Algo entre Ata-me (do próprio Almodóvar) e Frankenstein, A Pele que Habito começa nos apresentado a Vera (Elena Anaya), uma bela moça que vive trancafiada em um quarto numa mansão, cuidada por empregados e uma governanta com quem só tem contato através de um interfone e um elevador para mantimentos. Quem a mantém lá é o Dr. Roberto Ledgard (Antonio Banderas), um cirurgião que aparentemente esta tentando criar uma pele humana artificial que seja muito mais resistente que a nossa, inclusive a picadas de animais, cortes e até mesmo o fogo. E sua cobaia seria Vera, a quem não deixa chegar perto de objetos cortantes ou pontiagudos. Acontece que o passado de Roberto esconde traumas terríveis que servem como motivações para sua pesquisa, e assim, enquanto aos poucos vamos descobrindo que eventos foram estes que moldaram o personagem ao que ele se tornou, é que vamos também conhecendo a história de Vera, que se mostrará ser muito mais que uma simples cobaia humana.
Escrito pelo próprio Almodóvar, o longa brinca tranquilamente com o imprevisível e o bizarro (elementos sempre presentes nos melhores trabalhos do diretor), indo e voltando no tempo de maneiras incomuns para entregar os elementos de sua estória no momento planejado. Tirando-nos de uma linha de raciocínio e nos jogando em outra totalmente diferente e absurda várias vezes, vide o ótimo momento com o "tigre", sua estrutura possui o dom de nos deixar interessados justamente por não sabermos como aquilo será conduzido dali em diante. E mesmo sendo possível imaginar aonde tudo vai dar (ou deu, depende do seu ponto de vista), eu cito de novo e desafio, quem imaginou antes de acontecer, que aquele "tigre" iria surgir na trama?
É fato que o realizador está muito a vontade na direção e condução do projeto. E isso é claro, porque ele está rodeado de profissionais que além de competentes, são velhos colaboradores, que por isso mesmo já estão afinados ao estilo do diretor. José Luis Alcaine assina a ótima fotografia do filme, que preza por mostrar com clareza as conhecidas opções estéticas dos cenários de Almodóvar, sempre amplos e coloridos. Assim o filme é quase sempre muito bem iluminado, seja em uma externa a luz do dia, ou em uma interna dentro de um porão de pedra totalmente fechado, onde mesmo assim, se vê uma réstia de luz azulada que refletida em uma balde de água parece iluminar todo o local. Outro que volta ao seu posto é José Salcedo, que mais uma vez se encarrega da montagem de um filme do cineasta. E mais uma vez se mostra competente ao saber lidar com um roteiro incomum do mesmo, fazendo das idas e voltas no tempo (da pra chamar de flashback?), mudanças naturais na trama. Respondendo aos poucos perguntas que vão surgindo, e revelando aos poucos o verdadeiro herói do longa. O que me leva a mais um antigo amigo de Almodóvar. Antonio Banderas, que encarna aqui a fúria e a paixão de Roberto, um homem dividido eternamente entre o amor e o ódio. O ator consegue por nos gestos simples e delicados ou na fala suave e cuidadosa, o cuidado e a preocupação que o personagem tem para com Vera. Assim como sabe ser energético e soturno quando furioso, mas sempre mantendo em ambos os sentimentos um tom autoritário que servirá mais tarde para a virada que o personagem sofre sobre a perspectiva do espectador. Ah sim! As emoções do filme, bem marcadas e objetivas principalmente quando trazidas a nós por mais um colaborador de Almodóvar, Alberto Iglesias que entrega aqui uma trilha maravilhosa que quase sempre atrelada totalmente à montagem, nos carrega nos altos e baixos dos personagens e seus conflitos, com temas sempre carregados e característicos do compositor.
Outros que merecem o devido destaque são Marisa Paredes e Jan Cornet que respectivamente interpretam Marília e Vicente. A primeira, a governanta da mansão Ledgard, se mostra uma mulher tensa, não maliciosa, mas mesmo assim o tipo de megera que o público adora odiar. Já Cornet vive Vicente, um rapaz que tem um envolvimento importante nos eventos traumáticos vividos por Roberto e que mais tarde tem um destino ainda mais marcante. Mas meu maior destaque vai para Elena Anaya que encarna com perfeição a serena Vera. Seus traços físicos lembram às vezes a adorada de Almodóvar, Penélope Cruz, principalmente nos grandes olhos castanhos, que expressivos, pouco precisam fazer para nos passar do mais profundo desejo até o mais tenebroso ódio vividos pela personagem. A princípio entende-se que Vera é um clone da falecida esposa de Roberto, e que o desejo do cirurgião ao criá-la foi, além de qualquer pesquisa, reviver a esposa. O que, aliás, explica em muito o nome dado por Roberto a este "clone": Vera Cruz. Do latim, "cruz verdadeira" ou "cruz original", um termo usado para se referir à cruz em que Jesus Cristo teria sido posto e que aqui faz referência ao desejo do personagem de Banderas de trazer sua Gal (nome da esposa falecida) de volta. Há um momento inclusive, que mostra Roberto moldando um bonsai prendendo-o com ferro, o que praticamente representa o personagem, que aprisiona e molda a própria vontade algo que devia ser natural. Assim, pequenos detalhes como esses, ajudam a colocar os desejos dos personagens e suas características em ordem na tela, graças à atenção que o diretor e escritor parece ter com eles.
Mesmo possuindo o que alguns poderiam chamar de erros, este novo longa de Pedro Almodóvar fecha como um dos melhores lançamentos do ano justamente por não se preocupar com os absurdos que compõe sua estrutura. Conduzindo até mesmo o mais leigo dos espectadores por seu universo imprevisível e cativante. Usando e abusando das cores na direção de arte, curiosamente muito menos explícito que o comum nas cenas de sexo e sabendo dosar com talento o mistério, a emoção e a estória que pretende contar, o cineasta entrega aqui o que deverá se tronar um de seus trabalhos mais memoráveis, ainda que eu preveja alguns falando sobre este ser um filme menor, o que em momento algum tira méritos do projeto que alcança com maestria todos os seus objetivos.
NOTA: 10/10
NOTA: 10/10
Bom, já discuti o filme contigo. Continuo não gostando muito daqueles detalhes. hehehe
ResponderExcluirMas o filme é bom! ;)
Abraço,
Thomás
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