não tem resposta!"
     "Sentei de boa vontade para vê-lo, esperando que algo me tocasse no filme, que ele me insinuasse algo! Nada aconteceu..."
     "O roteiro é raso, fica jogando perguntas clichês na tela e nunca chega a lugar algum!"
     "filme triste não é sinônimo de filme profundo."
     "é raso, longo e nunca se responde!"






     Quando falei do filme de Malick na minha crítica, salientei que não era um filme fácil, assim como no texto sobre Melancolia. Ver as pessoas tentando achar um sentido nos filmes, analisando-os, interpretando-os e mesmo assim não gostando dos mesmos, é uma coisa. Agora ver pessoas que nem ao menos tentaram, que simplesmente sentaram e esperaram que os filmes as tocassem, e que não gostaram dos longas também, é outra bem diferente. Respeito os gostos pessoais de cada um, mas não é isso que tenho visto como motivo dos maus comentários acerca destes filmes, e sim! Tenho visto é muita preguiça de tentar entendê-los. 
 Por isso ai vai...

     Assistir a um filme é, ou deveria ser, uma relação recíproca. Onde de um lado temos o espectador, assistindo ao filme e buscando nele o entendimento de sua trama. E do outro, o filme em si, que se exibe para o espectador fornecendo a ele as informações de que ele precisa para entendê-lo. A pessoa sentada na poltrona do cinema precisa de ATENÇÃO! Precisa que o filme tenha no mínimo uma lógica, precisa que o filme cumpra a proposta pela qual ela se interessou ao optar por aquele filme. Do mesmo jeito, o filme precisa da ATENÇÃO desta pessoa para os "sinais" que ele vai dar a ela. E a atenção que o filme lhe dará é equivalente a aquela que você dará a ele. Por isso que ir assistir a um filme, seja qual for, e simplesmente sentar e esperar que lhe "toque" é tão eficiente quanto tentar extrair a compreensão da trama de um pôster! 
     É claro que há filmes que necessitam menos da atenção do público, e mesmo assim dão muito em troca! Exemplo é o também recente Super 8. E claro que há outros que vão exigir muita atenção para nada ou quase nada. E esses sim seriam os filmes pretensiosos. 
     Portanto, não sejam criaturas passivas dentro do cinema, esperando que algum dia, um gênio venha lhes explicar o que se passa em tela. Prestem atenção, busquem dentro do filme um sentido e NÃO TENHAM MEDO DE VIAJAR NA MAIONESE!!!   


O link do "texto" do David Coimbra:
http://sergyovitro.blogspot.com/2011/08/david-coimbra-tristeza-nao-e.html


Outras pessoas que conseguiram ver em A Árvore da Vida um sentido:


@Pablovillaca http://www.cinemaemcena.com.br/Ficha_filme.aspx?id_critica=7742&id_filme=4689&aba=critica


@ThiagoSiQueiraF http://cinemacomrapadura.com.br/criticas/221712/a-arvore-da-vida-o-poder-da-setima-arte-em-obra-existencialista/       

terça-feira, 16 de agosto de 2011

A ÁRVORE DA VIDA

     Em dado momento de A Árvore da Vida, o jovem protagonista questiona a Deus assim: "Por que devo ser bom, se você não é?". A pergunta fica no ar por vários segundos, deixando não só que absorvamos seu peso na trama, como também em nossa própria filosofia de vida, independente de qual for esta. É com momentos como este, que o novo longa de Terrence Malick propicia a seu espectador não só algo cinematograficamente belo, mas também uma experiência sensorial a todos aqueles dispostos a se entregar de corpo e alma aos mais profundos questionamentos existenciais.


