Então, nada de
chamadas diretas com o presidente, uma sala na casa branca cheia de políticos
desocupados acompanhando uma missão passo a passo, um belo discurso de um
personagem antes de morrer e muito menos computadores e imagens de satélite
impossíveis que ajudam a CIA em momentos convenientes. Este, segundo Bigelow, é
o mundo real, onde uma americana saindo da sua garagem pode ser baleada somente
por ser uma mulher branca dirigindo seu carro, onde um helicóptero falha por
questões técnicas em meio a uma importante operação, e onde achar um sujeito
qualquer (não Osama, mas um simples mensageiro da Al-Qaeda) pode significar uma
investigação árdua de muitos anos por parte dos agentes envolvidos.
A mensagem fica clara
dede o início, pois uma tela preta e apenas sons de gravações reais de vítimas
do 11 de Setembro, abrem o filme já em um sinal de luto e respeito ao realismo
da narrativa. A partir daí somos enviados para dois anos após os acontecidos em
New York, onde acompanhamos a chegada da agente Maya (Jessica Chastain) a base
da CIA no Oriente Médio, onde através de torturas de prisioneiros, complexos
esquemas políticos e operações táticas e burocráticas, ela começará uma caçada
de anos pelo terrorista Osama bin Laden.
Mesmo em seu Guerra ao Terror, Bigelow
mostrava alguma tendência a se entregar aos recursos narrativos clássicos da
sétima arte, como ao introduzir seu filme através de um prólogo, usando de
artifícios como a câmera lenta, por exemplo, que distanciavam um pouco o peso
da brutalidade daquela realidade de seu filme puramente cru, ainda que claro,
naquele caso tivesse a razão de ser para mostrar com detalhes os estragos que
uma explosão de uma daquelas bombas poderia causar. Aqui, a diretora e seus
montadores, William Goldenberg e Dylan Tichenor, não só dividem sua narrativa
em partes específicas que remetem estranhamente não a capítulos, mas às etapas
de uma operação, como também não fazem muitos floreios para começar sua trama,
introduzindo Maya já em meio a um violento interrogatório, onde ao lado de Dan
(Jason Clarke), participa da tortura de um prisioneiro.
Chastain a princípio
revela uma personagem frágil que parece deslocada naquele ambiente, nervosa e
claramente incomodada com a brutalidade, não demora muito para que sua Maya
seja a própria autora de vários atos brutais. E o contraste entre seu visual
sempre limpo e impecável, contra os de seus reféns imundos e feridos impõe uma
ironia sob a mulher, que ganha uma frieza assassina conforme avança a
narrativa, chegando ao ponto em que ao despachar um soldado para uma missão,
ela não hesita em pedir "matem ele pra mim". Já Jason Clarke investe
em um Dan amortecido pelos anos de "trabalho sujo", que parece
ignorar os atos brutais que comete contra os prisioneiros ao chama-los de
"brô", o que por si só já acarreta em um contraste gritante entre ele
e seus torturados. E seu uso de Heavy Metal como instrumento de tortura não
deixa de soar como uma crítica ao conservadorismo dos povos do Oriente Médio.
Aliás, chega a ser engraçado que, para conseguir informações de uns, os agentes
não se privem de métodos violentos e angustiantes, e para conseguir algo de
outros sujeitos mais favorecidos, os mesmos personagens invistam em táticas
mais "burguesas". Assim, enquanto torturam uns, presenteiam
outros.
A verdade é que, A Hora Mais Escura busca retratar a obsessão do país
que sofreu um atentado brutal, onde toda uma geração precisou buscar um rosto
para culpar. Maya é a representação desta geração que viveu os eventos e pôde
assimilar suas consequências, o plano que mostra o reflexo sombrio da agente
sobre uma bandeira do Estados Unidos enquadrada é o resumo perfeito desta
ópera. E não por acaso o fechamento do filme, com o rosto da personagem em
close, tem como plano de fundo listras vermelhas. Assim, Bigelow mantém seus
acertos de direção em todos os sentidos, já que é justamente o rosto do
principal culpado de tudo que nunca chegamos a ver, respeitando também desta
maneira, a chance de uma idealização por parte do espectador sobre o bicho
papão que Osama bin Laden se tornou na mídia.
A já famosa operação
que resultou em sua execução, aliás, toma conta do terceiro ato do longa em uma
provinha da diretora de Guerra
ao Terror, que sabe conduzir uma sequência de tensão com maestria e bom senso
- diferente de Ben Affleck em Argo,
que embora tão hábil quanto Bigelow ao criar o mesmo sentimento em seu
espectador, usava de elementos artificiais e dispensáveis para tal. Assim, a
diretora explora a chegada de um carro, por exemplo, com sabedoria e paciência,
elevando o suspense sem criar ou inserir momentos desnecessários, usando do
próprio protocolo de segurança de uma base militar para causar o efeito que
pretende. Mantendo junto com isso, os pés numa realidade palpável para seu
espectador. Realidade esta que é ressaltada pelo ótimo sound design, que cria
sons de tiros não só convincentes, mas altos, secos e rápidos, que geram uma
ligeira e certeira impressão de que sua eficiência é letal, seja onde for que
atingir.
Retirando assim a
maquiagem fantasiosa que Hollywood não hesita em colocar em seus filmes, A Hora Mais Escura parece mostrar cruamente o que foram
os acontecidos que levaram a morte de Osama bin Laden, e por mais que seja
eficiente em nos fazer entender seus personagens, nunca há de fato
identificação com os mesmos, já que entre nós, Bigelow não coloca apenas uma
tela de cinema, mas um precipício representado pela realidade brutal daquelas
figuras.
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