Deixa eu contar uma coisa sobre
ser ansioso: as pessoas não entendem. Grampear as próprias bolas sempre parece
uma ideia menos dolorosa do que ouvir um “eu vejo depois” ou um “tenho que
pensar”.
Ser ansioso te faz exigente.
Ser ansioso te faz chato.
Ser ansioso te faz impaciente.
Ser ansioso também pode te fazer
eficiente, mas não há garantias.
Mas antes de tudo, ser ansioso te
faz hipócrita.
Quer dizer, não sei bem ao certo
sobre essa última parte, muita coisa na cabeça agora, eu vejo depois, tenho que
pensar.
Deus não existe se você é
ansioso. Ao menos agora não faz diferença se existe ou não. Digo, o cara
trabalha a ritmo de milênios, e eu contando os minutos aqui. Quando se é
ansioso nada que não faça diferença agora – neste momento – importa. Foda-se
Deus. É, ser ansioso te faz um pouco egocêntrico também.
Você começa a pensar que as
pessoas não deveriam poder ter sentimentos, só pelo fato de não serem
pragmáticas o suficiente para usá-los. Cada vez que ouço um “não sei” me faz
preferir ser a alma condenada de algum motorista alcoólatra de ônibus escolar
responsável pela morte de quarenta criancinhas, egolindo abacaxis inteiros e
com casca e retirando-os intactos pelo rabo como castigo eterno. O inferno é as
pessoas não poderem simplesmente serem objetivas. Por que não podem me ouvir e
obedecer?
Eu sei, eu sei. Ser ansioso
também te faz um babaca controlador. Eu não tô negando isso.
Romie sempre diz que eu deveria
viver em um planeta povoado por um monte de eus. Segundo ele, eu seria mais
feliz com uma população que também pudesse sentir a 120km/h. A ideia sempre me
faz rir – três segundos por dentro, outros trinta por fora, só pelas aparências
– mas Romie está errado. O que ele não sabe é que ser ansioso te faz bastante
egoísta, e encontrar apenas um outro eu por aí já seria arrepiante o suficiente
sem eu ter de pensar na ideia de encontrar milhares. Seria uma carnificina.
Ou eu também posso estar sendo
precipitado – não disse ainda, mas ser ansioso te faz um paranoico talentoso –
e no fim, ao invés de uma matança, haveria era uma orgia de escala global.
Talvez sim, depois disso começaríamos a nos matar uns aos outros. Porque isso é
outra coisa que não dizem sobre ser ansioso: nós gostamos de sexo. Somos primatas
obcecados com a perpetuação da espécie, sempre em busca da próxima foda.
Sinceramente, tenho a impressão
de que o primeiro telégrafo criou o primeiro ansioso. Pense bem, como vivia
um ansioso na época do império? Se eu mando uma mensagem no whatsapp hoje, quero
vê-la respondida tão logo a pessoa a leia, e minha paciência não tolera que
isso demore mais do que algumas horas, porque, se alguém tem um whatsapp deve
checar a droga do celular pelo menos uma vez por hora. É a obrigação moral dela
com a modernidade. Agora imagine, e imagine você, porque toda a vez que eu
tento imaginar é um pesadelo desesperador: um ansioso manda uma carta para a
sua pretendida do outro lado do oceano perguntando se ela deixaria a residência
dos pais e viria passar um tempo em terras americanas para ver o que acha da
vida na colônia. O que seria o equivalente hoje a um “que tal sairmos na sexta?”.
O que um ansioso faria da vida sabendo que a carta que ele acabou entregar ao
mensageiro, levará semanas para alcançar o seu destinatário? Pior, sabendo que
não há garantia alguma de que chegará de fato; o navio pode afundar, o
mensageiro pode morrer, a carta pode se perder. Isso sem contar a resposta, e
se a resposta não for a esperada? E se ele precisar argumentar? E mesmo que
não precise, semanas é tempo o suficiente para que a moça conheça algum outro
pretendente, e isso mesmo que vivesse no estado vizinho. Caralho, naquela época
semanas era tempo o suficiente para que ao tempo em que a carta chegasse a moça
já estivesse casada!
Quase não consigo dormir à noite
pensando em como poderia ser pior. Quando Romie não responde alguma mensagem
minha começo a pensar que estranho acidente envolvendo um carro, uma banca de
frutas ou fios desencapados poderia tê-lo matado. Ligo pra mamãe que trabalha
em frente à ele, pergunto se o viu, ela diz “sim”, eu adiciono: “vivo?”. Ela
ri, eu me irrito, desligo. Saio, ligo pra ele, não atende, deve estar agonizando
sem ninguém pra ajudá-lo. Mas por que? Romie é um vendedor, por que uma
gangue de skatistas iria querê-lo morto? Ah sim, nesse meio tempo de alguma
forma já deduzi que foram skatistas que o atacaram, com facas dessas grandes de
caça que se compra em lojas de caça... Talvez o pai de um deles seja dono de
uma loja de artigos de caça, o que explicaria o motivo de o terem esfaqueado,
essa gente metida a red neck
brasileiro deve ter uma bandeira do partido conservador pendurada atrás do
balcão, não surpreenderia que a gangue do filho de um deles atacassem Romie. Eu
tinha que chegar logo, antes que cortassem as bolas dele e enfiassem na boca do seu cadáver, não porque isso seria terrível – e seria - mas porque se Romie estivesse vivo para
julgar a própria morte ele ficaria puto por ter morrido assim. Tenho certeza de
que ele gostaria de morrer do coração nos meus braços ou algo do gênero, e isso
logo depois de oferecer uma performance estonteante de alguma música do RuPaul
para uma plateia em alvoroço de excitação, algo no estilo Satine de morrer.