     Jack O'Brien (Sean Pean) é um homem amargurado e perdido no mundo moderno. A morte do irmão mais novo aos 19 anos traumatizou sua vida e a de sua família, gerando conflitos externos e internos entre eles, mesmo anos depois. É então que Jack relembra sua infância nos anos cinquenta, quando seus pais disputavam os valores que iriam ensinar a ele e aos outros dois irmãos. De um lado o pai, o Sr. O'Brien (Brad Pitt), austero e severo, e do outro a mãe, a Sra. O'Brien (Jessica Chastain), acolhedora e bondosa. Assim, Jack, logo nos primeiros anos de sua vida já começa a questionar e experimentar os prazeres e sacrifícios exigidos por ambos os caminhos de vida, e não tardará a sofrer as consequências de estar preso entre os dois representados por seus pais, aprofundando sua compreensão do universo para com nós, e de nós para com o universo.
     Natureza e graça. É destes dois elementos que são feitos o universo. Ou assim afirma Malick através de seu roteiro. O cineasta já afirma sua teoria nos primeiros minutos de filme, nos mostrando o Sr. O'Brien como um patriarca rígido e egoísta, ainda que moderadamente, demonstre carinho pelos filhos. Seus valores se baseiam na força, na virilidade, na disciplina e no sangue-frio. Assim o diretor (e também roteirista) já põe o personagem como um representante da natureza, classificando-a como fria e altamente seletiva, e por que não, a obra prima de Deus. A ferramenta criada pelo próprio, para selecionar apenas aqueles com os valores mais apreciados por ele, sua representante na Terra. Enquanto a Sra. O'Brien representa a graça, o altruísmo e o contato com o universo. Segundo Malick, a graça é a ferramenta humana de aceitação de que ele é apenas uma minúscula parte de um todo. 
     Definidos seus "lados", Malick trás de volta seu conhecido estilo onde predomina a técnica da voice over (narração em off), aqui muito mais justificada que nunca, já que acompanhamos o filme principalmente a partir do ponto de vista do jovem Jack O'Brien (Hunter McCracken), quase que de dentro de sua cabeça, assim não é por nada que o diretor mantenha sua câmera predominantemente em ângulos contra-plongée e em baixos níveis, sugerindo o ponto de vista de uma criança. Então não espere um filme contado nos moldes tradicionais e já facilmente compreensíveis, pois Malick cria um longa complexo narrativamente, somando tudo isso a um roteiro puramente metafórico e uma trama existencialista, criando assim uma obra difícil de acompanhar e feita para poucos absorverem. Quem conhece o estilo do diretor não vai estranhar a sua linguagem única ou sua falta de senso cronológico dentro da montagem do competente Daniel Rezende, que procura simular o fluxo de lembranças do personagem central. Aliados a fotografia criada a partir de uma iluminação suave de Emmanuel Lubezki, que cria o palco perfeito para se desenrolar a história escrita pelo talentoso realizador.
     Para explanar o sentimento dos personagens em relação ao universo, o diretor decide em certo momento, simplesmente parar o filme para nos inserir em uma sequência de uns dez minutos que se dedica a mostrar a formação do universo do Big Bang até a atualidade. Uma cena onde Malick explora todos os potenciais do som e da luz (notem em especial a sequência onde é inserida Lacrimosa), se aproveitando da imersão propiciada por uma sala de cinema, o cineasta nos leva nesta jornada que além de ser visualmente espetacular, é chocante, sufocante e tenebrosa. Mostrando um universo gigantesco em formação e nos passando a dimensão de nossa existência dentro do mesmo, o cineasta não só nos põe no contexto da história e metáfora que pretende criar, mas também nos faz experimentar o sentimento vivido pelo protagonista tornando sua jornada como personagem muito mais crível e ainda mais fascinante.
     Claro que muitos créditos devem ser dados ao jovem ator Hunter McCracken que consegue encarnar o drama do jovem Jack, com seus olhares sempre sérios, expressões firmes e um andar encurvado. O garoto é pressionado pelo pai a se manter disciplinado, através de uma educação rígida, e tem sua válvula de escape na mãe que parece passiva aos acontecimentos, quase como se os ignorasse, preferindo o contato com a natureza. Recebendo dois tipos muito diferentes de educação, o garoto fica preso entre ambas, às vezes pendendo para uma, às vezes para outra. Em certo momento Jack decide questionar a visão dos pais em relação a Deus e ao Universo, assumindo um comportamento destrutivo que repudia a verdade terrível de que ele não passa de uma mera peça em um enorme quebra-cabeça, e acaba por dizer assim: "Mãe. Pai. Vocês estão sempre lutando dentro de mim." afirmando a indecisão do garoto em relação aos sentimentos que tem dentro de si. A vontade de ser o mais forte vinda do pai, brilhantemente representada por Malick através dos planos onde mostra o garoto abusando do irmão mais novo em questões de força e confiança. E a vontade de se conectar com a natureza, de ser simplesmente bom para com todos vinda da mãe, que Malick também sabe demonstrar muito bem ao mostrar o olhar de deslumbre do garoto ao ver a mesma brincar com uma borboleta ou flutuar sobre a grama. 
     A relação de Jack com os pais então é mais um ponto que o filme alcança. Sendo o funcionamento desta crucial para a trama, era importante que os atores tivessem um mínimo de química entre si. E a dinâmica entre Pitt, Chastain e McCracken surge naturalmente, em performances que se completam e se traduzem ao reagirem tão bem um ao outro, convencendo o público dos dramas ali vividos. Brad Pitt já nos dá o caráter severo de seu personagem no corte de cabelo curto e ao andar com postura reta. Porém nunca repudiamos o personagem, que mesmo tendo tudo para ser uma daquelas figuras puramente autoritárias consegue fugir do estereótipo de vilão ao nos convencer do amor que sente por sua família, e na sua crença de que agindo desta maneira, os ensinará a serem fortes. Enquanto isso Jessica Chastain sabe nos mergulhar em sua personagem que quase em momento algum parece estar ligada ao mundo físico, sempre com olhares perdidos no infinito e movimentos amplos com os braços, Chastain nos mostra o quanto sua personagem é ligada ao universo como um. 
     E Malick não para por ai. Seu filme tem símbolos de mais para que em apenas uma sessão se possa descobrir e interpretar todos. Por exemplo, ao mostrar a primeira imagem da galáxia se formando, o diretor a mostra na vertical, sugerindo, porque não, um ventre. Ou ao mostrar um dinossauro (sim, tem dinossauros) tendo "compaixão" do outro, o cineasta resolve em seguida mostrar sua brutal extinção, quase como um ato de punição de Deus a "fraqueza" da espécie. E é não por acaso que, mais tarde ao sugerir um abuso contra um velho e ferido cão por parte de Jack, nada lhe aconteça. Reparem também que durante o filme muitas vezes o diretor nos entrega planos mostrando as fontes de luz, quase tratando-as como fontes de divindade. Por exemplo, no plano em que a Sra. O'Brien aponta para o céu onde a luz é intensa e diz: "É lá que Deus mora". E neste caso é interessante notar que ao ser trancado com raiva dos pais em um armário, a primeira reação de Jack seja "apagar a luz".
     Tecnicamente correto, plasticamente irretocável, contando com ótimas performances de seu elenco e uma direção inteligente e cheia de significados, A Árvore da Vida se mostra um dos mais belos filmes sobre a vida e sobre os questionamentos universais existencialistas. E acima de tudo, faz isso sem deixar de fora ninguém entre o mais fervoroso dos religiosos até o mais cético dos Ateus. Tirem suas teorias!


