sexta-feira, 22 de junho de 2018

CRÍTICA: A MORTE DE STALIN


O humor é mesmo uma ferramenta poderosa, e A Morte de Stalin se beneficia imensamente ao usá-lo para causar desconforto. Veja bem, é sobre saber usar esse recurso com inteligência. Acompanhando do modo mais fiel possível as horas que precederam e que se seguiram ao evento do título, o roteiro (de Armando Iannucci, também diretor do projeto) lida com personagens repulsivos, sanguinários e mesquinhos  agindo em situações hediondas, e que ainda assim, inspiram o riso. 

É como um jogo de quem pisca primeiro, as piadas de Iannucci se alongam e desafiam o espectador a rir frente às barbáries, à falta de caráter e à monstruosidade daquela realidade. Falamos aqui de estupros, assassinatos, massacres, tortura e Ditadura. E mesmo assim, o riso vem - mas rimos deles, não com eles.

quarta-feira, 20 de junho de 2018

CRÍTICA: JURASSIC WORLD - REINO AMEAÇADO


Reino Ameaçado é a melhor das sequências de Jurassic Park - o original permanece imbatível. Essa é a primeira impressão deixada pelo longa dirigido por J.A. Bayona, demonstrando um apuro estético ausente na franquia desde... bom, desde que Steven Spielberg comandou O Parque dos Dinossauros em 1993 - incluindo aí o próprio Spielberg que cometeu O Mundo Perdido. A alusão ao monstro de Frankenstein sempre existiu, afinal, os animais pré-históricos são trazidos de volta à vida a partir das partes de outros. Mas Bayona dá um passo adiante e busca agora inspiração onde a criatura de Mary Shelley se consagrou, no horror clássico. E é a primeira vez que um Jurassic Park se assume indiscriminadamente como “filme de monstro”.


Mas antes disso o projeto brinca com a expectativa da audiência, gerada pelas sequências anteriores. Os protagonistas são levados de novo para a Isla Nublar sob um pretexto pouco plausível; desta vez o vulcão da ilha resolveu que vai entrar em erupção e matar todos os animais nela. Enquanto o congresso dos Estados Unidos discute se deve tratar os dinossauros como qualquer outra espécie ou se deve abandoná-los à própria sorte, o milionário Benjamin Lockwood (James Cromwell) decide investir numa operação de resgate que vai reunir outra vez Claire (Bryce Dallas Howard) e Owen (Chris Pratt), protagonistas do filme anterior.


Mas se Reino Ameaçado parece que vai descambar em mais uma aventura na selva, como já vimos nos quatro filmes anteriores, o roteiro de Derek Connolly e Colin Trevorrow (diretor de O Mundo dos Dinossauros) não demora e dá uma guinada insuspeita para um típico horror de “mansão mal-assombrada”. E faz sentido, ainda mais porque se alinha bem mais com as aptidões já demonstradas pelo cineasta J.A. Bayona, que dirigiu o excelente terror O Orfanato, e o sombrio e fantasioso Sete Minutos Depois da Meia-Noite, que junto com seu trabalho em O Impossível, também denunciam que o diretor tem um olho para a criar belos planos. E Jurassic World 2 (Jurassic Park 5?) tem vários momentos que prezam pela simples plasticidade e composição de quadro: um predador se levantando imponente no alto de uma torre contra a luz do luar é uma visão tétrica, tanto que ninguém liga pro absurdo que é a Lua ficar visível no meio de uma tempestade; Há também o rugido da T-Rex emoldurada por uma massiva erupção vulcânica (imagem já martelada pelo material de divulgação), mas nesse sentido, um dos melhores instantes é aquele que traz os heróis olhando para um dinossauro num píer, desde já o trecho mais tocante de toda a saga, alcançando a proeza de ser ao mesmo tempo visualmente encantador e profundamente comovente, potencializado ainda pela inocência que a criatura envolvida passou a representar dentro da franquia.