No final, Romie está conversando
com o seu chefe e não pode sacar o celular. Nada de gangues de skatistas filhos
de red necks donos de lojas de caça.
Não. Pelo menos ser ansioso faz a sua vida parecer que vai se converter em um
thriller de ação a qualquer momento.
Eu converso com Romie e tudo fica
bem. A música do ABBA já dizia não é? “There’s no hurry anymore when all
is Said and done”. Bom, foda-se o ABBA também – por algum motivo
estranho, ser ansioso te faz um crítico ferrenho de música brega – sempre há o
que ser dito e feito. Eu acabo de conversar com o Romie e já há mais uns vinte
itens que eu preciso ter certeza de que ficou claro pra ele. O mundo
moderno foi projetado para acomodar os ansiosos, mas ainda é habitado
massivamente por pessoas comuns que não se dinamizaram o suficiente, que nem
mesmo planejam em detalhes o dia seguinte - quero dizer, como elas conseguem
dormir sem decidir a cueca que vão usar quando acordarem? Se Jesus tivesse
vindo nos dias de hoje e feito o sermão da montanha por streaming no YouTube,
ele diria algo como: “bem aventurado os ansiosos, pois herdarão a Terra”. Não
que seja alguma surpresa pra você, mas estou ansioso por esse dia. Abaixo os
"vamos ver", nunca mais às "pensadinhas" e morte aos
"eu acho"!
É,
ser ansioso te faz dogmático e um pouco fascista também.
Eu vivo neste mundo há algum tempo agora,
e ser ansioso te faz desesperado ao pensar que ainda há, pelas expectativas,
mais do que o dobro desse tempo ainda por vir. As pessoas dizem que a vida é
curta, os religiosos dizem isso, até os cientistas concordam com eles nisso.
Cacete, se religiosos e cientistas podem concordar em alguma coisa sobre a
vida, como que nós ansiosos podemos encontrar um lugar entre vocês? Porque,
deixa eu te contar, a vida é longa. É malditamente arrastada. Romie vai me
dizer até terça se iremos viajar na sexta, e ele vai viver feliz até lá. Eu
invejo o filho da mãe com uma força que vem do núcleo dos meus ossos. Porque
nesse meio tempo eu vou viver como se estivesse na página principal do meu
Facebook e não conseguisse desfazer o símbolo vermelho de notificação no canto
da página. Tudo azul, exceto pela maldita resposta de Romie. E até que ela
venha, pra mim, vai se passar toda uma vida.
A ansiedade é uma grandeza física, ela faz o
tempo relativo para quem está mais próximo dela. E os azarados que inventam de
nascer com a maldita dentro do peito, batendo junto com o seu coração, vivem
essa vida amaldiçoada. Desejando sempre apenas poder transmitir todo o
desespero e agonia que sentem para a próxima pessoa, apenas com um toque, só para poder ser compreendido.
Ser ansioso te faz agir como um vírus.
Você quer disseminar-se para sobreviver. A sociedade é o seu hospedeiro, e você
precisa garantir que ela fique viva para sustentá-lo, mas ela vai tentar
expulsá-lo, colocá-lo no seu lugar, mantê-lo sob controle ao menos. Quando
religiosos e cientistas concordam, é quando glóbulos vermelhos e brancos se unem.
Que seja. Eu sou um vírus. Ser ansioso te faz o vilão, e um tanto pessimista.
Você nunca é feliz por mais do que alguns
instantes, porque sempre fica afoito pelo próximo momento em que você vai se
sentir feliz, e agoniado de pensar que ele talvez não chegue. A sinaleira é
muito demorada, a música que você adora poderia ter versos a menos, o livro ser
mais curto, o filme menos subjetivo, os petiscos podiam ser pulados nos churrascos
de domingo, a vida podia ter menos graça. Quando se é ansioso você vive para o
próximo momento em que vai ver você mesmo falhar em aproveitar os pequenos
momentos.
Você traça objetivos que parecem
impossíveis. Você os alcança. Então quer alcançar o próximo horizonte, sempre
correndo atrás do sol, tentando alcançá-lo antes que ele se ponha.
Quando se é ansioso, você sempre quer
mais, e desconhece o significado de “demais”.
Deixa eu te contar uma última coisa sobre ser ansioso: nós não entendemos as pessoas.
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