NOTA: 10/10 

terça-feira, 9 de agosto de 2011

SUPER 8

  

     Nostalgia. Ai está uma palavra que marca a vida de quase todo mundo em dado momento da vida. Sentir saudade de um tempo, de pessoas ou de situações não é nada incomum para o ser humano. As pessoas vivem tentando reprisar suas melhores lembranças, e não por acaso muitas delas são de sua infância, onde o mundo era mais simples ao seu olhar, onde diversão e aventura podiam ser encontradas ao virar a primeira esquina e seus amigos eram os melhores companheiros para explorar um mundo que existia bem de baixo do nariz dos adultos, mas que só você e eles podiam ver. Então não é para menos que filmes como Os Goonies, Conta Comigo e E.T. - o extraterrestre estejam hoje em dia no imaginário de tantas pessoas, que mesmo não tendo vivenciado as mesmas experiências dos personagens destes filmes, conhecem o valor de uma boa aventura ao lado dos seus amigos mais leais e, portanto, não vão deixar de identificar este espírito saudosista neste novo e maravilhoso longa de J.J. Abrams, que conta com um dedinho ou dois de Steven Spielberg.



     No verão de 1979 na pequena cidade de Lilian em Ohio, cinco garotos divertem-se filmando um filme caseiro de zumbis com uma câmera super 8. Certa noite filmando acompanhados de uma bela garota perto dos trilhos, o grupo presencia um terrível acidente de trem que logo descobrirão ser muito mais do que um mero acaso. Principalmente quando começam a ocorrer desaparecimentos na cidade junto a estranhos acontecimentos que ganham um tom mais grave com a misteriosa presença das forças armadas nas imediações do acidente. Assim o pequeno grupo de crianças decide investigar o mistério por trás dos eventos enquanto dão continuidade a gravação de seu pequeno filme.