Bayona também é nada burocrático reverenciando os longas anteriores, pelo contrário, incorpora as referências de modo a renova-las - e acho particularmente interessante como ele (re)apresenta Claire e Owen revisitando as primeiras aparições dos protagonistas em O Mundo dos Dinossauros: ela surge num plano idêntico dentro de um elevador, com a câmera avaliando-a literalmente dos pés à cabeça (ainda que dessa vez os salto-altos pareçam um incômodo de que anseia se livrar); enquanto ele é visto novamente no seu bangalô, sendo abordado por Claire. E se um enquadramento que revela Owen através de um espelho que diz o clássico “Objetos refletidos estão mais próximos do que parecem” soa apenas como um aceno cordial a Jurassic Park, o momento que traz Maisie (Isabella Sermon) tentando fechar uma portinhola sob sua cabeça é tão tenso quanto sua versão original de 1993, que tinha Lex (Ariana Richards) na mesma situação - assim como as luzes da mansão Lockwood ligando uma a uma para ilustrar os sistemas reinicializando, acabam por revelar uma ameaça escondida, tal qual um momento muito similar protagonizado por Ellie (Laura Dern) no primeiro filme.


Aliás, esse não é o único momento em que Bayona e seu habitual diretor de fotografia, Oscar Faura usam a iluminação de forma criativa. Uma rima recorrente em Reino Ameaçado são os planos que revelam uma ameaça chegando pelas costas de um personagem graças a alguma fonte de luz espontânea, como um relâmpago, o farol traseiro de um veículo repentinamente ativado e, no melhor deles, quando um filete de lava incandescente vai delineando a silhueta de um carnívoro se aproximando dos heróis. Recurso clássico dos filmes de horror, essa também não é a única inspiração que Bayona e Faura buscam no gênero. Não só usam de alguns dos seus clássicos arquétipos, como o cientista insano, o monstro no porão e a governanta durona (Geraldine Chaplin, repetindo a parceria com Bayona), e clichês como as passagens secretas na mansão Lockwood e as sombras projetadas de maneira expressionista nas paredes, como também utilizam os cenários para refletir a atmosfera de sequências específicas: uma tempestade violenta que abre uma porta de forma fantasmagórica, ou um vulcão cuja erupção emite trovoadas sísmicas, anunciando o perigo.


Além disso, às vezes a dupla se esforça apenas para manter o filme visualmente interessante, o que não é nenhum demérito e funciona. Isso vai do escancarado, quando um plano aos poucos se revela desnivelado conforme descobrimos que a câmera está acompanhando o sentido do telhado, ao mais orgânico: não importa aonde vá, a Indoraptor (principal “vilã” do projeto) acaba sempre sinistramente iluminada de baixo pra cima, graças às luzes no chão da sua gaiola, aos abajures caídos num dos cômodos da mansão e, por fim, a um telhado de vidro sob o qual ela tenta se equilibrar. Aliás, Reino Ameaçado é dono de vários cenários de ação cativantes por si próprios: as vitrines numa espécie de museu que servem para um jogo de gato e rato, o bunker dividido por uma cortina de lava que cria um corredor entre dois personagens e o objeto que representa sua salvação, uma mureta do lado de fora da mansão por onde Owen e Maisie se penduram precariamente, e que passa na frente de várias janelas que podem estourar a qualquer momento graças a dois dinos brigando do lado de dentro. Enquanto isso Michael Giacchino volta a assumir a trilha, revisitando bem mais brevemente dessa vez os temas de John Williams, e investindo mais no seu típico ribombar e em melodias ostensivas e dramáticas - o compositor se beneficia do tempo das imagens deixadas em tela por Bayona e o montador Bernat Vilaplana.


