segunda-feira, 29 de julho de 2013

BUNDAS EM GERAL

Um livro é, na definição mais cruel em que Bob conseguia pensar, uma grande fonte de desperdício de tardes ensolaradas e clima ameno, que poderiam ser facilmente melhor ocupadas com videogame e pornografia. Nada fora dos bons costumes de um adolescente de quinze anos em plenas férias escolares, ainda mais de um que adorava o fato de poder investir a maior parte do dia em decidir se iria levantar ou não da cama. Diferentemente de um analista de sistemas de uma grande corporação a dois estados de distância dali, Bob não se preocupava com qualquer que fosse o aspecto social de uma pessoa, principalmente se definido através de uma análise superficial de seu traseiro. Bob não se questionava sobre crises políticas em outros continentes, não se importava com as notícias da crescente onda de crimes em seu bairro e nunca lhe havia passado pela cabeça se perguntar por que os garfos tinham apenas quatro dentes e não cinco ou simplesmente três. Infelizmente, Bob morreu. Isso foi quando um ladrão invadiu e roubou sua casa durante uma tarde ensolarada e de clima ameno. O tiro que causou sua morte atravessou a revista pornográfica que ele segurava e acertou-o diretamente no peito, alguns dizem que se fosse um livro de capa dura o que Bob tivesse nas mãos, ele teria sobrevivido. Esse conto, portanto, não é sobre Bob, e sim sobre um analista de sistemas a dois estados de distancia dali que gostava de analisar superficialmente o traseiro de pessoas para definir seus aspectos sociais. E não há nenhuma lição de moral neste parágrafo incentivando você a ser um leitor mais voraz, apenas um claro e óbvio exemplo de que não se deve gritar como uma mulherzinha quando um assaltante portando uma arma do tamanho de um labrador adulto entrar no seu quarto julgando-o estar vazio. Isso irá assustá-lo e fazer com que atire. Bob agora sabe disso.

Felizmente, Alex, já sabia disso há muito tempo. Alex era um analista de sistemas de muito sucesso, ou pelo menos tanto quanto era possível sendo-se um deles. Entretanto, o curioso sobre este indivíduo era o fato de mentalmente ele classificar as pessoas através de suas bundas. Ou como ele imaginava que fossem suas bundas. As pessoas podiam ser boas, médias ou extremamente ruins dependendo de como Alex julgava seus traseiros. Por exemplo, crianças eram naturalmente desleixadas e só limpavam a bunda no banho ou quando um dos pais, o que não estivesse pensando em suicídio, decidisse fazer isso em um daqueles banheiros especiais nos shoppings para se trocar e limpar os filhos. Logo, crianças em geral, eram pessoas ruins, de baixa classe, que não mereciam a atenção de Alex nem por um segundo. Mendigos também não tinham o costume de limpar a bunda, e portanto também não deviam estar em classe alguma diferente da baixa. Porém, idosos se dividiam em duas classes distintas, pois existiam aqueles que moravam sozinhos e aqueles que estavam morrendo de alguma doença terminal em um hospital. Obviamente aqueles nos hospitais eram mais dignos do que aqueles em casa. Os idosos morrendo nos hospitais tinham suas bundas regularmente limpas por enfermeiras, o que certamente os destacava daqueles que viviam sozinhos em suas casas e que tinham uma higiene pessoal muito duvidosa. Então não era loucura de se afirmar que Alex conseguiria manter uma conversa muito mais tranquilamente com um idoso à beira da morte do que com uma criança ou um mendigo (ou uma criança mendiga), e muito menos com seus avós, que infelizmente ainda estavam saudáveis deitados em sua cama não fazendo mais sexo. O que sempre levava Alex a definir diretamente homossexuais como indivíduos de classe altíssima. Afinal seus traseiros deviam estar constantemente limpos para o uso no coito. 

Já pessoas em geral, que não se encaixavam em nenhuma das outras pré-disposições que Alex usava para classificar os seres humanos a sua volta, se classificavam primeiramente como classe média, e ganhariam ou perderiam pontos conforme ele as conhecesse melhor e a suas bundas. Isso porque ele era contra julgar as pessoas superficialmente. Mas Alex, recentemente começara a pensar que talvez ele devesse contar a alguém sobre sua teoria das bundas e como elas claramente definem uma pessoa por um hábito higiênico totalmente indiferente ao resto de sua personalidade. Decidiu até que isso poderia virar um livro, e quem sabe outras pessoas compartilhariam de sua visão de mundo e adeririam a um grande movimento social que eles poderiam chamar de "bunda limpa". E num dia glorioso todos teriam bundas limpas, e os que se recusassem a tê-las seriam expurgados de sua sociedade íntimo-higienicamente perfeita, sendo condenados a uma chuca em praça pública!

Ao terminar de contar a ideia para a namorada, ela o chamou de "Idiota, retardado e fascista". Além do mais, ele percebeu que muitas outras pessoas já haviam feito coisas parecidas, pelo menos uma delas com muito sucesso há mais de dois mil anos. E assim Alex desistiu da ideia e nunca mais tocou no assunto, tendo sido eventualmente morto por uma infecção anal que, entre as muitas dores e sofrimentos que lhe trouxe, impedia-o de limpar sua bunda. E não há nenhuma lição de moral nisso também, sendo apenas uma infelicidade do destino de um pobre homem que não deveria ser usada como piada. É por isso que este conto teria sido muito mais interessante e menos polêmico se tivesse se focado no desinteressante e ingênuo Bob, que apesar de tudo, mantinha seu traseiro impecavelmente limpo. 

Por Yuri Correa


Nenhum comentário:

Postar um comentário