     Não é preciso ser nenhum gênio para ver que este filme, embora dirigido e roteirizado por J.J. Abrams, tem a mão de Spielberg no meio, seja na produção do mesmo ou nas inspirações de Abrams, já que ele é claramente uma mistura entre Contatos Imediatos do terceiro grau com E.T.! Não que o cineasta faça um plágio dos filmes de Spielberg, pelo contrário, por mais que os elementos dos filmes se repitam aqui também, Abrams é original e competente ao captar apenas o clima, a tão cobiçada "magia" dos filmes do outro. E que magia! Abrams mantém o espectador colado na cadeira do primeiro ao último minuto do filme. 


     Dando ao seu público as informações de que precisa gradativamente e nunca de maneira óbvia, o diretor prefere as sutilezas para contar a história pregressa de seus personagens, como ao inserir no primeiro plano do longa uma placa destas comuns em locais de trabalho pesado, informando o número de dias sem acidentes ali, tendo sua contagem alterada de setecentos e tantos dias para um. Revelando assim, de modo claro e "limpo" o triste acontecimento que marca a infância do protagonista Joe (Joel Courtney). Logo em seguida Abrams se mostra eficaz ao mostrar ao seu público os sentimentos do garoto em relação à perda da mãe ao nos apresentar a casa de seu melhor amigo, Charles (Riley Griffiths), como um lugar caloroso, bem iluminado e cheio de pessoas que não só estão felizes, como também enfatizam o fato de que Joe é bem-vindo ali. O que vem a contrastar radicalmente com a casa do próprio menino, que escura e vazia, é habitada apenas por ele e o pai Jack (Kyle Chandler) um policial local que vive atormentado pela morte da esposa. Assim, mesmo que abuse desde os primeiros minutos nos reflexos luminosos que tanto adora, Abrams sabe conduzir cada momento de sua bela fotografia com delicadeza.


     Mas o cineasta corre um grave risco ao apostar a alma de seu filme no carisma de seis adolescentes desconhecidos, já que todo o mistério serve de maneira geral para levar este grupo em sua evolução e amadurecimento. Assim sendo, cabia a estas "crianças" levar o filme nas costas, representando-nos em tela, indo atrás das respostas e resolvendo seus próprios conflitos internos pelo caminho. E para a surpresa geral (ou não), o time de atores mirins mostra que, mesmo por fora da trama a união é necessária, e juntos, levam o filme não só de maneira convincente, mas com todo o carisma que J.J. podia ter pedido e um pouco mais. Riley Griffiths como o melhor amigo de Joe, Charles, é enérgico tanto na voz como na performance corporal, interpretando um aspirante a cineasta, ele não deixa de ser o que o próprio Abrams e até mesmo Spielberg eram quando crianças, meninos deslumbrados com o poder de registrar imagens e assim poder contar histórias, mesmo que a arrogância às vezes suba a sua cabeça, coisa que Griffiths sabe colocar de forma natural em seu personagem, tirando o estigma de que gordinhos só servem para alívio cômico. Ryan Lee vive o alucinado Carey que não perde a oportunidade explodir alguma coisa e por tanto sendo responsável pelos efeitos pirotécnicos do projeto do grupo, sendo este aqui sim, uma grande fonte de piadas. Gabriel Basso vive o galã em potencial Martin, que soturno ainda é responsável por interpretar o personagem Hathaway no filme dos meninos. O que tem menos destaque deles é o amigo pateta e medroso Zach Millis que tem pelo menos um bom momento ao ter de interpretar um figurante ao fundo de uma cena do curta.


