É notável como Brooklin conta a sua história através
das cores. Muitos filmes parecem ignorar que existem outros meios de narrar a
sua trama além do roteiro. Montagem, fotografia, figurino, design de produção,
atores, trilha sonora, som, ou a ausência dele, posicionamento de câmera,
composição de quadro e etc., são todas ferramentas da linguagem cinematográfica
que podem ser usadas (e deveriam ser mais pensadas) para que as obras se
comuniquem com o público. Não fosse o suficiente, e embora pareça estúpido ter
de apontar o óbvio, são elementos que podem trabalhar juntos, gerando inúmeras
possibilidades de mensagens, tons, sentimentos, etc. Aqui, não temos a mais
sofisticada ou elaborada das tramas, e ainda assim, é incrível que Brooklin consiga transformar a sua história
incrivelmente simples em um belo filme, que exprime delicadeza e magnetismo justamente
da utilização de um padrão tão básico de associação quanto o das cores.
Afinal, como dizia o (infelizmente) já falecido Roger Ebert, não importa sobre
o quê um filme é, mas sim como ele é sobre o que ele é.
Um ensinamento que, se ignorado
(e normalmente é), pode gerar uma resistência quanto a esse projeto, que
basicamente conta sobre uma garota irlandesa, Eilis (Saoirse Ronan), que imigra
para o Estados Unidos em meados da década de 1950 em busca de uma vida com mais
oportunidades, deixando a mãe e a irmã mais velha para trás. Uma vez na América,
a moça é recebida em uma pensão e colocada para trabalhar como atendente em uma
loja de artigos de grife. Primeiramente triste por sentir falta de casa e da
família, ela logo se adapta e chega mesmo a conhecer um rapaz italiano, Tony
(Emory Cohen), com quem começa a sair. Entretanto, um evento faz com que volte
para a Irlanda, dividindo-a sobre voltar para o seu novo lar, ou ficar no
antigo.
Trata-se de um drama que poderia soar
terrivelmente aborrecido, mas que aqui ganha contornos mais interessantes quando
passamos a notar que, a exemplo do seriado Breaking
Bad, existe um esquema de cores que domina a narrativa e a ajuda a se
contar. Não menos curioso é que ambos, a série e Brooklin, partem do verde e seu simbolismo direto com os
protagonistas. Se na história de Walter White a cor significava o dinheiro que ele
tanto almejava, aqui ela claramente representa o peso que a Irlanda tem na
personagem de Ronan, que já o veste em tons claros quando ainda segue sua
rotina no país, passando imediatamente para o tom mais escuro de um casaco
pesado quando está partindo, indicando o sentimento forte que está levando com
ela. Ainda mais interessante é notar que a americana que Eilis conhece à bordo
do navio usa vermelho, que o filme passa admitir como a cor “americana”, mas
que também indica força, o que vai ser trazido de volta mais adiante quando, já
começando a se habituar ao novo continente, a irlandesa exibe trajes
listrados de vermelho, indicando sua gradual adesão, até que ele toma
totalmente conta do seu figurino. Ainda que, de maneira esperta, a produção
vista a personagem com um discreto verde por baixo, indicando que apesar da sua
naturalização na América, Eilis não esqueceu suas origens.
Da mesma forma, as cores parecem
trabalhar em função da garota nos outros personagens, e no primeiro jantar na
pensão, enquanto ela veste rosa (que não deixa de ser um vermelho bastante
diluído), indício de que está tentando se adaptar, a Senhoria (Julia Walters),
veste verde, dando a entender que também está se esforçando para que a novata
seja bem recebida. O mesmo verde que Tony usa para tentar se passar por
irlandês, posteriormente assumindo o marrom como sua identidade italiana, sendo
admirável que em uma nova tentativa de ser bem recebida, a protagonista vista
bege (que não deixa de ser um marrom bastante diluído) quando vai jantar com a
família do garoto pela primeira vez. Até que, quando finalmente assumem um
namoro, podemos vê-la desfilando com verde e marrom combinados.
Porém, nem tudo permanece feliz, e
o azul, que remete à tristeza, toma conta das vestimentas de Eilis quando ela
recebe notícias ruins de casa (não vou dar spoilers, prometo). E assim que
desembarca na Irlanda para uma visita, a cor que veste é o amarelo,
indicando sua perspectiva de trazer alegria ao lugar, destacando-se de uma das
integrantes da sua família, que usa o verde por cima do preto, anunciando seu desejo
de que Eilis fique ali, em detrimento dos ocorridos. E assim, do amarelo vivo que
trazia consigo, é apenas natural que ao ser confrontada com sentimentos tão
díspares, Eilis se entregue a uma profunda melancolia, estampada em um vestido
azul escuro, que ainda traz os detalhes geniais de enfeites de cristal em forma
de gotas na gola, contrastando com a amiga Nancy, que por sua vez veste o mesmo
amarelo com que a moça regressara ao país, em uma clara tentativa de se parecer
mais com a amiga como ela é hoje. Muito embora Ronan demore a vestir outra cor
que não a da tristeza, mesmo que os tons comecem a se tornar mais claros com o
passar do tempo.
Aliás, nesse processo todo,
Saoirse Ronan consegue, com brilhantismo, não ser carregada pelos simbolismos
do filme, entregando uma personagem emotiva que reconhece aos poucos a própria
força (e por isso o vermelho também), mas que jamais parece ceder à insensibilidade
nessa transformação. E se no começo do filme a vemos como uma figura minúscula e
exausta trabalhando em uma padaria, mais para o fim, ela surge gigante e mal acomodada dentro
de um escritório que, pequeno, escuro e completamente fechado, parece já ser
diminuto demais para o tamanho da personalidade que Eilis passou a ter. Assim,
com um fade que, por alguns instantes, coloca ela dentro da cabeça de Jim (Domhnall
Gleeson, sempre eficiente) - já que, era nos pensamentos dele que a moça deveria
estar mesmo - é que a protagonista toma sua decisão de ficar ou voltar. Uma escolha
que, claro, quando feita, é imediatamente esboçada nas cores do figurino dela.
NOTA: 8/10
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