Um livro é, na definição mais cruel em que Bob conseguia pensar, uma
grande fonte de desperdício de tardes ensolaradas e clima ameno, que poderiam
ser facilmente melhor ocupadas com videogame e pornografia. Nada fora dos bons
costumes de um adolescente de quinze anos em plenas férias escolares, ainda
mais de um que adorava o fato de poder investir a maior parte do dia em decidir
se iria levantar ou não da cama. Diferentemente de um analista de sistemas de
uma grande corporação a dois estados de distância dali, Bob não se preocupava
com qualquer que fosse o aspecto social de uma pessoa, principalmente se
definido através de uma análise superficial de seu traseiro. Bob não se
questionava sobre crises políticas em outros continentes, não se importava com
as notícias da crescente onda de crimes em seu bairro e nunca lhe havia passado
pela cabeça se perguntar por que os garfos tinham apenas quatro dentes e não
cinco ou simplesmente três. Infelizmente, Bob morreu. Isso foi quando um ladrão
invadiu e roubou sua casa durante uma tarde ensolarada e de clima ameno. O tiro
que causou sua morte atravessou a revista pornográfica que ele segurava e
acertou-o diretamente no peito, alguns dizem que se fosse um livro de capa dura
o que Bob tivesse nas mãos, ele teria sobrevivido. Esse conto, portanto, não é
sobre Bob, e sim sobre um analista de sistemas a dois estados de distancia dali
que gostava de analisar superficialmente o traseiro de pessoas para definir
seus aspectos sociais. E não há nenhuma lição de moral neste parágrafo
incentivando você a ser um leitor mais voraz, apenas um claro e óbvio exemplo
de que não se deve gritar como uma mulherzinha quando um assaltante portando uma arma do tamanho de um labrador adulto entrar no seu quarto julgando-o estar
vazio. Isso irá assustá-lo e fazer com que atire. Bob agora sabe disso.
Felizmente, Alex, já sabia disso há muito tempo. Alex era um analista de
sistemas de muito sucesso, ou pelo menos tanto quanto era possível sendo-se um
deles. Entretanto, o curioso sobre este indivíduo era o fato de mentalmente ele
classificar as pessoas através de suas bundas. Ou como ele imaginava que fossem
suas bundas. As pessoas podiam ser boas, médias ou extremamente ruins
dependendo de como Alex julgava seus traseiros. Por exemplo, crianças eram
naturalmente desleixadas e só limpavam a bunda no banho ou quando um dos pais,
o que não estivesse pensando em suicídio, decidisse fazer isso em um daqueles
banheiros especiais nos shoppings para se trocar e limpar os filhos. Logo,
crianças em geral, eram pessoas ruins, de baixa classe, que não mereciam a atenção
de Alex nem por um segundo. Mendigos também não tinham o costume de limpar a
bunda, e portanto também não deviam estar em classe alguma diferente da baixa.
Porém, idosos se dividiam em duas classes distintas, pois existiam aqueles que
moravam sozinhos e aqueles que estavam morrendo de alguma doença terminal em um
hospital. Obviamente aqueles nos hospitais eram mais dignos do que aqueles em
casa. Os idosos morrendo nos hospitais tinham suas bundas regularmente limpas
por enfermeiras, o que certamente os destacava daqueles que viviam sozinhos em
suas casas e que tinham uma higiene pessoal muito duvidosa. Então não era
loucura de se afirmar que Alex conseguiria manter uma conversa muito mais
tranquilamente com um idoso à beira da morte do que com uma criança ou um
mendigo (ou uma criança mendiga), e muito menos com seus avós, que infelizmente
ainda estavam saudáveis deitados em sua cama não fazendo mais sexo. O que sempre levava Alex a definir diretamente homossexuais como
indivíduos de classe altíssima. Afinal seus traseiros deviam estar
constantemente limpos para o uso no coito.
Já pessoas em geral, que não se encaixavam em nenhuma das outras pré-disposições que Alex usava para classificar os seres humanos a sua volta, se classificavam primeiramente como classe média, e ganhariam ou perderiam pontos conforme ele as conhecesse melhor e a suas bundas. Isso porque ele era contra julgar as pessoas superficialmente. Mas Alex, recentemente começara a pensar que talvez ele devesse contar a alguém sobre sua teoria das bundas e como elas claramente definem uma pessoa por um hábito higiênico totalmente indiferente ao resto de sua personalidade. Decidiu até que isso poderia virar um livro, e quem sabe outras pessoas compartilhariam de sua visão de mundo e adeririam a um grande movimento social que eles poderiam chamar de "bunda limpa". E num dia glorioso todos teriam bundas limpas, e os que se recusassem a tê-las seriam expurgados de sua sociedade íntimo-higienicamente perfeita, sendo condenados a uma chuca em praça pública!
Já pessoas em geral, que não se encaixavam em nenhuma das outras pré-disposições que Alex usava para classificar os seres humanos a sua volta, se classificavam primeiramente como classe média, e ganhariam ou perderiam pontos conforme ele as conhecesse melhor e a suas bundas. Isso porque ele era contra julgar as pessoas superficialmente. Mas Alex, recentemente começara a pensar que talvez ele devesse contar a alguém sobre sua teoria das bundas e como elas claramente definem uma pessoa por um hábito higiênico totalmente indiferente ao resto de sua personalidade. Decidiu até que isso poderia virar um livro, e quem sabe outras pessoas compartilhariam de sua visão de mundo e adeririam a um grande movimento social que eles poderiam chamar de "bunda limpa". E num dia glorioso todos teriam bundas limpas, e os que se recusassem a tê-las seriam expurgados de sua sociedade íntimo-higienicamente perfeita, sendo condenados a uma chuca em praça pública!
Ao terminar de contar a ideia para a namorada, ela o chamou de
"Idiota, retardado e fascista". Além do mais, ele percebeu que muitas
outras pessoas já haviam feito coisas parecidas, pelo menos uma delas com muito
sucesso há mais de dois mil anos. E assim Alex desistiu da ideia e nunca mais
tocou no assunto, tendo sido eventualmente morto por uma infecção anal que,
entre as muitas dores e sofrimentos que lhe trouxe, impedia-o de limpar sua
bunda. E não há nenhuma lição de moral nisso também, sendo apenas uma
infelicidade do destino de um pobre homem que não deveria ser usada como piada.
É por isso que este conto teria sido muito mais interessante e menos polêmico
se tivesse se focado no desinteressante e ingênuo Bob, que apesar de tudo,
mantinha seu traseiro impecavelmente limpo.
Por Yuri Correa
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