     Embora todos sejam importantes em um grupo de crianças num filme como este, os protagonistas existem, e cabe a eles dar a palavra final no nível de emoção que sentiremos ao acompanhar a trajetória de todos os outros. E.T. tinha seu Elliot, It tinha seu Bill e Conta Comigo tinha seu Gordie. Super 8 tem Alice e Joe. Que ganham vida (e alma) nas peles de Elle Fanning e Joel Courtney. Fanning impressiona por sua capacidade de parecer uma garota eternamente afetada pela criação irregular em um lar de onde a mãe fugiu e onde o pai a despreza. A garota nos passa o cansaço de Alice, e sua repentina chama de esperança ao encontrar amigos. Também é carismática e toca o público com sua performance mais triste, que revela o quanto a garota sofre com a privação de amizades, mantendo olhares baixos e um rosto firme, sem nunca parecer antipática ao espectador, conquistando-o pela crível humanização da personagem. Mas o destaque do elenco vai para o ator novato Joel Courtney, que com seus braços sempre caídos ao lado do corpo e suas feições sutis consegue convencer o público da dor que o protagonista é obrigado a reprimir. Reparem em certa cena em um restaurante, quando Charles faz um comentário, ainda que inocente, sobre a mãe do garoto, Joel desvia os olhos recuperando a postura rapidamente. Sabendo ser carismático até demais, o garoto não precisa investir em gritos intermináveis para expressar o medo de Joe em certos momentos do longa. E tenho de admitir que se formaram uma ou duas lágrimas no canto dos meus olhos em uma tocante cena em que Joe confronta o pai que o proíbe de ver Alice. Assim, a performance do garoto, principalmente nas cenas em que divide com Fanning, é um deleite, ainda mais tendo em vista que nenhum deles tem a ajuda de um grande ator ou atriz em cena para diluir suas possíveis escorregadelas. Não que o elenco adulto seja ruim, só é comum. Kyle Chandler até que assume bem as rédeas do papel de Jack, que após o desaparecimento do Xerife é deixado na tarefa de liderar a população da pequena cidade em meio ao caos. Expressões sérias e olhares pesados marcam a interpretação do ator. Enquanto Noah Emmerich como o vilão da história, o Coronel Nelec só consegue não cair em caricaturas. 


     Tendo um competente elenco ao seu dispor, e sua capacidade de dirigir com muito ritmo um longa, Abrams só precisava contar com um bom roteiro. E este, que escrito por ele mesmo, se revela eficiente, ágil e ao mesmo tempo, delicado e paciente. Afinal encontra-se tempo no meio do filme para deixar o suposto romance entre Alice e Joe convincente, e até para gerar uma pontinha de ciúmes em um outro integrante do grupo. E durante a exibição descobrimos que o tal mistério, envolvendo o que parece ser uma criatura que escapou dos destroços do trem acidentado, é apenas um objeto do roteiro para forçar os personagens a desenvolver as relações entre si. E tudo se dá de maneira brilhantemente natural, Seja o interesse romântico dos protagonistas, ou nas relações pais e filhos entre Joe e Jack e Alice e seu pai ou nas discussões do grupo de amigos. Abrams sabe fazer os sentimentos nascerem e sumirem de forma realista e humana, surpreendendo o público de um blockbuster de verão. O diretor deixa seus planos em tela tempo suficiente para que possamos extrair deles o necessário. 


     Mas por mais que a direção, o roteiro e o elenco estejam de parabéns, Super 8 ainda é um filme pipoca de verão, e como tal é cheio de cenas de ação e conta com efeitos especiais incríveis. Destaque óbvio para a cena de grudar na poltrona onde presenciamos o já tão citado acidente de trem, que conta com belíssimos efeitos visuais e um som incrível, de ensurdecer. [POSSÍVEL SPOILER] O design da criatura, que mais uma vez inspirado em Spielberg o diretor prefere ocultar até o último segundo (na verdade nunca revelando-o totalmente) como em Tubarão, é eficaz e ainda lembra outras criaturas desenvolvidas pelo artista Martin Whist ao lado de Abrams. E devo dizer que foi um toque muito especial substituir os olhos frios e sem vida do bicho por olhos iguais aos humanos em um momento chave da trama. [FIM DO SPOILER] A reconstituição do cenário dos anos 70 também está de parabéns, construindo toda uma Lilian totalmente crível. E por fim a trilha de Michael Giacchino (outro colaborador de Abrams) é um presente aos ouvidos, já que nunca eclipsando as imagens com suas composições, o compositor consegue levar a trama como uma dança, levando muitos créditos nos minutos finais do longa, onde som e imagem juntam-se para criar o sentimento perfeito de encerramento.


     Corretamente dirigido, bem fotografado, roteirizado com paixão, tecnicamente bem realizado e contando com uma dinâmica invejável de seu elenco mirim, Super 8 é um filme que nos trás a nostalgia das aventuras e emoções da infância, dos confrontos físicos e psicológicos a que todos são submetidos em algum momento, e ainda é saudosista ao criar um filme tematicamente fora de seu tempo que funciona perfeitamente nas exigências do público atual. Uma verdadeira homenagem ao cinema pela diversão, pela emoção, e por que não? A Spielberg.