Tudo isso “povoa” o longa-metragem, e a sensação é de que Reino Ameaçado jamais perde o ritmo, mesmo quando investe em momentos mais delicados, como o monólogo de Claire sobre a primeira vez que viu um dinossauro. Bryce Dallas Howard e Chris Pratt, inclusive, formam uma dupla que não economiza em carisma, bem mais à vontade e cômicos nessa continuação (certo momento dele, envolvendo um monte de lava, remete divertidamente a O Lobo de Wall Street), auxiliados também pelos personagens de Justice Smith e Daniella Pineda, vivendo clichês estranhamente funcionais. isso compensa fartamente outros momentos fracos do roteiro, como aquele em que o Dr. Wu (BD Wong) discursa sobre seus planos com um personagem que já deveria estar careca de sabê-los, por pura exposição. Mesmo intuito que coloca Mills (Rafe Spall) para fazer um mansplaining para Claire sobre detalhes que eram o centro do trabalho dela no Jurassic World.


O filme de Bayona pode não ser o mais inventivo dos blockbusters, mas e daí, O Parque dos Dinossauros também não era. A coisa é que diverte, cria tensão, deslumbramento e catarse num ritmo empolgante, durando apenas tempo o suficiente para não ser cansativo - além de deixar na retina algumas das imagens mais memoráveis da saga até aqui. Sim, “até aqui”, pois essa é a primeira vez que um Jurassic Park deixa um gancho forte para uma continuação. E admito, é a primeira vez em que eu gostaria de ver mais uma.


Nota: 8/10

terça-feira, 12 de junho de 2018

CRÍTICA: CARGO


O curta-metragem Cargo (2013) tem uma força particular, que reside basicamente no seu desfecho. O modo encontrado por um pai em desespero para salvar a filha, ainda bebê, é criativo, tocante e revela um anti-niilismo inesperado em tramas de apocalipse zumbi – sendo as reflexões sobre o pior do humano sempre tão inerentes a essas premissas. Dirigida pelos mesmos Ben Howling e Yolanda Ramke do curta original, a versão longa-metragem segue esse raciocínio, mas acaba descobrindo que diluir aquele impacto comovente em pouco mais de uma hora e quarenta minutos exige um pouco mais que uma única boa ideia. Este texto pode ser lido inteiro no Papo de Cinema.

terça-feira, 5 de junho de 2018

CRÍTICA: ROXANNE ROXANNE


A música que vem da periferia não costuma se ater à técnica ou métrica culta. À primeira ouvida, é rejeitada pela classe média e a mídia hegemônica - é o que apontam estudos na área. Etnografias musicais reconstroem a história do Blues, do Jazz, do Samba e do Pagode, e percebem que hoje o processo se repete com o Funk e o Hip-Hop. Esses gêneros se baseiam no improviso, em instrumentos acessíveis e na “simplicidade”. Quem vem da periferia normalmente não tem condições ou acesso à educação musical. Se quer cantar e tocar, busca na realidade a inspiração, sonoriza isso com o que tem à mão (é normal que sejam instrumentos sintéticos e eletrônicos, que podem ser improvisados num computador, em equipamentos comuns, ou mesmo na base do Beat Box) e divulgar no boca a boca, pelo seu canal do Youtube, na página do Facebook, etc. Nesse contexto, a história da rapper Roxanne Shante (Chanté Adams) é similar a de vários funkeiros oriundos de alguma favela no Brasil. Embora a cinebiografia Roxanne Roxanne não represente uma grande realização cinematográfica, ela é certeira ao ressaltar como esses elementos pessoais e cotidianos da cantora resultam diretamente na sua obra e no modo como ela se propaga e é ouvida. Essa crítica está publicada inteira no Papo de Cinema.

sexta-feira, 1 de junho de 2018

CRÍTICA: LA CASA DE PAPEL - 2ª TEMPORADA


Ninguém para essa turma. A escalada de absurdos que teve início na primeira parte de La Casa de Papel dá uma alavancada bruta nesta segunda leva de episódios. A série continua a investir na tática de superar a inventividade das próprias viradas de roteiro, constantemente tentando surpreender e chocar o espectador mais que na cena anterior – prova que nem toda suposta "criatividade" é benéfica. A boa notícia é que isso torna tudo mais interessante, e agora chega num ponto em que a covardia dos roteiristas não tem mais espaço – é preciso assumir as consequências do que acontece. Continue lendo aqui>>>