O novo filme 007 não vai agradar grande parte do público. É solene demais,
reverente demais, toma o tempo que precisa para acontecer, tem um ritmo
atípico, e além disso não funciona completamente sozinho, se fazendo muito
dependente dos três outros longas anteriores encabeçados por Daniel Craig.
Entretanto, diria que é apenas justo que o 24° filme de uma franquia se permita
esses “luxos”, ainda que eles não conversem com a maioria dos espectadores. 007 Contra Spectre é consciente da
bagagem que trás consigo, e como despedida (será?) dessa fase, acaba se
convertendo em uma aventura peculiar, que embora não tenha o embalo de Operação Skyfall, acaba, junto àquele
belo exemplar de 2012, completando um arco nostálgico de homenagem para Bond,
James Bond.
O longa é, novamente, dirigido
por Sam Mendes, com a elegância habitual, e já de largada somos inseridos em um
elaborado plano sequência que, sem dúvidas, envolveu diversos efeitos visuais.
A partir daí temos os sempre aguardados créditos iniciais, dessa vez embalados
pela não tão marcante – mas boa – Writing’s
On The Wall, de Sam Smith (será que a Adele estava muito ocupada?), e aí
sim começamos a desvendar os mistérios em torno de uma organização que,
supostamente, estaria por trás de todos os outros vilões enfrentados pelo espião
em Cassino Royale, Quantum of Solace e Skyfall.
É claro que Spectre poderia cortar caminho facilmente aqui e ali para tornar-se
mais ágil – e quem lê deve pensar que o filme não tem cenas de ação, quando o
plano sequência que citei antes, já culmina em uma extremamente absurda já na
abertura do filme. Por exemplo, porque Moneypenny (Naomie Harris) precisa
abordar Bond primeiro na rua para lhe entregar algo, só para que acabem combinando
de se encontrar no seu apartamento? O que, aliás, já acontece na cena seguinte.
Mas são escolhas que, por mais equivocadas que possam ser, são obviamente
intencionais, e John Logan e Neal Purvis (já veterano na franquia) concebem
claramente um roteiro que busca dar tempo aos personagens, o que torna o
retorno de Sam Mendes à direção mais do que apropriado. Eficiente em
estabelecer a mise en scène das sequências de ação, o cineasta ainda volta a
demonstrar uma segurança admirável ao criar planos e cenas inteiras que se
constroem com cuidado e estudo - ele chega a ter a "ousadia" de deixar rolar um plano de vários segundos em meio ao ápice do clímax. E é nesse ponto em que muita gente começa a
bocejar, já que as produções enlatadas lançadas semanalmente, não os
acostumaram a ritmos que não sejam o frenético. O tempo oferecido por Mendes,
porém, para quem tiver a boa vontade de acompanhar, constrói intimidade, tensão
e entrosamento, praticamente dragando o espectador que estiver atento para as diversas
atmosferas propostas pelo diretor.
Ainda que desta vez ele não conte com a ajuda de Roger Deakins na fotografia, que era um dos aspectos mais marcantes de Skyfall. Entretanto, Hoyte Van
Hoytema faz um bom trabalho simulando a estética normalmente apresentada pelo mestre
Deakins, com seus planos em contra luz e iluminação difusa. Por outro lado,
Thomas Newman se faz mais presente nesse capítulo, e sua trilha é, quando
ausente ou presente, acertada justamente por encontrar o seu espaço, jamais
deixando de lado o tema clássico para os momentos mais apropriados. O que ajuda
a criar uma aura mais fantasiosa a um filme que se leva tão a sério, apesar de
trazer, finalmente, o mais famoso e caricato dos vilões de Bond para essa fase.
Ernst Stavro Blofeld ganha, surpreendentemente, uma performance sóbria e
contida de Christoph Waltz, que dessa maneira lhe confere a ameaça e
periculosidade dignas de um super vilão – e é divertido notar como todos os
seus elementos clássicos surgem de uma maneira ou de outra, como o gato branco,
a roupa e a cicatriz. De outra forma, Mendes e Dave Bautista também concebem um
ótimo antagonista intermediário cujo silêncio é a maior prova de sua maldade –
e funciona como uma boa piada o momento em que finalmente diz algo.
Já o resto do time de apoio de
Bond encontra nos personagens de Ralph Fiennes, Ben Whishaw, Harris e Rory
Kinnear um grupo carismático que funciona com química trabalhando juntos,
principalmente durante o clímax. O que ajuda a deixar uma saudável sensação de
saudades daquelas figuras. Já Léa Seydoux, ainda que sempre interessante e
vivaz, está lá pela simples obrigação de existência de uma Bond Girl, porque de resto, o roteiro poderia se virar muito bem
sem ela. Ok, ela forma uma boa dupla com Craig, alguém com quem bater diálogos
que expliquem a trama e piadas rápidas, mas Logan e Purvis poderiam ter lhe
dado funções melhores do que ser, literalmente, a donzela em perigo. Mas outra
vez, são decisões conscientes tomadas pela produção que, se antiquadas ou não,
são reverentes ao esquema clássico do personagem e seu implícito machismo e
conservadorismo. C (Andrew Scott) não estava de todo errado afinal, Bond é um
ser pré-histórico que insiste em sobreviver muito além de seu tempo, junto com
suas melhores e piores características. 007
Contra Spectre entende isso em relação à franquia e se despede com calma e,
graças a Mendes, com muita elegância dessa faceta do espião com permissão para
matar – mas que aqui pode escolher não fazê-lo, o que, considerando o histórico do
personagem, é uma p#t@ evolução que perdoa os seus outros eventuais desvios de
personalidade.
NOTA: 8/10
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