P.S. Fique para os créditos onde finalmente vemos o filme dos garotos concluído e editado, possuindo referências a George A. Romero criador dos zumbis como os conhecemos hoje. 
 P.S.[2] Este filme dentro do filme foi escrito e dirigido pelos próprios atores que interpretam o grupo de amigos. Toque genial de Abrams.


NOTA 10/10

domingo, 7 de agosto de 2011

MELANCOLIA


         
PODE CONTER SPOILERS
     Se escuridão é a ausência de luz e maldade ausência de bondade, melancolia seria ausência de felicidade? É um bom questionamento para se começar a falar sobre o mais novo filme do controverso diretor Lars Von Trier. 


     Justine (Kirsten Dunst) acaba de casar, e em meio a festa ela acaba encontrando dificuldades em lidar com sua família. Seja com a irmã Claire (Charlotte Gainsbourg), que se esforça ao máximo para que tudo saia no horário certo, ou com seus pais Gaby (Charlotte Rampling) e Dexter (John Hurt) que totalmente perturbados por um fracassado casamento acabam responsáveis por inúmeros momentos constrangedores, ou mesmo seu Patrão Jack (Stellan Skarsgard) que insiste em arrancar da garota um slogan durante a festa. Porém, a aproximação de um enorme planeta chamado Melancolia, e a possibilidade deste se chocar com a Terra logo trará novas compreensões a Justine e a sua família.


     Um filme feito de contrastes, Melancolia trás a mesma estrutura adotada por Trier em seu polêmico (e esplêndido) projeto anterior, Anticristo. O prólogo em câmera lenta que contrasta diretamente com a câmera de mão inquieta usada durante todo o resto da projeção, a divisão em partes, e até nos acontecimentos, quando as situações ao passar do filme vão assumindo uma irreversibilidade caótica. E o diretor usa desta "fórmula" muito bem, até mesmo aperfeiçoando-a, já que o já citado prólogo é aqui não só parte da história, mas também parte da nossa experiência cinematográfica como espectadores. Usando uma montagem aparentemente aleatória e usando da bela fotografia que concede a estas cenas, Trier cria um clima de pesadelo autêntico, não precisando investir em nada muito impactante para inquietar o público nas cadeiras, já que este conhece a sensação de um sonho ruim, e é logo atingido psicologicamente pela montagem do diretor, que eficaz, serve para nos colocar na posição dos personagens que conheceremos mais durante o filme. Sendo assim, todo o drama do longa que poderia parecer até fútil, é perfeitamente compreensível por parte do público, já que este mesmo já experimentou nos minutos iniciais do filme a sensação. Então, enquanto em Anticristo, começar o filme daquela maneira podia ser apenas uma opção estética do diretor, aqui ela serve também a relação da trama com o espectador.


     Sabendo o que quer passar com seu filme, o diretor não hesita em conduzir a primeira parte do longa sob uma fotografia de palhetas de cores quentes, fechando seus quadros sempre que pode no rosto dos personagens, enfatizando a proximidade dos mesmo entre si, deixando que o bom roteiro trate de nos esclarecer a verdadeira natureza de suas relações. Justine é uma mulher que já está cansada de representar felicidade para as outras pessoas quando na verdade ela não sente nenhuma, e por isso entra em conflito com sua irmã Claire que faz de tudo para que o tal "teatro" aqui representado pela festa de casamento, saia nos conformes, já que se recusa a acreditar na infelicidade da irmã, porque isso acarretaria em ter de acreditar na sua própria. Dunst consegue impregnar sua personagem com a tal melancolia do título com seus olhares baixos e sorrisos vacilantes, o olhar desfocado e a postura encurvada de Justine. Mas é Gainsbourg quem rouba a cena, sempre ereta e dura, sua Claire consegue nos convencer de longe como uma mulher que tenta manter tudo sob uma meticulosa organização, mas que acima de tudo, teme que estes cuidados sejam em vão, recusando-se a admitir a superficialidade de suas ações. Kiefer Sutherland como o marido de Claire, John, assume um papel de paria entre as duas, já que seu personagem conhece tanto a verdade incontestável que representa Justine quanto o temor de admiti-la representada por Claire. E o faz bem, assumindo posturas diferentes diante de uma ou outra, Sutherland mantém um tom soturno e calmo que nos passa toda a força de equilíbrio interno representada por seu personagem.


     Assim, Trier nos passa para a segunda parte, aonde sua fotografia logo contrasta com a da primeira ao abrir os planos e investir em palhetas azuladas, demonstrando a solidão e o afastamento destes personagens. Aqui então o roteiro se prende fortemente a iminência da aproximação do Melancolia a Terra, nos apresentando aos medos de Claire de que este seja realmente o fim, e a Justine que aceita por fim sua natureza melancólica, e seu desprezo a vida. Assim as duas irmãs entram em choque completo, e o diretor tem nas mãos uma metáfora bem bolada. Afinal Justine é a representação da verdadeira natureza humana, que é a tristeza, e Claire é o instinto humano de se proteger, de perpetuar, aqui no caso através da auto ilusão quanto a felicidade, que é apenas uma máscara colocada sobre a melancolia. Então a pergunta que fiz no início do texto entraria aqui. Já que parece que é isto mesmo que Trier pretende afirmar. A vida na Terra é feita de melancolia, a felicidade é um jeito de escondê-la, assim quando esta última não está presente, só nos resta a outra. E a resposta é dada pelo próprio realizador, que afirma que melancolia é realmente ausência de felicidade, ao mostrar as tentativas frustradas de Claire de tentar resolver os problemas quando descobre a terrível verdade sobre o destino da Terra, e seu crescente desespero ao ver a "máscara" de felicidade que forjou, cair e revelar a verdade na qual ele se recusa a acreditar. E aqui também fazemos a ligação com um dos planos mostrados no prólogo do filme, que mostra Claire tentando fugir através do campo de golfe com seu filho no colo enquanto ambos se atolam na terra que parece engoli-los, note que o número do buraco por onde eles passam é 19, sendo que durante o filme é afirmado mais de uma vez que o campo continha apenas os necessários 18 buracos. Assim a futilidade de um décimo nono buraco é a mesma futilidade na qual Claire se afoga na tentativa de fugir da verdade. 


     Em dado momento da segunda parte, Justine diz a Claire que a Terra é o único planeta aonde existe vida, e que logo o Melancolia viria para exterminá-la. Assim pode-se concluir que na visão de Trier, a vida é uma doença para o universo, e o planeta que dá título ao filme, seria o anticorpo que vem combatê-la. E nada mais eficaz do que chamar o planeta este de "Melancolia", já que ele afirma que a própria vida é feita deste sentimento, ele acaba por dizer então, que somente a própria força pode se destruir. Somente o Melancolia poderia destruir a melancolia, somente a aceitação da natureza pode te fazer apto a destruí-la. Isso segundo a visão do diretor. E essa lição já não é velha? Já não vimos esta história de somente o criador pode destruir sua cria? Até de forma mais óbvia em histórias Como O Senhor dos Anéis onde o Um Anel só poderia ser destruído no fogo onde foi criado, ou em Harry Potter onde as Horcruxes só podiam ser destruídas por coisas realmente mortais, tendo em vista que elas eram feitas a partir da morte. Partindo desta lógica, é isto que Trier nos diz aqui. O sentimento melancólico, que é a vida na terra, só pode ser destruído pelo próprio sentimento já aceito e consolidado, por isso então a representação do Melancolia como um enorme planeta.


     E pra terminar suas metáforas, Trier encerra o filme em uma belíssima cena aonde vemos Justine representando a natureza da humanidade, aceitando a presença do planeta enorme que a consumirá. E vemos Claire em contraste, entregue ao desespero, já que ela representa o instinto de sobrevivência da humanidade. E com os dois elementos básicos de que são feitos os humanos (que fique claro, sob a visão do Diretor Lars Von Trier) unidos sob o fim, o filme encerra, não só sua duração, como a existência de vida em seu universo.


     Então, repleto de metáforas, com ótimas atuações, com um roteiro habilidoso em nos contar a história aos poucos, nos deixando descobri-la sozinhos e uma fotografia não só acertada como também essencial a compreensão da trama, o novo longa de Lars Von Trier merece os devidos aplausos, indiferentes as polêmicas em que o diretor se mete ou não. E é de longe que se afirma que o longa não é para todos, e sim para aqueles dispostos a desfrutar de uma linguagem nada Hollywoodiana e de uma trama que abra para muitas interpretações, sendo esta acima, a minha humilde opinião.

P.S. É engraçado notar em dada cena do filme, Trier -que rejeita os padrões Hollywoodianos de se fazer cinema- colocar sobre a cabeceira da cama de um dos personagens, bonequinhos da saga Star Wars, podendo ser ou não uma brincadeira do diretor. 


NOTA: 10/10